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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Juacy da Silva*
“A grande diferença entre TER e SER não é a que existe entre o Oriente e o Ocidente, e sim, a que se estabelece entre uma sociedade centrada (baseada) sobre as pessoas e uma sociedade centrada sobre as coisas. Eric From, “Ter ou Ser?” , 1976.
No dia 29 de Setembro de 2019, portanto, bem recentemente, a Assembleia Geral da ONU em conjunto com a FAO (Agência especializada da ONU para a agricultura e alimentação) aprovaram uma resolução que instituiu o DIA INTERNACIONAL DE CONSCIENTIZAÇÃO SOBRE AS PERDAS E DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS a ser comemorado anualmente a partir de então em todos os países.
As perdas e o desperdício de alimentos ocorrem em diferentes etapas do processo produtivo e do consumo, desde a produção, tanto nas propriedades rurais quanto na indústria, no comércio , da mesma forma que no transporte e na logística em geral e, o que é mais chocante, nas famílias ou seja, por parte dos consumidores finais, onde ocorrem mais de 50% do desperdício.
Tanto a perda quanto o desperdício tem diferentes causas e também inúmeras consequências e afetam diretamente as questões ambientais, além de outras na sociedade.
Para refletir de uma forma mais aprofundada sobre este problema ou desafio é fundamental que o mesmo esteja inserido em um “quadro de referência” mais amplo.
Um primeiro aspecto, o mundo, ao longo das últimas 5 ou 6 décadas tem produzido muito mais alimentos em índices bem superiores aos índices de crescimento demográfico, inclusive de crescimento da população, ou seja, a fome e a insegurança alimentar não são causadas pela “explosão populacional’ , como preconizava Malthus ou ainda os neomalthusianos modernos costumam usar para amedrontar as pessoas e continuarem com suas práticas criminosas contra o meio ambiente.
Combater o consumismo, o desperdício é, também, uma forma de termos um melhor cuidado com as obras da criação , de salvar o planeta ameaçado pela degradação e destruição que a ganância, a irracionalidade e a estupidez humana está provocando.
Existe um circulo vicioso em que os vários sistemas e modos de produção, pouco importa as suas bases ideológicas ou filosóficas estão gerando vários problemas ambientais e de outra natureza. Em nome de uma acumulação de renda, riquezas, propriedades e, claro, no sistema capitalista, o famigerado lucro, precisa-se ampliar, cada vez mais a produção e, como corolário, é preciso que alguém consuma os bens e serviços produzidos, para que esta maquina, denominada pelo Papa Francisco como “uma economia que gera a morte e atenta contra a ecologia integral” continue funcionando, a favor, claro, dos donos do poder e dos sistemas de produção.
Aí é que entra o famoso “marketing” ou como antigamente era chamado de “propaganda”, que, utilizando técnicas , as vezes nada subliminares, tenta convencer por todas as formas que o cliente, ou seja, os consumidores devem comprar sempre mais e mais, não importa se os produtos ou serviços adquiridos são necessários ou imprescindíveis. Eric From, há décadas (1976), em seu “best seller “ Ter ou Ser?, já alertava em relação a esta distorção social que prima muito mais o “Ter” do que o “Ser”, realidade esta que está claramente patente nesta lógica perversa do desperdício.
Como complemento deste “marketing” que estimula o Ter, em lugar do Ser, que mexe com os neurônios, as emoções e a vontade dos consumidores, surge mais um aliado desta roda maluca, que é o sistema creditício, o rentismo que convence até mesmo quem ganha pouco ou esteja desempregado que pode comprometer sua renda pelos próximos meses ou até anos, “esquecendo” de dizer que este saque contra salários e rendas futuras vai ter um acréscimo (ai o marketing diz...”que cabe no seu bolso”) e enfiam juros extorsivos de mais de 100%, 200% ou até 400% ao ano. Resultado este endividamento brutal que estamos assistindo no Brasil, paraíso da agiotagem institucional, onde até bancos oficiais, públicos praticam essas taxas de juros escorchantes atingiu, penalizou e trouxe muitos problemas para mais de 70 milhões de brasileiros em anos recentes.
Voltando ao círculo vicioso: o consumismo gera desperdício, este gera resíduos sólidos/lixo; que por sua vez não recebe o tratamento e destino correto e aí nos deparamos com esses lixões, lixinhos, córregos, rios, lagos, lagoas, mares e oceanos, totalmente cheios de tudo o que se possa imaginar e também esse lixo não tratado e não destino correto gera milhões e bilhões de toneladas de gases de efeito estufa que provocam o aquecimento global, rompe a camada de ozônio que cobre e proteja o planeta terra dos raios solares, principalmente, os ultra violetas e o resultado final é a crise climática ou seja, as famosas e temidas mudanças climáticas que trazem com elas o aumento da temperatura, a alteração do regime de chuvas e o aumento de “desastres naturais”, que na verdade são desastres produzidos pela ação humana.
Em todos os setores da economia e das sociedades existe este círculo vicioso, mas nesta reflexão eu vou abordar apenas o DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS e qual a relação deste desperdício com o MEIO AMBIENTE e, direta ou indiretamente, com outros aspectos da realidade social, econômica, política, cultural e internacional (geopolítica).
A ONG “Earth Org”, há poucos dias (16/09/2023) depois de ouvir milhares de pessoas, incluindo cientistas, pesquisadores e estudiosos das questões ambientais/ecológicas, elaborou uma lista, em ordem de prioridade, dos 15 maiores problemas/desafios ambientais que existem na atualidade e que precisam receber atenção dos governantes, entidades empresarias, ONGs e também por parte da população em geral.
Esses desafios/problemas são os seguintes: 1º - Aquecimento global provocado pelo uso de combustíveis fósseis; 2º - Gestão medíocre dos governantes em definirem e implementarem políticas públicas relacionadas com as questões ambientais; 3º - DESPERDÍCIO DE ALIMNENTOS; 4º - Perda/destruição da biodiversidade; 5º - Poluição por plásticos; 6º - Desmatamento e queimadas; 7º - Poluição do ar; 8º - Derretimento das calotas polares e das geleiras/montanhas, que provocam a elevação do nível dos mares e oceanos; 9º - Acidificação das águas dos oceanos e elevação da temperatura das mesmas; 10º - Agricultura sem sustentabilidade; 11º - Insegurança alimentar e escassez de água; 12º - Aumento vertiginoso de lixo da indústria têxtil; 13º - Pesca predatória em Rios e oceanos; 14º - Mineração que provoca degradação ambiental e, 15º - Degradação do solo que provoca erosão e desertificação.
Como vemos o DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS é um dos mais sérios e graves problemas ambientais e não apenas econômico, financeiro, social, cultural ou humano, quando constatamos que de todo o alimento que o mundo produz em torno de um terço, e em alguns países este desperdício chega a quase 50% tem como destino o lixo, o que não deixa de ser um contrassenso, quando existem mais de 828 milhões de pessoas passando fome e mais 1,3 bilhão em situação de insegurança alimentar, totalizando 2,128 bilhões de pessoas necessitando de alimentos enquanto o volume de perdas e desperdício aumenta ano após ano.
Segundo a FAO e a UNEP, agências da ONU para a Agricultura, a alimentação e o meio ambiente, o volume de alimentos desperdiçados seria suficiente para alimentar em torno de três bilhões de pessoas anualmente, ou seja, só esta quantidade seria suficiente para acabar com a fome no mundo.
As mesmas fontes também destacam que o mundo ocupava em 2022 em torno de 5,0 bilhões de ha (hectares) com agricultura, pecuária, base para a produção dos alimentos e ao mesmo tempo 2,6 bilhões de ha eram de solos/terras degradas. O Brasil, por exemplo, o tamanho das áreas degradas é maior do que a área total ocupada pela agricultura.
Considerando que as perdas e desperdícios são em torno de 30%, podemos raciocinar que houve um desperdício também de solos agricultáveis de aproximadamente 1,5 bilhão de ha, totalizando entre as áreas degradas e as áreas utilizadas para produzir alimentos que foram parar no lixo, teríamos algo como 4,1 bilhões de ha praticamente inúteis, o que demonstra que o mundo pode duplicar a produção de alimentos sem a necessidade de incorporar novas áreas (como está ocorrendo com a Amazônia e o Cerrado no Brasil), ou seja, sem desmatar e queimar nem um palmo de terra e, ao mesmo tempo podemos dobrar a oferta de alimentos, barateando seus custos, permitindo que bilhões de pessoas que passam fome ou são afetadas por insegurança alimentar pudessem ter um pouco de dignidade.
Além do solo/terra, área ocupada com agricultura e pecuária, o desperdício de alimentos representam também o desperdício de água, equivalente ao uso per capita ano de 200 litros por nove bilhões de pessoas, o desperdício de bilhões de toneladas de fertilizantes e de outros insumos, incluindo energia, armazenamento e logística em geral.
Os custos econômicos e financeiros do desperdício de alimentos no mundo foi de 2,6 trilhões de dólares em 2014, ou seja, 3,5% do PIB mundial naquele ano que era de 80,1 trilhões de dólares.
Considerando, hipoteticamente, que este mesmo índice seja aplicado para o PIB mundial de 2022 que foi de 101,8 trilhões de dólares, o valor do desperdício (na verdade um prejuízo global) foi de 3,3 trilhões de dólares. Isto representa, um valor maior do que o PIB do Reino Unido no último ano (2,76 trilhões de dólares) a quinta maior economia do planeta e pouco abaixo do PIB da Alemanha (3,85 trilhões de dólares), a quarta economia do mundo em 2022.
Para não alongar demais este artigo, deixo de refletir, nesta oportunidade (mas o farei proximamente), sobre a realidade brasileira de forma mais detalhada.
Destacando apenas que o Brasil, de que tanto nos orgulhamos, está entre os 5 maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo e também (lamentavelmente) entre os dez países que mais desperdiçam alimentos, enquanto 33 milhões de pessoas estavam passando fome e mais de 100 milhões em situação de insegurança alimentar em nosso país no último ano.
O volume das perdas e do desperdício de alimentos no Brasil em 2022 foi de 46 milhões de toneladas e isto representou um prejuízo (valor agregado) de RS$ 61,3 bilhões de reais.
O mesmo raciocínio e as mesmas inferências utilizadas para o significado deste desperdício em relação á área, a quantidade de água, de energia, de trabalho, de fertilizantes e outros insumos, na logística que foram utilizadas para produzir este volume de alimentos que foi parar no lixo, dá uma ideia mais próxima dos impactos ambientais, além dos demais, em nosso sistema de produção agropecuária e também na indústria de alimentos, no varejo, no transporte/logística.
Como podemos perceber o desperdício é um problema/desafio complexo e que produz várias outras consequências, razão pela qual , cremos nós, deva ser objeto não apenas campanhas esporádicas, mas objeto de reflexões mais profundas pelas entidades governamentais, empresariais, entidades representativas da sociedade civil organizada, pelos meios de comunicação, Igrejas, clubes de serviço, enfim, por parte da população em geral.
*Juacy da Silva, professor titular aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da pastoral da ecologia integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy