Sexta, 06 Maio 2016 18:38

Cinco séculos após invasão, território ainda é a principal demanda da população indígena brasileira

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Imagine como é difícil ter invadida, saqueada e devastada uma terra que é sua, de onde você e sua família retiram o sustento há gerações; uma terra que significa mais do que trabalho para os seus; um espaço conectado ao seu corpo e ao seu espírito. Essa é a situação a qual os indígenas brasileiros estão expostos há pelo menos 500 anos.

 

Cinco séculos após a chegada de outros povos no Brasil, que resultou na morte e expulsão de milhares de indígenas de suas terras, o território ainda é a grande questão dos nossos povos originários. A exploração absurda da terra sempre foi o motivo. Antes, o maior interesse eram as riquezas minerais. Hoje, o agronegócio avança empobrecendo e envenenado o solo, o ar e os rios.   

 

Essa situação ficou clara durante a Semana dos Povos Indígenas, realizada na sede da Seção Sindical do ANDES (Adufmat-Ssind) e no Museu Rondon da UFMT nos dias 25 e 26/04. A parceria entre estudantes indígenas da universidade com a Adufmat-Ssind, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a coordenação do Museu Rondon, o Diretório Central dos Estudantes e outros movimentos sociais trouxe para o debate professores, estudantes e representantes do Ministério Público Federal e da Advocacia Geral da União.

 

“Aqueles que chegaram no Brasil há menos de 50 anos conseguem terra, conseguem recursos do governo para comprar e depois colocam à venda. E nós, indígenas, não temos um território seguro e tranquilo para seguir com as nossas tradições”, disse Pedro Filho Canela Kwara, liderança indígena representando o Povo Canela do Araguaia.

 

Os Tapirapé, representados por Kamoriwai Elber Tapirapé, fizeram seu relato na língua. A tradução revelou a angústia manifesta no tom da fala: a reclamação também estava relacionada ao território. É preciso ter floresta. “Sem a floresta, nós não somos nada”, disse a liderança.

 

Os Chiquitano, por sua vez, trouxeram a realidade violenta na disputa pela terra entre indígenas e fazendeiros. “Para nós a terra não é mercadoria, ela é mãe. A constituição nos garante esse direito. Que ela seja respeitada”, afirmou Saturnina Urupe Chue. Embora o acesso às aldeias seja restrito, muitos fazendeiros avançam na tentativa de intimidar os índios.

 

A preocupação de Orivaldo Aiepa é que pelo menos seus netos tenham a segurança de crescer em local seguro. “Nós temos informação, sabemos a situação do país. Isso nos preocupa, mas o agronegócio não para. A água não é mais sadia. A mata não é mais sadia. Os bichos não são mais sadios e nós também não, porque estamos muito perto”, afirmou o Bororo.

 

Para alguns rituais, contam os indígenas, já não se encontra mais os animais necessários, como peixes e aves. Por vezes, em vez de caçar e pescar, os índios têm de comprá-los e transportá-los, correndo o risco de receber multas impagáveis ou ter a encomenda apreendida pela Polícia Federal. 

 

Contribuição científica        

 

Os indígenas se apropriam do conhecimento fornecido pela universidade e reivindicam cada vez mais espaço na academia. Assim eles se fortalecem, inclusive, com relação aos direitos que têm, além de ter acesso a diferentes técnicas que podem auxiliar em melhorias nas suas comunidades.

 

Essa foi uma das observações do presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Antônio Carlos Lima (MUNA/UFRJ) que participou do café da manhã temático, na abertura do evento, e provocou o debate na noite do dia 25/04, a partir do tema “O Estado brasileiro e os povos indígenas”. Ele trouxe o histórico da legislação voltada para os direitos dos povos originários, da luta pela terra e das instituições nacionais destinadas à proteção dos direitos indígenas. Para o antropólogo, o único caminho para avançar ainda é a articulação política por meio dos movimentos sociais.     

 

A UFMT tem hoje 75 estudantes que fazem parte do Programa de Inclusão Indígena (Proind). Eles representam 12 etnias diferentes, e estão presentes nos campi da UFMT em Cuiabá, Sinop, Araguaia e Rondonópolis. O Proind teve início em 2008, disponibilizando apenas dez vagas. Mas apesar do aumento gradativo, esses 75 estudantes indígenas não contemplam nem 28% do total de etnias que vivem no estado (43). Essas informações foram apresentadas pelo mestrando em Antropologia da UFMT, Adriano Boro Makuda. Formado em Direito pela UFMT, o estudante, da etnia Bororo, ministrou a palestra com tema “Estudantes indígenas do ensino superior e movimento indígena” na tarde do dia 26/05.          

 

Além de apresentar os dados, Makuda falou sobre as dificuldades encontradas pelos estudantes que chegam na universidade: a saudade da família, as diferenças estruturais da cidade e das relações pessoais, as responsabilidades financeiras que não existiam anteriormente (moradia, serviços, alimentação), as aflições diante do contato com metodologias e conteúdos desconhecidos e a pressão para superar todas essas questões.

 

O mestrando relatou, ainda, que o currículo da universidade, em especial da Faculdade de Direito, onde se formou, não envolve conteúdo de interesse indígena. “Eu fiz um debate na universidade, durante a minha graduação, sobre legislação indígena. Falei aos meus colegas que eles eram privilegiados, porque como futuros advogados, juízes, promotores, poderiam se deparar com casos envolvendo povos indígenas. Diferente do que as universidades oferecem, geralmente, eles estavam ali conhecendo a nossa realidade.”   

 

Para o presidente da Adufmat-Ssind, Reginaldo Araújo, o evento foi um aprendizado. A presença de estudantes indígenas na universidade é, para ele, uma oportunidade ímpar de formação cultural para todos. “Há quem acredite que estar na universidade é uma grande oportunidade para eles, mas na minha leitura é uma grande oportunidade para nós, de conhecer e ampliar nosso olhar sobre as diferentes culturas presentes no nosso estado e no nosso país", afirmou.

 

A semana terminou com um sarau indígena. A chuva e o frio atrapalharam um pouco, mas a reunião com música e comida típicas animou quem teve disposição de prestigiar o evento.

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

 

  

  

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