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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Por Roberto de Barros Freire*
Quem mais lê a Folha de São Paulo e assiste a Rede Globo é Bolsonaro. Ele não consegue viver sem eles, diariamente vasculha, vê, procura, algo para amaldiçoar, transformando as notícias em espetáculo. Ele na verdade adora esses veículos de comunicação. E os usa diariamente no espetáculo grotesco na saída do seu palácio, para disfarçar ou esconder seus malfeitos, ou dos seus filhos investigados. Ele critica a imprensa, mas ele precisa do jornal, da televisão, das mídias.
É uma prática fascista transformar as notícias em espetáculo, o que deixa as pessoas viciadas no drama ou tragédia—quem entrou, quem saiu, quem foi demitido, quem foi ofendido, quem foi ridicularizado, quem foi atacado e quem foi defendido, cotidianamente eletrizando a todos, tentando tirar o foco dos seus mal feitos. Os dados ruins seriam só “mentiras de quem torce contra o Brasil”. Se distrair com a forma como um líder autoritário manipula a mídia, que dirá algo chocante justamente quando surgir alguma notícia que ele quer ocultar. O PIB está ruim, Flávio Bolsonaro está na mira do ministério público, nada consegue realizar em termos econômicos e sociais, então falemos das partes íntimas de uma repórter, escandalizemos o público para se esquecer o que de fato está ocorrendo, que a educação e os níveis sociais se deterioram, que as florestas estão sendo dizimadas.
Bolsonaro diz que representa os eleitores reais, rurais, ataca os progressistas e os gays, diz que o país está em declínio, é um tipo de política muito poderosa dizendo que o país pertence aos cristãos. O cristianismo é uma ótima religião, mas dizer que o Brasil é deles é uma versão do fascismo. Ele está minando as instituições. Na verdade, entre os cristãos tem uma infinidade de posições que longe está de ter alguma unanimidade, ou uma visão comum. Não há uma voz só a falar por essa infinidade de pessoas. E por vezes, os que mais defendem o cristianismo são os menos cristãos. Bolsonaro com certeza não é um cristão, não consegue admitir o perdão e quer a pena de morte. Como político fascista faz tudo girar em torno do inimigo, pois este é uma ameaça à civilização e as pessoas votam nele pois ele é o líder forte que vai protegê-los deste oponente monstruoso, e vai exterminá-lo, algo bem pouco cristão. Não quer o convívio com os diferentes, quer extingui-los. Dentre os inimigos sempre estará inclusa a classe intelectual, porque pensar é o inimigo. A falta de razão é a base do fascismo, pois é o ódio que o rege, não a compreensão. Regimes fascistas substituem pessoas competentes por incompetentes, competentes por aliados, cientistas por ideólogos, especialistas por cúmplices políticos.
O que está acontecendo é que os jornais normalizam seus comportamentos erráticos e estranhos, que são preocupantes. Os jornais tentam entender coisas, como rompantes ditatoriais, que em última análise tenta dar sentido a isso, ao invés de noticiar o que está acontecendo.
A imprensa não deveria ficar na entrada e saída do palácio presidencial irradiando suas estultices e grosserias de quem não sabe direito o que fala e o que faz. Nada deveria noticiar sobre sua teatralidade matinal e de fim de dia. Isso não é notícia, é tão somente um espetáculo grotesco, deselegante, deseducado, que mais prejudica nossos jovens e nossas crianças com situações sexualizadas (Bolsonaro e Damares só pensam em sexo), com coisas pouco cordiais, grotescas, bárbaras. Como disse alguém na imprensa “nos espetáculos que o presidente Jair Bolsonaro oferece quase diariamente na entrada do Palácio da Alvorada, é possível notar o exercício de transformar a política num show que mistura desinformação e ultraje.” Só ele se beneficia desse noticioso. A tática é útil sobretudo para políticos que querem esconder seus erros.
Não podemos deixar isso se tornar uma norma. A normalização não pode ser feita, pois a normalidade é diferente. Em uma democracia, as coisas são bem entediantes e prosaicas num cotidiano de debate racional. As ameaças à democracia já não vêm tanto na forma de tanques, mas de perda de saúde de suas instituições sempre agredidas. Como agora que estão convocando para uma manifestação a favor de um golpe militar, contra o Congresso e o STF, por pessoas ignorantes, que não sabem nem o que é uma ditadura. Ora, a diferença básica entre democracia e ditadura, é que na ditadura você não pode nem defender as coisas certas, e na democracia se tem liberdade até para defender as coisas erradas, como querem os bolsonaristas.
*Roberto de Barros Freire
Professor do Departamento de Filosofia/UFMT
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