O dia 5 de novembro de 2015 está marcado para sempre na história do Brasil. Nesse dia, no meio de uma tarde que poderia ser apenas mais uma calma tarde na rotina dos moradores do distrito de Bento Rodrigues, na cidade de Mariana, em Minas Gerais, teria início uma tragédia que mudaria drástica e definitivamente a vida, o passado, o futuro e o destino de milhares de pessoas num raio de 853 quilômetros entre os estados de Minas Gerais e Espirito Santo.
Naquela tarde, a barragem de Fundão, construída e operada pela Samarco Mineração S/A, empresa controlada pela Vale e pela BHP Billion, literalmente veio abaixo, desfez-se como um castelo de cartas, ocasionando o maior ‘desastre’ ambiental, social e econômico já visto no Brasil, e um dos maiores já vistos no mundo.
De dentro da barragem, como um monstro descontrolado e voraz, saíram mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério. A força destrutiva deste monstro, em forma de lama, não poupou nada e nem ninguém que estava em seu caminho. Tudo que pulsava e respirava, ou tudo que simplesmente estava ali, como obra do homem guardando memórias e afetos de séculos de história, foi impiedosamente devastado.
A lama arrastou casas, árvores, animais, igrejas, escolas e, juntou, vitimou 19 pessoas, entre moradores e trabalhadores do local. Naquele lugar e naquele dia, o passado e o presente foram aniquilados ao mesmo tempo e com a mesma força.
O Rio Doce não foi apenas um dos palcos desta tragédia. Mais do que isto foi mais uma de suas tantas vítimas. Sufocado pela lama, agoniza, praticamente morto. Até hoje, dois anos após o desastre, biólogos, geólogos e oceanógrafos que pesquisam a bacia do rio Doce afirmam que o impacto ambiental desse crime, ainda não é totalmente conhecido.
O Ministério Público Federal (MPF) denunciou 21 pessoas por homicídio qualificado e quatro empresas por 12 crimes ambientais. Firmou acordo preliminar com garantia de R$ 2,2 bilhões. Somente pelo MPF, foram ajuizadas 13 ações e abertos 20 procedimentos e investigações. No entanto, os processos ainda correm na justiça. Muitas das vítimas que teriam direito à indenização, ainda não começaram a receber a reparação.
As cerca de 300 famílias desalojadas pela lama que se alastrou com o rompimento da barragem do Fundão, e que moravam nos distritos de Mariana, vivem agora na área urbana da cidade mineira. Após o rompimento da barragem, um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) assinado entre as empresas que administram e controlam a Barragem, a União e diversas autarquias federais e estaduais, foi criada a Fundação Renova, responsável pela reparação dos danos decorrentes.
Até agora, poucas famílias foram indenizadas. Boa parte dos pagamentos ainda está em negociação. A Fundação entregou pouco mais de 8 mil cartões de auxílio financeiro, que é pago mensalmente, a cerca de 20 mil pessoas. O reassentamento das vilas está previsto para 2019, mas as obras ainda não foram iniciadas. Além do processo criminal contra 21 pessoas, que está parado por ordem judicial, há ao menos outros 74 mil em andamento, além de uma ação civil pública que reúne os atingidos em Bento Rodrigues.
“Eles assumiram que cometeram muitas falhas e que vão indenizar as famílias e a recuperação de algumas áreas, mas isso está num processo bem lento, porque estão usando o direito de defesa”, comenta Leandro Neves, 2º vice-presidente da Regional Norte I do ANDES-SN e da coordenação do Grupo de Trabalho Política Agrária, Urbana e Ambiental do Sindicato Nacional, ressaltando que as empresas responsáveis estão se utilizando dos trâmites judiciais e da forte influência política para arrastar o processo e reduzir as possíveis punições pelos crimes cometidos.
“Em países em que as mineradoras têm uma grande flexibilização nas leis e grande influência no poder político esses “desastres” normalmente ficam impunes. É o que está acontecendo conosco. No Brasil, nesses últimos dois anos, ocorreram quatro desastres causados por mineradoras e, em nenhum dos casos, ainda, as vítimas foram ressarcidas e nem as multas foram pagas em sua integridade. A Samarco começou a pagar multa, mas não pagou na concretude”, acrescenta, ressaltando que embora o caso de Mariana seja um dos maiores desastres ambientais no mundo, não foi o único ocorrido no país. “Mas as mineradoras, por terem influência política e dominarem uma parte das bancadas dentro do Senado e na Câmara dos Deputados, passam por cima das leis”, completa.
Neves ressalta o papel do Sindicato Nacional nesse debate e na resistência à exploração das mineradoras. Ele conta que o GTPAUA realizará, no final do mês de novembro, um seminário nacional no Maranhão, cujo um pontos de pauta é sobre mineração, uma vez que o problema afeta diversos estados brasileiros, e muitas comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas. “No Rio Grande do Sul, por exemplo, eles também estão sofrendo esse mesmo processo. Há um grupo de empresas querendo explorar determinada área, que envolve vários municípios, e os danos ambientais são gigantescos e a arrecadação para esses municípios é ínfima. E isso tem grande chance de passar se não houver um forte processo de mobilização”, conta.
De acordo com o diretor do ANDES-SN, muitos docentes estão envolvidos nesses processos de mobilização, pois desenvolvem projetos de pesquisa nessas áreas, junto com as populações afetadas, e contribuem, através do Sindicato Nacional, para a articulação da resistência contra as mineradoras. “Não é só no Rio Grande do Sul, mas em Boa Vista (RR), também há um processo em andamento de exploração de minérios, e o grupo do GTPAUA local está participando da mobilização. O ANDES-SN tem um processo muito grande de instrumentalização das lutas, e, através do nosso GT chama as discussões, faz a articulação entre os movimentos”, explica.
Leandro lembra ainda que, além do dano ambiental, o processo de influência política dessas empresas tem desdobramentos dentro das universidades, com impacto direto na Ciência e Tecnologia, e cita como exemplo a Lei do Marco Legal de Ciência e Tecnologia, que atende aos interesses do Capital, entre os quais, os das empresas que exploram, de forma predatória, os recursos naturais no país.