A Agência de Inteligência dos Estados Unidos (CIA, em inglês) divulgou um documento secreto de 1974 no qual o ditador Ernesto Geisel (1974-1979) deu sua aprovação para uma política de "execução sumária” de "subversivos” durante a ditadura empresarial-militar brasileira. No documento, Geisel incumbe o general João Baptista Figueiredo, que chefiava o Serviço Nacional de Informações (SNI), de analisar e autorizar pessoalmente qualquer execução. Depois, Figueiredo viria a ser seu sucessor na Presidência.
Intitulado "Decisão do presidente brasileiro Ernesto Geisel de dar continuidade à execução sumária de subversivos perigosos sob certas condições”, o documento foi assinado pelo então chefe da CIA, William Colby, e enviado originalmente para Henry Kissinger, então secretário de Estado do governo estadunidense de Richard Nixon.
O documento americano, de 11 de abril de 1974, descreve uma reunião entre Geisel, Figueiredo e os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio Danton de Paula Avelino que havia ocorrido no dia 30 de março daquele ano. Milton Tavares foi o chefe de Centro de Informações do Exército (CIE) no governo de Emílio Médici (1969-1974), o antecessor de Geisel.
O informe faz parte de um lote de documentos liberados pelo Departamento de Estado em 2015 e foi tornado público no Brasil por Matias Spektor, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "É o documento secreto mais perturbador que já li em vinte anos de pesquisa”, disse.
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Avaliação
Milton Pinheiro, docente da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e um dos coordenadores da Comissão da Verdade do ANDES-SN, afirma que os pesquisadores do tema já sabiam da anuência e conivência da cúpula da ditadura com os crimes, mas que esse é o primeiro documento que pode comprovar, de fato, isso.
“Ainda que os meios de comunicação tenham agido para desinformar os brasileiros sobre os crimes da ditadura empresarial-militar, quem pesquisa o tema já tinha a ideia de que a cúpula do regime tinha conhecimento e inclusive ordenava a tortura e execução de militantes opositores à ditadura. Isso, no entanto, nunca tinha sido público. Foi necessário que a CIA liberasse os documentos para confirmar a anuência dos líderes da ditadura com os crimes cometidos”, comenta.
“Lamento que a consciência pública brasileira só tenha tomado conhecimento disso por meio de um órgão, a CIA, que ajudou a ditadura empresarial-militar do Brasil, inclusive ajudou a cometer esses crimes”, completa o docente. Para Milton Pinheiro, a luta por memória, justiça e reparação deve seguir no país. “É necessário ir mais a fundo nesse tema. Onde estão as covas dos militantes assassinados? Quem foram os responsáveis? E mudar a Lei da Anistia para punir os torturadores e assassinos da ditadura empresarial-militar brasileira”, conclui.
As vítimas
Oitenta e nove pessoas morreram ou desapareceram no Brasil por motivos políticos, a partir de 1º de abril de 1974 (dois dias após a reunião documentada pela CIA) e até o fim da ditadura, segundo levantamento do portal G1 com base nos registros da Comissão Nacional da Verdade (CNV).
De acordo com o levantamento do G1, além dos 89 casos confirmados, há outras 11 pessoas que podem ter morrido ou desaparecido a partir de 1º de abril de 1974 – a data não foi esclarecida pela CNV. Além disso, pode haver mortes e desaparecimentos durante a esse período da ditadura que não foram registrados.
Entre as vítimas desse período estão o jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 25 de outubro de 1975, após se apresentar voluntariamente ao Centro de Operações de Defesa Interna, um órgão militar da ditadura; e o metalúrgico Manoel Fiel Filho, que foi torturado até a morte, em 17 de janeiro de 1976, nas dependências do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do II Exército, em São Paulo.
Com informações de EBC, Departamento de Estado dos EUA, DW Brasil e G1. Foto: Getty Images
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