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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Por Gerdine Sanson*
Sinop, 28/09/2020
Eu sou a atual coordenadora do curso de Medicina Veterinária no campus Sinop. Essa frase, aparentemente inócua, causou um imenso impacto na minha vida. No início, quando assumi o cargo, eu sentia medo de tanta responsabilidade, pois eu, na minha ainda então ingênua percepção das atribuições (definidas em projeto pedagógico), me considerava muito aquém das competências necessárias, por não ser formada em Medicina Veterinária. Depois, já ciente das reais atribuições que me cabiam na função (bem menos interessantes dos que as que estão no projeto pedagógico), me fazia sentir sem saída. Meu mandato era pra ter terminado no início de maio, mas foi prorrogado, pois não houve candidatos ao cargo para me substituir. Eu e meus colegas do Colegiado de Curso, conscientes da situação difícil deste momento, assumimos o compromisso de manter o mandato até que a situação crítica em que estamos por causa da pandemia COVID-19 se estabilize, e seja possível normalizar as atividades do curso. Parece que foi há muito tempo que isso aconteceu, lá por maio, já até nos acostumamos com a situação, e teria ficado por isso mesmo se a história agora não estivesse se repetindo, só que no curso de Enfermagem, aqui em Sinop. Houve a consulta eleitoral e, mais uma vez, ninguém se inscreveu para concorrer ao cargo. Será coincidência? Com certeza não é!
A coordenação de curso tem função gratificada. Mas de que adianta? Não há dinheiro que justifique o tamanho do trabalho e dos aborrecimentos que causa. No campus Sinop, o coordenador de curso tem que desde atender alunos e cuidar de questões de estágios, até muitas vezes escrever as atas das reuniões pois o campus conta com algo em torno de duas a três secretárias para auxiliar nas demandas de nada menos que onze cursos de três institutos. O coordenador tem todas as funções que estão descritas em um manualzinho que tem que ler quando assume a função, e depois de um tempo descobre que tudo que tem escrito ali é o que menos tempo vai lhe tomar. Aí ele descobre o resto. Descobre que não vai ter professor pra todas as disciplinas do curso. Descobre que não vai ter laboratório para todas as aulas práticas. Descobre que não vai ter sala com ar-condicionado e projetor pra todas as disciplinas que necessitam. Descobre que a demanda de matrícula em algumas disciplinas é impossível de ser cumprida, e não tem professor pra abrir mais turma (nem sala, nem laboratório). Problemas nos estágios, problemas com os técnicos de laboratório, problemas com adoecimento de professores. O coordenador ainda tem que dialogar com outros pra tentar definir normas em comum ao seu instituto que depois mudam e ele nem sempre fica sabendo. Tem que acompanhar os alunos que apresentam características especiais sem ter nenhuma formação ou apoio pedagógico específico. Tem que administrar conflitos de seus pares os mais diversos possíveis, de forma justa e condizente com as normas institucionais, que nem sempre são fáceis de descobrir. E o pior de tudo, tem que fazer tudo isso dentro dos prazos estipulados sem a menor consideração pela sua humanidade, muitas vezes mais de um no mesmo dia, segundo o inexorável “calendário acadêmico”.
Um dia, depois de trabalhar quase que ininterruptamente por aproximadamente 48h (período de ajuste de matrícula) eu ouvi da minha filha: “eu odeio essa coordenação de curso, ela está matando você”. Em uma outra oportunidade, me ouvindo reclamar, a mesma filha perguntou “por que é que só você tem que trabalhar tanto?” Eu respondi a ela automaticamente “porque é minha responsabilidade.” E ela disse: “por que você não larga isso?” “Porque eu não quero sair antes de terminar meu mandato.” Ela então disse, com toda razão: “Então não reclame.” E é isso que os coordenadores de curso de forma geral ouvem, seja em alta voz, ou nas entrelinhas das situações cotidianas: “Entrou porque quis, então não reclame.” Não reclame, não reclame… A gente pode até aprender a ser educado e não incomodar ninguém. Mas os colegas nos veem, cansados, exaustos, até deprimidos. No meu caso, sempre descabelada e eternamente com pressa. Meus alunos queridos, quando vem falar comigo, usualmente já começam a fala assim: “Me desculpe professora, sei que está muito ocupada, mas preciso de…” Olham com compaixão para mim, por saber o esforço que tenho feito para manter o curso funcionando. De um lado fico feliz por sentir o carinho dos acadêmicos e dos colegas, mas me sinto realmente péssima por passar tal impressão. Quem vai querer em sã consciência passar por isso também? É sabido que qualquer projeto de extensão ou pesquisa do docente será extremamente prejudicado caso ele tenha que assumir essa função. Eu mesma tive que sair da coordenação de um, que por sorte pode ser continuado por um colega de área afim. Não sei onde vamos parar, mas sei que, do jeito que vamos em Sinop, vai ter que ser com coordenadores de curso que foram obrigados a assumir o cargo. É realmente, o fim.
*Gerdine Sanson
Professora da UFMT/Sinop
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