Em 1905, a população russa, em profundas condições de miserabilidade, resolve pedir ajuda ao seu czar, Nicolau Romanov (ou Nicolau II). Pensavam que, por algum motivo, o monarca não conseguia enxergar as dificuldades do seu povo, e certamente um grande apelo o faria resolver imediatamente os problemas mais graves.
Num dia de janeiro, após a missa, as famílias seguiram o padre em marcha até o Palácio de Inverno para entregar uma carta de reivindicações. Caminharam pela neve crianças, idosos, homens e mulheres, sem imaginar que seriam massacrados sem piedade pelo exército do homem que acreditavam ser o escolhido por Deus para governar.
O chamado Domingo Sangrento, lembrado pelos palestrantes dessa quinta-feira, 26/10, segundo dia do Seminário 100 anos da Revolução Russa, foi um dos principais fatores para o fortalecimento da situação revolucionária naquele país. A repressão se repetiria em outros momentos, espalhando o medo. Mas cada novo confronto fazia crescer também na população o sentimento de revolta.
“As derrotas são importantes no amadurecimento da luta. Por isso nós temos de lembrar de tantas outras que não se concretizaram, como a Revolução Alemã, de 1918. Nós avaliamos os erros e avançamos a partir disso. Depois do massacre no Domingo Sangrento, os russos voltaram para a frente do Palácio do czar levando uma faixa com uma frase muito significativa: nós lembramos!”, disse professora Camila Marques (Ciências Sociais), palestrante da primeira mesa do dia.
Mas foi no período da Primeira Guerra Mundial que os trabalhadores perderam, de vez, a paciência. Além da fome, da miséria e do medo, os russos também enterravam centenas de soldados mortos nos campos de batalha todas as semanas. Ao contrário de todas as orientações dos movimentos populares, em 23 de fevereiro de 1917, que no calendário utilizado na época (juliano) corresponde ao 08 de março (gregoriano), as mulheres decidiram protestar, impedindo o trabalho nas fábricas e forçando os demais trabalhadores a tomar as ruas.
“Há registros de outras manifestações de mulheres pelo mundo nesse período, mas o Dia Internacional das Mulheres é, de fato, inspirado na greve provocada pelas trabalhadoras russas, o ponto de partida da revolução de outubro”, afirmou Marques.
A greve tomou força nos dias seguintes, obrigando Nicolau II a abdicar do poder. Um governo provisório se instala, com a promessa de retirar a Rússia da guerra, entre outras coisas. Sem cumprir os compromissos, também cai. Em 25 de outubro, a população toma o Palácio de Inverno, dirigida pelo partido bolchevique. O medo muda de lado.
A Revolução Russa e direitos
“Uma revolução é um processo, não é um evento. Não se resume à data da insurreição. Durante um processo revolucionário, a coisa mais importante para todas as pessoas é a participação nos debates e nas decisões políticas. As transformações da consciência acontecem numa velocidade inimaginável. O que antes parecia impossível, se torna possível. As pessoas estão se transformando a si próprias, crescendo”, afirmou o professor Valério Arcary (História) logo no início do debate da noite de quinta-feira.
Com riqueza de detalhes, o docente retratou todo o cenário russo, e destacou as principais contribuições desse momento histórico para a classe trabalhadora. “Nós celebramos a Revolução Russa, primeiro, porque ela mostrou que é possível”, disse o docente.
De acordo com Arcary, devemos à Revolução Russa direitos trabalhistas como a regulamentação, por lei, do salário mínimo - entre outros que os trabalhadores brasileiros conseguiram pautar a partir da década de 1930 -, e direitos sociais como educação e saúde públicas. Além disso, os avanços também contemplaram reivindicações históricas das mulheres, como o direito ao voto e a autonomia sobre o próprio corpo, com a descriminalização do aborto, entre outros.
Assim, a Revolução Russa fez o medo mudar de lado. “O capitalismo se vê obrigado a fazer reformas para evitar novos outubros. A classe dominante aprende a governar. Entende que para preservar os dedos, é preciso perder alguns anéis”, explicou o professor.
O capitalismo desenvolve ferramentas para afastar da memória dos trabalhadores o quão importante foi a primeira experiência de uma sociedade pensada e governada pela classe operária. Reduzem as conquistas que repercutiram em todo o mundo aos equívocos do período liderado por Stálin, que na leitura dos militantes e pesquisadores marxistas foi responsável pela abertura da Rússia ao sistema capitalista, simbolizada pela queda do muro de Berlim, em 1989. Isolar o país, reduzir a participação dos trabalhadores nos espaços decisórios, e perseguir os militantes são ações que não correspondem às práticas políticas que começaram a ser construídas no processo revolucionário. Trata-se de um outro processo, contrarrevolucionário.
Dessa forma, o Capital esforça-se para solidificar a falsa ideia de que a expressão máxima da democracia deve ser o direito ao voto, e que as conquistas devem se dar dessa forma.
“O que vocês acham mais democrático, colocar um voto numa urna, ou debater e decidir presencialmente todas as questões que importam para a sociedade? Nada é mais legítimo do que uma revolução”, provocou o professor.
Mais atividades
Durante a tarde de quinta-feira, a organização do evento exibiu o documentário “Pão, Paz e Terra”, palavras que simbolizam as demandas da experiência Russa, e a professora Camila Marques concluiu o mini-curso "Teoria da Revolução e Prática Revolucionária: um debate acerca da Revolução Russa”.
Na sexta-feira, 27/10, último dia do evento, os participantes seguem falando sobre comunicação e arte no período revolucionário.
Luana Soutos
Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind