Sexta, 19 Setembro 2025 08:31

A BOTINA E O “PÉ DE CHINELO” - Roberto Boaventura

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Ciências da Comunicação/USP

 

             Mesmo ciente de que a última “Semana da Pátria” e seus dias subsequentes tenham tido significado inaugural em nossa história, posto que, pela primeira vez, um ex-presidente da República foi condenado por diversos crimes, como tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado de Direito, eu não planejava escrever sobre isso. Entendia que muito do que eu compartilharia já havia sido dito no calor dos acontecimentos. De repente, mudei de ideia. Motivo: o “bando de pé de chinelo”, lembrado por Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, que confirmou, em evento no dia 13 pp., que a decisão do STF precisa ser respeitada. Elementar. Admitiu ainda que houve planejamento para o golpe de Estado. De novo, elementar; aliás, também por isso, a condenação exemplar; e não apenas ao nosso país!
            Na sequência, Valdemar completou:
            "O grande problema nosso (da direita e da extrema direita) é que teve aquela bagunça no 8 de janeiro e o Supremo diz que aquilo foi golpe... um bando de pé de chinelo (grifo meu) quebrando lá na frente e eles falam que aquilo é golpe”.
            Dos pés de chinelo da extrema direita, lembro que aquela turba ignara – municiada 24 horas por fake news e (des)norteada pelo cínico lema Deus/Pátria/Família – tinha um mentor: um ex-capitão, hoje, usando tornozeleira e preso preventivamente. Em idos tempos, o ex-capitão usara as botinas do Exército; e destas dependia para o golpe pretendido.
            Pois bem. Daqui pra diante, mesmo tudo parecendo estar no seu lugar, optei por tratar, agora, de alguns versos de duas composições musicais engajadas, mas não panfletárias, que dialogam com tópicos relevantes de nossa contemporaneidade política. Este meu exercício almeja se somar à necessária e constante prevenção contra novas incursões golpistas.
            A primeira das canções é de Jonathan Silva, surgida no clima eleitoral de 2018. Em tom profético, trata-se do cadenciado “Samba da Utopia” (https://www.youtube.com/watch?v=KDXX7m3iBzc). Com alusões ao estilo autoritário de ser e estar na política por parte do então candidato Jair Bolsonaro, na canção, é dito que:
            Se o mundo ficar pesado/ Eu vou pedir emprestado/ A palavra poesia// Se o mundo emburrecer/ Eu vou rezar pra chover/ Palavra sabedoria// Se o mundo andar pra trás/ Vou escrever num cartaz/ A palavra rebeldia// ...Se acontecer afinal/ De entrar em nosso quintal/ A palavra tirania// Pegue o tambor e o ganzá/ Vamos pra rua gritar/ A palavra utopia”.
            Desse samba, destaco que, por bem pouco, a “tirania” não entrou pra ficar e arrebentar o “nosso quintal”, pois o golpe cívico-militar foi planejado e tentado. 
            A segunda canção é “Pedrada” (https://www.youtube.com/watch?v=qfWoph8jxz0)  de Chico César, constante do álbum “O Amor é um Ato Revolucionário”, de 2024. De maneira enfática, ela dialoga com o fantasma do fascismo, sempre presente na história. Eis alguns de seus versos:
            “Cães danados do fascismo/ Babam e arreganham os dentes/ Sai do ovo a serpente/ Fruto podre do cinismo...// Ê, república de parentes, pode crer/ Na nova Babilônia eu e você/ Somos só carne humana pra moer/ E o amor não é pra nós// Mas nós temos a pedrada pra jogar/ A bola incendiária está no ar/ Fogo nos fascistas...”
            No início do texto, quase tudo parece literal na tarefa de sintetizar o ser fascista como violentíssimo na produção dos males que produzem às sociedades que subjugam. Autoritário por excelência, esse tipo está sempre a serviço dos seus interesses ou dos de seus clãs; daí, em nosso caso, a expressão “república dos parentes” surgir, na canção, ultrapassando a lógica da já limitada “República das Bananas”. As ações do filho 03 do clã apeado do poder –  hoje, incitando os EUA contra o Brasil – são exemplos sínteses e abomináveis, pois, na ânsia de contemplar interesses familiares, se lixam para a totalidade daquilo que chamam Pátria.
            Na vida política, tais tipos são sedutores na oratória, mesmo que a essência de seus discursos seja das mais rasas de que se possa ter conhecimento; assim, tais sujeitos, aproveitando-se de uma ignorância coletiva, construída ao longo do tempo, mesclada com a decepção e o ódio ao adversário político mais imediato, não se constrangem de usar e manipular até discursos religiosos para obtenção de seus interesses; assim, o “Deus acima de tudo” não passa de um jargão tão balofo quanto cínico, pois é emitido por despossuídos de humanidade. Como um de tantos exemplos, faço lembrar daquela imitação de pacientes que morriam da Covid, buscando um pouco de ar para respirar. Lembram-se disso? Estarrecedor.
            Como resposta a esse tipo desprezível de político, o texto de Chico César sugere as fortes metáforas da pedrada a ser jogada, bem como a do fogo a ser ateado, queimando qualquer resquício de atos fascistas.  Na junção dessas metáforas, uma leitura possível desses versos pode ser a do revide nas urnas – eletrônicas, obviamente – em momentos eleitorais.
            Em suma, metaforicamente, significa esmagar e transformar em cinzas qualquer pretensão autoritária de poder, pois isso é o maior símbolo do atraso da humanidade que se pensa evoluída pelo simples fato de se encontrar no atual milênio da história. Na essência, a “Pedrada” de Chico César pretende ser um verdadeiro réquiem, tanto às botinas quanto aos pés de chinelo, que adoram lamber botas de golpistas vis.

 

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