Quinta, 04 Julho 2024 09:12

2024: REFLEXÕES SOBRE A GREVE DO ANDES-SN - Alair Silveira

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Prof. Dra. Alair Silveira
Professora e Pesquisadora do SOCIP e do PPGPS.
Membro do MERQO e do GTPFS

 

          Entre os dias 19 e 28 de junho/2024, participei do Comando Nacional de Greve (CNG) do ANDES-SN, em Brasília/DF, como representante da categoria docente da UFMT/ADUFMAT.

          Dos registros que merecem destaque e reflexão, anoto três fatos que considero fundamentais para subsidiar nossas avaliações e desdobramentos: 1) A indignação das bases que extrapolou a contenção das direções; 2) O evidenciamento do caráter classista e antisindical do governo Lula; 3) O recuo articulado da direção através das suas frações políticas.

          Se existe alguma convergência inconteste sobre a greve dos trabalhadores da Educação, ela está sustentada em dois fatores: de um lado pelo alcance e unidade sindical (técnicos-administrativos e professores, de entidades sindicais distintas: FASUBRA, SINASEFE e ANDES-SN); de outro, porque foi produto da insurgência e da resistência das bases sobre (ou apesar de) suas direções.

          Atendo-me especialmente ao ANDES-SN, é importante registrar que a greve docente foi indicada no Congresso Nacional do Sindicato, em fevereiro/2024, porém foi resultado direto do Governo Lula, ao decretar 0% de reajuste aos trabalhadores da Educação. Desta maneira, à revelia da Constituição Federal que reconhece o direito à revisão geral anual dos servidores públicos, assim como das várias tentativas de negociação desde 2023, o Governo Lula decretou seu compromisso com as togas, as moedas e as armas ao invés dos livros.

          Por isto, enquanto servidores do Judiciário, do Banco Central e da Segurança foram contemplados com políticas de reajuste, aos trabalhadores da Educação decretou 0%. Este fato, inclusive, somente dá continuidade à opção pelas armas ao invés dos livros, por parte de presidentes do passado e do presente.

          Embora a eleição presidencial de 2022 tenha ocorrido em condições bastante particulares (que culminaram em alternativas entre a preservação do regime democrático e o risco de ruptura institucional), Lula foi eleito carregando consigo tanto sua trajetória sindical, e suas experiências governativas, quanto o impeachment de Dilma e a polarização que acrescentou à indecente desigualdade social, a divisão política.

          Consequentemente, muitos trabalhadores empenharam-se para a eleição de Lula e, em nome do seu passado e do seu partido, não apenas pediram votos, mas, inclusive, fizeram caravanas à Brasília, saudaram o “companheiro” e produziram outdoors, parabenizando-o.

          Embalados pelo passado seletivo que sobrevive de lapsos oportunos de memória, o ANDES-SN e tantas outras entidades esqueceram as experiências governativas contra as quais, inclusive, se rebelaram. Dentre elas, a Reforma da Previdência, as perdas salariais, o REUNI, os cortes orçamentários para as universidades, os incentivos e renúncias fiscais aos empresários da educação etc. Para reavivar a memória colapsada seria oportuno rever os Cadernos e os Anexos que prepararam Congressos e CONADs do Sindicato Nacional desde 2003.

          Esta longa introdução se faz necessária para dimensionar as contradições que atravessam os três elementos que identifiquei no início deste pequeno artigo. De um lado, diante da tragédia imposta pelo bolsonarismo e de risco ao regime democrático, a memória sindical recuperou o passado do “companheiro” Lula, eclipsando suas experiências governativas. Reduzindo a política ao personalismo que sempre condenou, nos eventos nacionais do ANDES-SN, a adesão ao neoliberalismo pelo PT foi tanto rejeitada quanto justificada como por “forças” que ora atendem pela impessoalidade do mercado, ora pela pseudo lógica impositiva do Estado.

          Como parte deste processo, em muitos Congressos e CONADs do ANDES-SN a grande questão era caracterizar o impeachment de Dilma como Golpe, demonizar a CSP-Conlutas pela palavra de ordem “Fora Todos!” ou conter as críticas ao Governo Lula para não fragiliza-lo frente ao capital e à chamada “extrema direita” neofascista.

          Ora, a adesão do PT ao projeto societário neoliberal é anterior ao primeiro governo de Lula. E aquele não se resume ao combate ao déficit público, à remercantilização da força de trabalho, à privatização, à satanização do Estado e servidores públicos e às políticas focalizadas. Ele se distingue, também, pela criminalização das organizações coletivas dos trabalhadores e pelas práticas antissindicais.

          Antes de avaliar mais detidamente o término da greve que se encerra no dia 03 de julho, cabe recuperar alguns pontos fundamentais para a compreensão do seu desfecho. Primeiramente, é necessário rememorar que nossa pauta inicial de reivindicação de reajuste salarial (protocolada em julho/2023) reconhecia perdas que alcançavam 53%, considerando o período de 01/07/2010 a 30/06/2023. Depois, no esforço para construir unidade no Fórum Nacional de Servidores Públicos Federais (FONASEFE), baseado em estudos do DIEESE, nossa demanda remuneratória passou a ser de 39,92%. Meses depois, considerando as perdas calculadas a partir do Governo Temer, este índice foi reduzido para 22,71%, parcelados em três anos (7,06% em 2024, 2025 e 2026). Ou seja, cedemos no período de computação das perdas e com o parcelamento. Tudo para manter a unidade sindical e demonstrar “boa vontade” para negociar com o Governo.

          A disposição em negociar, entretanto, não encontrou eco no Governo Lula, que antes mesmo da greve nacional do ANDES-SN, tentou intimidar os trabalhadores da Educação, afirmando que não negociaria com categorias em greve. A tentativa produziu efeito contrário nos docentes e, em 15/04/2024, foi deflagrada a greve nacional do ANDES-SN.

          As tentativas do Governo Lula de manter a proposta de 0% em 2024, oferecer reajuste nos benefícios ao invés de recomposição salarial e elevar o PROIFES à condição de sindicato representativo da categoria somente aprofundaram a indignação docente, em um espiral crescente de adesões à greve nacional. Inclusive na base do PROIFES, sempre dedicado fazer valer os interesses governistas (PT) junto à categoria.

          Apesar da adesão ascendente ao movimento paredista e das AGs realizadas na semana de 20 a 24 de maio/2024 terem rechaçado a proposta do Governo Lula, reafirmando o índice de 22,71%, o CNG decidiu por oferecer uma contraproposta rebaixada, sem a apreciação das AGs, no dia 27/05/2024. A proposta protocolada, à revelia da consulta às bases do ANDES-SN, ampliou ainda mais o percentual das perdas acumuladas, na medida em que reduziu a proposta a míseros 18,85%, parcelados em 3,69% em agosto 2024, 9% em janeiro 2025 e 5,16% em maio de 2026.

          Tanto esforço para demonstrar “boa vontade” e “sensibilizar” o Governo não produziu a resposta esperada do “companheiro Lula”, mas, provocou a indignação de muitos docentes, revoltados com a atuação do CNG, que extrapolou sua competência propositiva, para decidir em nome das bases. Consequentemente, muitas AGs (ou CLGs) aprovaram Notas de Repúdio ao CNG. A ADUFMAT foi uma delas que, em várias oportunidades, reivindicou respeito às bases e registrou seu repúdio ao método implementado pelo Comando Nacional.

          Desta forma, enquanto a maioria do CNG dedicava-se a construir uma “ponte” de negociação, o Governo Lula fez da intransigência a sua marca negocial.

          Assim, corroborando seus compromissos com o capital, através da política de “austeridade” renomeada de “Novo Arcabouço Fiscal”, o Governo Lula não apenas recusou-se, inicialmente, a negociar com os sindicatos de trabalhadores da Educação (forçando-os à greve), mas, também, atuou de maneira debochada e desrespeitosa durante as mesas de negociações, por meio da figura deplorável de Luiz Lopez Feijó.

          Eficiente em tripudiar sobre ANDES-SN, o Governo não somente sentou-se à mesa e negociou com o PROIFES - entidade chapa branca cuja representatividade gira em torno de 5% da categoria -, senão que apostou que a assinatura de um Acordo (27/05/24) reproduziria o mesmo efeito dominó que conseguiu em 2012 e 2015 sobre os docentes do ANDES-SN.

          Às expectativas governistas de acabar com a greve, a categoria respondeu com mais adesões e, a cada ultimato decretado pelo Governo, a categoria respondeu com mais determinação em exigir respeito de um Governo que se apresentou, durante a campanha eleitoral, como um defensor comprometido com a Educação.

          Diante do resultado oposto, com a adesão de mais universidades à greve, o Governo concedeu a Carta Sindical ao PROIFES, após quase duas décadas de atuação à serviço dos governos petistas. Apesar de tudo isto, muitos trabalhadores da Educação insistiam em individualizar as ações de Feijó e dos ministros Camilo Santana e Esther Dweck, preservando a figura de Lula. No dia 10 de junho/24, finalmente, a máscara caiu. Tanto a Carta Sindical ao PROIFES foi concedida nesta data quanto Lula convocou reitores (ao invés das lideranças sindicais) para falar da greve e reapresentar um recurso orçamentário insuficiente (já apresentado em 2023), apresentando-o como “irrecusável”.

          Porém, se Lula convocou os reitores, foram às direções sindicais que o discurso foi dirigido. Evocando sua experiência como sindicalista, Lula cobrou “coragem” das direções sindicais para “acabar com a greve”. Afinal, segundo ele, “não é 3%, 2%, e 4% que a gente fica a vida inteira de greve”. Ironicamente, sequer este percentual “tão insignificante” foi concedido aos trabalhadores da Educação em 2024!

          Mas, o mais grave não foi Lula reivindicar sua história para colocá-la a serviço da “austeridade” que serve ao capital, mas, a pressa com que boa parte das direções sindicais se prestaram a atender aos seus desejos. Afinal, é no exíguo período de tempo entre o dia 10 e o dia 14 de junho (data esta da Mesa de Negociação) que a nomeada “conjuntura” mudou, segundo a maioria das direções sindicais do ANDES-SN.

          Mas, o que exatamente mudou na correlação de forças que explica a conjuntura? Tomando como causa o que é consequência, as direções sindicais afirmam que as respostas majoritariamente positivas ao Comunicado n. 84/85 demonstram o acerto sobre o fim da greve e a assinatura do Acordo com o Governo Lula.

          Os fatos, entretanto, não corroboram esta interpretação. Primeiramente, porque o Comunicado n. 84/85 é datado de 16/06/24, produto de reuniões do CNG nos dias 15 e 16 de junho/24. Consequentemente, refletem a semana de 10 a 14 de junho. E, nesta semana em particular, os únicos fatos relevantes da semana para a greve foram o discurso de Lula e a Mesa de Negociações. Na referida reunião, os elementos novos foram a revogação da Portaria n. 983 e um compromisso com proposições a serem encaminhadas através de estudos e GTs. Resta, então, o discurso de Lula e... as eleições municipais de 2024. Por quê? Porque em resposta às três perguntas do Comunicado 84/85: 1) Análise das propostas apresentadas na Mesa de Negociações; 2) Devemos assinar, ou não, as propostas apresentadas pelo MGI e pelo MEC?; 3) Devemos continuar a greve ou construir sua saída coletiva no ANDES-SN?, o quadro sistematizado pelo CNG, conforme as AGs realizadas entre 17 e 21 de junho/24, demonstra que das 64 seções sindicais do ANDESSN, 56 estavam em greve em 21/06/24. Algumas poucas não entraram em greve e outras saíram antes mesmo do Comunicado.

          A partir destes dados sistematizados pelo próprio CNG, duas questões ficam evidenciadas: 1) A maioria esmagadora das Universidades estava em greve quando o Comunicado n. 84/85 foi encaminhado às seções sindicais; 2) Ao propor a “construção de saída unificada”, o CNG sinaliza às bases do ANDES-SN que a greve está em processo de esgotamento, e, portanto, cabe construir, coletivamente, o fim da greve. 

          Desta maneira, a pergunta que não quer calar é: Por que este Comunicado sinaliza com o encerramento da greve e a assinatura de um Acordo que, ao cabo, mais se aproxima de uma Carta de Intenções? Que não assegura nenhum reajuste para 2024? Que não contempla aposentados e pensionistas para além de um “estudo” para “entrada lateral”? Que não recompõe, minimamente, o orçamento para as universidades? Acordo, aliás, que não tem nenhuma cláusula sobre orçamento e que, diga-se de passagem, sequer tinha minuta conhecida quando as AGs foram chamadas a deliberar sobre sua assinatura.

          Objetivamente, impõe-se a pergunta já apresentada: o que exatamente mudou na correlação de forças que explica a conjuntura e, portanto, justifica o Comunicado n. 84/85?

          De acordo com a maioria dos companheiros do CNG, nas duras (mas fraternas) discussões dos dias 22 e 23 de junho/24, a revogação da Portaria n. 983 é uma grande conquista, pois acaba com o ponto eletrônico dos colegas do magistério superior do EBTT. Além disto, segundo eles, a revogação desta Portaria incidirá, indiretamente, sobre todos os docentes, na medida em que inviabilizaria, futuramente, sua aplicação aos professores das universidades federais. Na mesma perspectiva está o compromisso com a padronização das normas para progressão.

          Paradoxalmente, foi a caracterização como “greve histórica” e como “uma das maiores greves da história do ANDES-SN” que a maioria do CNG selou o fim da greve e  a assinatura do Acordo. Assim, entre a pergunta sobre “construir uma saída unificada” e a saída decretada, a base não foi novamente consultada. Àquelas 20 AGs que votaram pela manutenção da greve, e outras quatro que sequer fizeram AG, restou acatar uma decisão que foi tomada, inclusive, com a participação de algumas seções sindicais que já não estavam em greve (ou sequer entraram). Como parte deste processo, até o CNG foi dissolvido no dia da assinatura do Acordo (27/06), embora a data aprovada para saída unificada da greve seja dia 03/07/2024.

          Às perguntas reiteradas, no CNG, por parte daqueles que não compreendem como se construiu este processo de desarticulação da greve “histórica”, cujo crescimento alcançou, inclusive, as bases do PROIFES, as respostas recorrentes apontavam o “ganho político” quanto às proporções da greve; o crescimento do ANDES-SN sobre a base do PROIFES; a revogação da Portaria n. 983 e o protagonismo do ANDES-SN ao assinar um Acordo, demonstrando sua capacidade de negociação.

          Este argumento, em particular, relembra um passado não muito distante (Governo Collor), quando algumas corporações empresariais investiram dinheiro para criar a Força Sindical, cujo mote seria o “sindicalismo de resultado”, em contraposição à CUT, reconhecida, então, como uma Central combativa, capaz de organizar grandes greves e ações diretas. Alguns anos depois, progressivamente, a CUT foi se transformando de “propositiva”, “cidadã” a “governista”. Aprendeu a apresentar resultados...

          Certamente, o ANDES-SN não deve – e não pode – ter como referência o PROIFES que surgiu, tal qual a Força Sindical, nos bastidores do Poder, para servi-lo. É por isto que todos aqueles que reconhecem o ANDES-SN como um sindicato de luta, independente, classista e de base, se rebelam contra o desfecho desta greve, realmente, histórica.

          Por fim, cabe registrar minha convergência com relação a esta greve: ela foi gigante! E foi, especialmente, uma greve das bases. Muitas vezes contra suas próprias direções ou à revelia delas.

Ler 419 vezes Última modificação em Quinta, 04 Julho 2024 09:47