Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
No início de minha carreira, ainda em Goiás, vivenciei minha primeira greve. Infelizmente, não foi a última. Outras tiveram de vir, pois o desrespeito de diferentes governos a essa indispensável profissão é constante e cruel; às vezes, a crueldade vem acompanhada da humilhação social.
Já na deflagração daquela primeira greve, uma colega indagou se eu não tinha amor pela profissão; se eu não pensava no prejuízo dos alunos.
Respondi que – como eu não considerava o magistério um sacerdócio, mas uma das profissões existentes, quiçá a mais importante – eu havia me preparado para exercer a profissão com muito respeito para ser digno de servir à classe trabalhadora de minha sociedade.
Disse mais: que os trabalhadores – incluindo os alunos – também não precisavam ser amados pelos governantes; o respeito bastava. Todavia, como sistematicamente nossos governantes não nos respeitam, temos de fazer greve.
Por isso, sempre que voto pela greve, voto pelo respeito à profissão, pois almejo salário digno e melhores condições de trabalho; por consequência, voto pela própria classe trabalhadora de meu país que algum dia poderá usufruir das condições adequadas para o exercício da vida acadêmica.
Mas fazer greve sempre foi dureza, pois além do embate com os governantes, lidamos com colegas que não compreendem que sem as greves, as universidades públicas, p. ex., já nem existiriam como tais.
Alguns professores ainda acreditam que há outras formas melhores do que a greve para resolver impasses com os governos. Não há. Simples assim. Se houvesse, elas já teriam sido apresentadas por algum gênio e usadas por todos nós, é claro. Quaisquer atividades existentes, e há várias, como fechar rodovias, passeatas, promover shows culturais, elaborar faixas, outdoors, boletins informativos, palestras de formação, ocupação de prédios públicos etc., são atividades complementares de uma greve; portanto, nenhum governo dialoga se não for efetivamente exposto e forçado a isso. Essas atividades ajudam a mostrar a real situação do momento, mas têm de ser feitas em greve. Fora da greve o efeito é mínimo, quando há.
Por conta dessa incompreensão de alguns, ao longo do tempo, já ouvi coisas absurdas. Mas nada supera o que disse um colega em nossa última assembleia (17/09), que, aliás, confirmou a necessidade da greve, pois o pacote do governo, de 14/09, retirou ainda mais nossas conquistas e direitos. O governo Dilma/PT foi longe demais em sua opção pelas elites.
Mas afinal o que disse o colega?
Coisas impensáveis, quando vindas de um professor universitário!
Antes, é preciso lembrar que, mesmo diante de tantas subtrações de direitos e conquistas, um pequeno grupo de professores – alguns ligados a partidos governistas, como o PCdoB e PT, para facilitar a vida do governo – propôs o final da greve por meio de um “manifesto” que pressupunha apelar “à razão”. Obviamente, o texto, apesar de sua boa redação, é irracional.
Nesse contexto, o colega referido, mesmo sendo um doutor de disciplinas que estudam a dinâmica social, portanto, amalgamadas às questões políticas, afirmou que não estava ali para discutir sobre o governo e nem falar de política; que queria discutir apenas a greve, propondo seu final.
Na sequência, como um lunático, babou seu ódio contra a classe trabalhadora, da qual pertence sem nela se reconhecer. Babou seu ódio contra sua própria categoria profissional, demonstrando ira contra os docentes que compõem o Comando Local de Greve.
Diante de sua intervenção, algumas perguntas: como é possível falar de greves nas federais sem falar das políticas do governo, que assaltam a autonomia, que precarizam, terceirizando os serviços nas universidades, que destroem nossa carreira, que suspendem concursos públicos? Como não falr de um governo que se nega ao diálogo eficaz, deixando nossa categoria em greve já perto de completar quatro meses? Que congela nossos salários?
Como é impossível descolar as greves das opções políticas do governo, considero que um docente desse tipo não faz falta à universidade pública. Ele está no lugar errado. Sua mente é formatada pela lógica do mercado, onde predomina a dinâmica do pagou, levou. Esse colega deixou sua leitura mercadológica evidente; por isso, é incapaz de compreender uma universidade federal como espaço público e socialmente referenciado. É um ser deslocado que perambula em nosso meio; que nos constrange academicamente. Pior: sua fragilidade teórica é tão perceptível quanto o sol de Cuiabá.
Enfim, tenho pena de seus estudantes. Jamais aprenderão com essa criatura o que vem a ser um profissional e um cidadão com o olhar voltado para sua própria classe.
PS.: quem considera o magistério como um sacerdócio deveria dispensar todos os investimentos, incluindo os salários, que o Estado lhe fornece, e recorrer às paróquias, cúrias metropolitanas e até à Santa Sé para a manutenção de sua sobrevivência. Professor é profissão; portanto, é um trabalhador que precisa ser respeitado, tanto quanto os que fabricam sapatos, carros etc.