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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Por Aldi Nestor de Souza*
Gonvobrildo parou pra abastecer o carro na cidade de Monte do Luau, às 3 da tarde de uma quarta feira. Após andar pelas ruas, e vendo a cidade em festa, parou pra pedir informação.
- Boa tarde!
- Boa tarde!
- Tá tudo fechado, hoje é feriado aqui?
- Não, não é feriado. É que aqui a gente só trabalha até 1 da tarde.
- A gente quem, todo mundo? Todo dia?
- Sim, todo mundo, todo dia.
- Não tem posto de gasolina aberto?
- Não tem. O posto também tá fechado, só abre de manhã.
O horário de trabalho em Monte do Luau vai de sete da manhã até uma da tarde. Tudo lá funciona nesse horário. Mas é tudo mesmo: comércio, escola, banco, prefeitura, correio, cartório, bar, restaurante, pousada, posto de gasolina, farmácia e até o posto de saúde. E cada pessoa, durante o expediente de trabalho, ainda tem direito a uma hora livre todo dia, que é usada pra fazer compras, resolver coisas de banco, etc.
Tudo começou com a aprovação de uma lei municipal, idealizada por um grupo de moradores, que a população inteira, após muito debate, decidiu apoiar. A ideia do grupo era convencer as pessoas de que o trabalho pra sobreviver devia ser só um penduricalho, e consumir apenas uma partezinha do tempo.
- poxa, meu carro tá na reserva, preciso abastecer.
- Sinto muito, senhor.
- E hotel, pousada, onde posso encontrar?
- O hotel é aqui próximo, na rua de trás, mas também tá fechado.
- como assim?
No único hotel de Monte do Luau, tudo é feito também até 1 da tarde. Qualquer pessoa que chega fora desse horário é obrigada a se hospedar em barracas que a prefeitura disponibiliza na praça central até o amanhecer do dia seguinte.
- Certo, mas e comida, água, onde posso comprar?
- Não tem onde comprar a essa hora. O senhor pode conseguir pedindo nas casas. O pessoal dá numa boa, é comum, ninguém estranha.
A tarde e a noite em Monte do Luau são livres pra se fazer o que quiser, menos trabalhar. Qualquer pessoa que for pega trabalhando nesse horário é obrigada a pagar uma multa elevada e, em caso de reincidência, pode ir presa ou convidada a mudar de cidade. No início, até o pessoal se acostumar, aconteceram vários casos de multa. Somente uma pessoa teve que abandonar a cidade. Foi um comerciante, que havia chegado a pouco na cidade, vendia bebidas. Por duas vezes foi flagrado abrindo o comércio á noite pra vender.
- Olha, senhor, como é mesmo seu nome?
- Gonvobrildo.
- Gonvobrildo, o senhor pode passar o resto da tarde e a noite conosco, festejando. Tem muita coisa acontecendo na cidade.
- Tá bom, obrigado.
O médico e o dono da farmácia são os únicos trabalhadores da cidade que tem autorização para atender fora do horário. Mas é só em caso de emergência, e os atendimentos são feitos em casa. Mas o povo adoece muito pouco em Monte do Luau.
- Nem os bares abrem à noite por aqui?
- Não. Os bares também só abrem de manhã.
- E como é que se faz pra tomar uma cerveja à noite nessa cidade?
- Tem que comprar pela manhã, guardar e beber na hora que quiser.
Em Monte do Luau, todas as festas são feitas em casa ou em locais públicos, como praças e parques, mas ninguém trabalha enquanto outros festejam. Lá, a decisão de festejar é também a decisão de organizar, em mutirão, a festa. Todo mundo tem que fazer alguma coisa.
Cheia de artistas, pintores, cantores, músicos, poetas, Monte do Luau não contrata bandas nem artistas pra tocar. Tudo é organizado e animado pelos próprios moradores. E artistas de fora só se apresentam lá se for de graça. Arte em Monte do Luau é proibida de ser vendida. E todo artista lá precisa trabalhar em alguma outra coisa pra sobreviver. Arte, no entendimento dos moradores, é coisa séria, pra elevar o espírito e precisa sempre estar livre.
Toda tarde e noite tem, espalhados pelas ruas da cidade: festas, saraus de poesia, saraus de canto, contação de histórias, teatro ao ar livre, jogo de bola, passeios, piqueniques, ensaios de banda, ensaios de dança, clubes de leitura, etc.
- Vem cá, nem a polícia trabalha aqui à noite?
- Não, Gonvobrildo, não é necessário. É que aqui a gente vive na rua. Todo mundo olha todo mundo. Toda hora tem muita gente nas ruas, nas praças. E aí a polícia só trabalha de manhã.
- Mas todo mundo trabalha nessa cidade?
- Claro que não. Não existe lugar onde todo mundo trabalha.
- E as igrejas, que horas funcionam?
- Em Monte do Luau não tem igreja.
*Aldi Nestor de Souza
Professor do departamento de matemática, UFMT-Cuiabá.
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