Quinta, 17 Setembro 2015 14:12

VAMPIROS DE DISCURSOS

Escrito por 
Avalie este item
(0 votos)

Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT

Há muito tempo que integrantes da elite brasileira aprenderam como se apossar de discursos elaborados por membros das classes trabalhadoras. Não bastasse a exploração a que submetem os trabalhadores, vários agentes do status quo têm praticado a vampiragem de discursos dos oponentes às imposições neoliberais, cruéis na essência. 

O exemplo mais recente desse tipo de prática pode ser lido no artigo “A luta continua” (In: “Tendências/Debates”; Folha de São Paulo: 11/09/2015).

Mesmo com as dicas já lançadas, desafio os leitores – que obviamente não puderam ler na fonte o artigo citado – a adivinharem o autor da pérola em pauta.

Acertou quem apostou em Paulo Skaf.

Quem é Skaf?

Claro que não é um novo líder sindical. Trata-se do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP). Skaf – erigido da mesma linhagem de Mário Amato et alii – é um dos mais importantes símbolos/representantes humanos do capitalismo nacional. Poder-se-ia dizer tratar-se de uma das principais encarnações do capital no Brasil.

Sendo assim, quando Skaf diz que “A luta continua” – que, na origem, é a segunda parte do jargão “O povo na rua...” –, ele está demarcando a continuidade dos planos e/ou projetos da elite perante o governo federal, e não da luta, como faz crer no enunciado.

Quem precisa da luta é quem labuta; ou seja, é o trabalhador, e não o empresário/presidente da FIESP, que inclusive ajuda a dar o tom ideológico às outras federações país afora.

Isso é tão verdadeiro que, logo após o anúncio do pacote de horrores (recheado de cortes orçamentários e novos impostos) feito pelo governo Dilma/PT, no último dia 14, Skaf disse em bom tom, no Jornal Nacional, que agora agirá dentro do Congresso.

Agirá mesmo; e entrará como convidado de honra daqueles seres que dependem do empresariado para suas eleições, reeleições, novas eleições, perpétuas eleições...

Em contrapartida, se um trabalhador vinculado à verdadeira luta sindical – não estou falando dos pelegos do PT e congêneres – tentar entrar no Congresso, munido de suas armas típicas (bandeiras e faixas), o mínimo que lhe espera é o gás de pimenta nos olhos. Eis a diferença entre os que verdadeiramente podem dizer e os que não podem dizer “a luta continua”.

Agora que retomo o jargão ao campo correto das lutas sociais, afirmo que, em diversos serviços públicos do país, a luta/greve – que já ultrapassou o centésimo dia – continua; e continua porque o governo fez uma opção política para tentar governar a nau à deriva. Optou por se curvar perante a variação de humor dos investidores no mercado.

Ao optar por esse segmento tão invisível quanto insensível, o governo reafirma seu ódio à classe trabalhadora. A dicotomia nunca esteve tão evidente. O governo materializa seu ódio quando aponta que os trabalhadores terão de pagar mais impostos do que os que já pagam; quando anuncia cortes nos serviços e nas políticas sociais, precarizando ainda mais os serviços das repartições, como o INSS, e das instituições públicas, como as universidades e os institutos federais de ensino.

Logo, seu ódio maior, que em geral conta com apoio da grande mídia, está voltado exatamente aos trabalhadores que fazem funcionar a máquina do Estado.

O anúncio do pacote referido é a materialização mais recente desse ódio de classe. Por conta dessa declaração, os servidores públicos federais continuam em greve...  

 PS: em meu último artigo, onde se lê “Pedro II”, leia-se apenas “Pedro”. Grato.

Ler 2754 vezes Última modificação em Quinta, 17 Setembro 2015 14:12