Sim, o governo brasileiro tem alternativas ao congelamento de recursos por vinte anos, à Reforma da Previdência e a outras medidas que prejudicam os trabalhadores sob a justificativa de livrar o país da crise. O problema é que a retirada de direitos da população faz parte de um projeto político que vigora no Brasil desde a década de 1990, com maior ou menor intensidade, por meio dos governos neoliberais. A partir da lógica “Estado mínimo, Mercado máximo”, esses governos vêm reduzindo cada vez mais as responsabilidades sociais do Estado, redirecionando as políticas e os recursos a determinados grupos econômicos.
Foi um pouco dessa reflexão que a presidente do ANDES Sindicato Nacional, Eblin Farage, trouxe aos trabalhadores e estudantes mato-grossenses na última semana. Aproveitando uma agenda com a base do ANDES em Mato Grosso nos dias 01 e 02/12, Farage ministrou um debate com o tema “Conjuntura, desafios das organizações dos trabalhadores e a universidade”, no auditório da Adufmat – Seção Sindical do Andes, em Cuiabá.
“A conjuntura que vivemos não se explica por ela mesma. Ela faz parte de um processo maior, que remonta no Brasil da década de 1990, quando o governo propõe uma série de medidas que iniciam o chamado processo de Contrarreforma, em contraposição às reformas que orientaram a Constituição de 1988. Essas ações fazem parte de um projeto de Estado que surge a partir da crise do Capital na década de 1970, com reflexo em todo o mundo”, explicou a docente, que é doutora em Serviço Social.
De acordo com Farage, a avalanche de ataques aos trabalhadores tem a intenção, agora, de fechar um ciclo que teve início no país há vinte anos. “Na década de 1990, a discussão era se o Estado era responsável pelas atividades meio. Hoje, a disputa é se o Estado é responsável pelas atividades fins. A docência é considerada uma atividade fim. Se o Estado não for mais responsável por essas atividades, não teremos mais concursos públicos”, afirmou.
O caso de Portugal, país no qual o ANDES esteve esse ano para debater a educação, foi um exemplo utilizado para demonstrar o quanto o Brasil ainda tem a perder. Por lá, não há mais professores universitários concursados, e todos os anos os docentes têm de vender seus cursos para continuar trabalhando. “Se for assim aqui no Brasil, além de professores nós teremos de ser empreendedores, porque teremos de ir atrás de bolsas e incentivos para oferecer à quem quiser pesquisar”, comentou a professora.
O Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, sancionado no início desse ano pela presidente Dilma Rousseff, veio nesse sentido. Seu objetivo é legalizar o financiamento de pesquisas pelo setor privado nas universidades públicas, delegando aos pesquisadores a responsabilidade de atrair investimentos para as suas áreas de pesquisa. Além de dificultar a vida do pesquisador e utilizar mão de obra e estrutura públicas para beneficiar somente aqueles que podem pagar pelo serviço, os trabalhadores questionam fortemente a autonomia dos pesquisadores nesse modelo, diante da condição de “conquista” do investidor.
Esse embate faz parte de uma discussão atual sobre os métodos de privatização clássicos ou não clássicos. As Organizações Sociais e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) são exemplos de imposição da lógica de mercado nos serviços públicos, e consequente privatização.
“Hoje, além do retrocesso político, nós observamos o recrudescimento do conservadorismo. Com a desculpa de realizar um debate moral, impõe-se medidas políticas que dão suporte ao projeto conservador regressivo. Por exemplo: a definição do conceito de família. Há pesquisadores que apontam dezenas de formatos, mas o Congresso Nacional age em defesa de apenas um, e as políticas públicas têm sua matricialidade no conceito de família”, apontou Farage.
Como alternativa para os trabalhadores nesse difícil cenário, o ANDES Sindicato Nacional tem defendido a unidade na luta pela realização da auditoria cidadã da dívida, uma reforma tributária que garanta a taxação das grandes fortunas e revisão dos incentivos fiscais a grandes empresas, além da articulação com os movimentos sociais na construção da greve geral.
“Nós identificamos dois grandes desafios dos sindicatos nessa caminhada: um externo, que é a unidade dos trabalhadores diante de tantas divergências; e outro interno, que é o trabalho de base. É preciso considerar que nós passamos por um longo período de desorganização da classe, de dissenso dos movimentos sociais. Foram anos de despolitização, em que muitos não tiveram a oportunidade de vivenciar experiências coletivas. Nossa função agora é desmistificar algumas questões, até mesmo sobre o que é o sindicato. Acreditamos que a formação de comitês e frentes nos municípios e estados ajudem nesse sentido, pois o aumento da consciência dos trabalhadores se da nos espaços coletivos”, avaliou a presidente.
Essa foi a primeira vez que Farage esteve em Mato Grosso representando o Sindicato Nacional. Além do debate na Adufmat-Ssind, a presidente participou também de agendas com docentes da Unemat na capital mato-grossense e na Adufmat de Rondonópolis.
Luana Soutos
Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind