Sob a luz de velas, centenas de mulheres se reuniram na madrugada de segunda-feira (6), no ato inter-religioso pela vida das mulheres, em frente ao Superior Tribunal Federal (STF), em Brasília (DF). Acontece a segunda etapa da audiência pública da ADPF 442, em que discutem, desta vez, os representantes de entidades religiosas.
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) busca descriminalizar a interrupção da gravidez até a 12ª semana de gestação. A ação questiona artigos do código penal brasileiro, que criminalizam o aborto provocado pela gestante ou realizado com sua autorização. Atualmente, no Brasil, a interrupção da gravidez é considerada legal somente em casos de estupro, de gestação de fetos anencéfalos ou quando a gestante esteja correndo risco de morte.
Durante o ato, mulheres de diferentes religiões discursaram a favor da descriminalização do aborto, entre elas, evangélicas e católicas. Após as falas, mulheres a favor da descriminalização do aborto enfrentaram algumas restrições para entrar no plenário do STF. Segundo informações da Agência Brasil, algumas tiveram que abrir mão das camisetas dos movimentos.
Pela Vida das Mulheres
Desde sexta-feira (3), milhares de mulheres participam e acompanham, na capital federal, debates sobre a descriminalização do aborto no festival “Pela Vida das Mulheres”. Na sexta foi exibido, em telão do lado externo do Museu da República, o primeiro dia de audiência no STF com a participação de pesquisadores e profissionais da Saúde. Ao final da tarde, mais de mil mulheres, identificadas pelas cores verde e roxo, caminharam na Esplanada dos Ministérios até o STF. O roxo é símbolo da luta feminista no Brasil, e o verde remete a luta das mulheres argentinas pela legalização do aborto.
Organizada pela Frente Nacional pela Vida das Mulheres, o festival ocorrido de 3 a 6 de agosto contou com uma ampla programação, incluindo programação cultural, show, rodas de batuques, poesias, e batalha de rimas.
A estrutura contou com cinco tendas, algumas nomeadas em homenagem a mulheres assassinadas. Um delas é a tenda Cláudia Silva Ferreira, que contou com uma galeria de arte, com fotografias e histórico do movimento de mulheres da organização Anis (Instituto de Bioética). Cláudia, 38 anos, trabalhadora, caminhava para comprar alimentos para seus quatro filhos quando foi baleada no dia 16 de março de 2014, no Morro da Congonha, na zona norte do Rio de Janeiro. Ao ser “socorrida”, Cláudia teve o corpo arrastado por 350 metros por um carro da Polícia Militar.
Já na tenda Jandira Magdalena, as participantes acompanharam a transmissão da audiência no STF e participaram dos debates sobre o aborto. Jandira tinha 27 anos e era mãe de duas crianças, quando morreu em uma clínica clandestina no dia 26 de agosto de 2014. O corpo, sem digitais e arcada dentária, foi encontrado carbonizado dentro de um carro em Guaratiba, zona oeste do Rio.
A programação contou com roda de diálogos com candidatas feministas das eleições 2018 em que expuseram os seus posicionamentos sobre o aborto. "ADPF 442: que justiça queremos para mulheres?" contou com a participação de advogadas e especialistas da temática. Também foi debatida a legislação do aborto em outros países, inclusive a América Latina, e os desafios e possíveis caminhos para o Brasil.
Ainda no festival foi reservada uma tenda para o cuidado com as crianças, com contadoras de histórias e palhaças. Outra comportou uma feira feminista, com exposição de artigos de moda, artesanato e comida. Durante o festival, ocorreram várias intervenções artísticas. Uma delas, referente ao seriado norte-americano Handmaid's Tale. Na trama, mulheres são subjugadas e têm seus direitos cassados.
“Esse festival veio para ampliar o debate sobre a legalização e descriminalização do aborto no Brasil. Queremos que o debate seja feito em praça pública com uma infraestrutura equalizando as ideias e opiniões das mulheres. Assim como unificar a luta das mulheres, pois temos aqui dirigentes sindicais, partidárias, religiosas, anarquistas, ligadas a ONG. Todas pelo direito do aborto”, disse Luana Ferreira, uma das organizadoras do festival e coordenadora nacional da Articulação Mulheres Brasileiras (AMB).
Núbia Melo, militante na área de saúde reprodutiva das mulheres desde a década de 90, acompanhou a audiência do STF no festival. “Existe o aborto clandestino que é seguro hoje no país apenas para pessoas que têm condições de fazer em clínica e assistidas por profissionais capacitados. O Brasil firmou compromisso internacional para chegar em 2030 com 30 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos. Se não reduzirmos as mortes de mulheres por abortamento, certamente não honraremos esse compromisso que é, mais que tudo, pela vida e saúde das mulheres no Brasil”, disse.
Mariana Lopes, da coordenação da mulher trabalhadora da Fasubra, contou que a entidade assim como o ANDES-SN, convocou a sua base para participar do evento. “Orientamos a nossa base para enviar delegações de mulheres exclusivamente para vir ao festival devido a sua importância. Sabemos o quanto o aborto ilegal causa mortes de mulheres no país e é preciso levar esse debate para os sindicatos de base e aprofundá-lo”, disse.
Avaliação
O ANDES-SN, partindo das deliberações dos congressos e em articulação com a Frente Nacional pela Legalização do Aborto, convocou as seções sindicais a participarem das atividades. Diretoras do Sindicato Nacional e de seções estiveram presentes na primeira audiência pública do STF e também nas atividades do festival.
Celeste Pereira, diretora da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pelotas (Adufpel - Seção Sindical do ANDES-SN), acompanhou a primeira audiência. "A Adufpel SSind. entende que é fundamental atuar na defesa da descriminalização do aborto e de qualquer outra política que signifique a garantia da autonomia da mulher sobre seu corpo e da construção de políticas efetivas de planejamento familiar e acompanhamento da saúde da mulher. Hoje, no nosso município, vivemos uma situação surreal onde os exames citopatológicos são analisados por amostragem, expondo ao risco de morte mulheres que realizaram seus exames preventivos conforme recomendação da OMS. Isso é inadmissível e criminoso. É necessário responsabilizar os autores de tal ação e, como na questão do aborto seguro, garantir assistência adequada às mulheres", afirmou.
Para a docente, é necessário que a voz e o desejo das mulheres sejam ouvidos e respeitados nessa questão que está diretamente relacionada à saúde reprodutiva das mulheres.
"A partir dessa movimentação, e da discussão sobre a ADPF ajuizada ainda no ano passado pelo Psol, várias oportunidades serão abertas para seguir discutindo o tema. Se tivermos uma vitória com a descriminalização, pode-se abrir caminhos para discutir a legalização do aborto, que não é a pauta hoje, mas está relacionada. Portanto, a aprovação da ADPF, seria uma vitória importante para a ampliação dos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres – em especial das mulheres trabalhadoras e pobres que realizam abortos clandestinos em péssimas condições, correndo risco de morte", disse Raquel Dias Araújo, 1ª tesoureira do ANDES-SN.
Fonte: ANDES-SN