Quarta, 20 Dezembro 2023 08:30

A TRANSIÇÃO ENERGÉTICA EM CURSO NÃO É PARA FONTES RENOVÁVEIS - Prof. Danilo de Souza

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Texto enviado pelo Prof. Danilo de Souza 

A transição energética em curso não é para fontes renováveis
 

Recentemente, realizei uma simples pesquisa. Apliquei a seguinte pergunta a 50 pessoas próximas (diversas do setor de energia): “Existe uma transição energética em andamento, em que as fontes de energia renováveis ​​estão substituindo os combustíveis fósseis?”. Do total de entrevistados, 48 responderam sim a essa pergunta e outros dois afirmaram não saber a resposta. Aparentemente, eles não estão errados, afinal este é o discurso dominante nos meios de comunicação.

É importante observar que, quando falamos em energia, não nos limitamos apenas à matriz energética primária do setor elétrico, englobando também os transportes, processos térmicos industriais, dentre outros.

É um tanto quanto complexo definir o que é uma transição energética, pois a hermenêutica do vocabulário empregado permite compreender que, em uma transição efetiva, seria uma mudança completa da utilização de um recurso para outro. Na verdade, uma transição pode ser lenta, pode ser caracterizada pelo não aumento de um recurso e pela inserção de outro alternativo que com o tempo, passa a ocupar a parcela dominante da totalidade.

No século XIX, o carvão ultrapassou a biomassa no fornecimento da maior parcela do suprimento global de energia e, no século XX, o petróleo superou o carvão, ocupando a parcela principal no fornecimento de energia para manutenção dos Sapiens. Esses dois momentos até poderiam ser caracterizados com alguma racionalidade como adições de energia em vez de transições. Entretanto, essa seria uma visão equivocada, pois desconsidera o crescimento populacional. Essa análise só pode ser realizada em termos relativos (percentual) - em valores absolutos o consumo energético só tem apresentado crescimento – e não é difícil entender, pois éramos um bilhão de sapiens em 1800 e hoje (2023) somos mais de oito bilhões. Dessa forma, se analisarmos rigorosamente, uma transição energética efetiva nunca ocorreu, nem poderia, dado o crescimento vegetativo da população, o aumento da expectativa de vida e, felizmente, os avanços no consumo individual de energia e acesso aos bens. Assim, o que houve foram incrementos energéticos para atender à aceleração do aumento populacional. Agora, dentro do conceito de transições relativas, já passamos por duas e estamos caminhando para a terceira, que não aponta para as renováveis.

A primeira transição pode ser caracterizada pela substituição da lenha (biomassa) como combustível de maior utilização pela humanidade, desde o domínio do fogo. Foi trocada pelo carvão mineral, que se tornou a energia motriz da Segunda Revolução Industrial após o desenvolvimento comercial da máquina térmica no século XVIII, possibilitando assim um ganho extraordinário na capacidade produtiva. Desse modo, pode-se dizer que a primeira transição foi de uma fonte renovável para uma não renovável.

 

A segunda transição energética é concebida pelo processo de entrada do óleo de origem fóssil formado em rochas sedimentares ao longo de milhões de anos. O óleo, ou petróleo,  possui maior poder calorífico do que o carvão, estando em estado líquido, o que facilita o transporte e armazenamento, além de apresentar fluidez.

Ainda durante a Segunda Revolução Industrial, a energia do petróleo começou a ser usada mais intensamente a partir do desenvolvimento dos modelos comerciais do motor de       combustão interna, o qual é utilizado em carros até hoje. E é predominantemente no setor de transporte, onde o petróleo se mantém como recurso energético quase intocável até a atualidade. A mobilidade elétrica até o momento não apresentou uma ameaça tão grave a esse reinado, especialmente no transporte pesado. Nas utilizações não energéticas, o petróleo possui aplicações fantásticas, como nos setores de têxtil, solventes, química fina, agroquímica, polímeros (plásticos), etc.

Finalmente, a transição que estamos presenciando é, na verdade, a entrada mais forte do gás natural na matriz energética mundial, sobretudo a partir da metade do século  XX. O gás natural é composto por uma mistura de hidrocarbonetos leves, como metano, etano, propano e butano. E por esse motivo a queima é menos impactante que a do óleo e do carvão, no que se refere às emissões. Atualmente, o gás natural já representa aproximadamente 25% da matriz energética mundial.

A inserção do gás natural na matriz da geração de energia elétrica representou um importante aumento de eficiência em relação ao óleo e carvão, pois parte das novas plantas operam em ciclo combinado, com eficiência global passando da média de 30% do ciclo simples para valores na faixa de 55 a 60% em ciclos combinados. O gás natural também desempenha papel relevante no aquecimento em países frios e ainda na cocção (cozimento) de alimentos.

Outra característica importante do gás natural é a capacidade de armazenamento, pois é flexível, possibilitando, assim, a complementariedade com as fontes renováveis, que operam nos fluxos, sem a possibilidade de armazenamento direto para despacho nos momentos adequados.

Mas, onde estão as fontes renováveis?

Em 2021, as fontes renováveis, desconsiderando a lenha, foram responsáveis por 5,7% do total de energia primária. Se a lenha (biomassa) for considerada, o total de renovável pode chegar a 12%. Ou seja, podemos afirmar que o que tem ocorrido é a inserção de novos projetos de geração de energia a partir de fontes renováveis, mas isso não representou uma ameaça à supremacia dos combustíveis fósseis. Pelo contrário, eles continuam dominantes na matriz energética mundial.

 

Se as transições energéticas ocorridas até este momento podem ser descritas como adições de novas fontes de energia no mix, sem renunciar às anteriores, as renováveis demorarão algumas dezenas de anos para representarem 50% da matriz energética mundial.

Existem diversos motivos pelos quais as fontes de energia tendem a não competir fortemente umas com as outras. Uma das principais razões está relacionada à estrutura das economias de mercado, que são impulsionadas por uma dinâmica de crescimento em busca de lucros, e não por uma preocupação por conservação. Nesse sentido, na maioria das vezes as novas fontes/tecnologias de conversão não são disruptivas, mas são adicionadas de forma a se acomodarem no colchão global de energia. Assim, historicamente, elas entraram para somar, e não para substituir as antigas.

Para não desanimar os colegas, é absolutamente possível que a transição dos combustíveis fósseis para a energia renovável esteja em seus estágios iniciais, rompendo com o padrão histórico discutido aqui. Afinal, no passado, as nações, indústrias e o público não estavam tentando reduzir o uso de nenhuma fonte de energia em particular, mas simplesmente buscando maneiras de fornecer mais energia. E, nos últimos anos, uma grande parte do mundo reconheceu claramente que a mudança climática global é uma séria ameaça para as sociedades, e que uma redução acentuada no uso de combustíveis fósseis é necessária para minimizar a sua gravidade. Nesse contexto distinto, talvez haja motivos para um tímido otimismo de que veremos em poucos anos uma transição energética no sentido pleno da palavra, em que as fontes renováveis ​​de energia realmente venham a substituir os combustíveis fósseis. Entretanto, neste momento, isso não está ocorrendo.

Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

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