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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Por Roberto de Barros Freire*
Novamente vemos um “acidente” decorrente da negligência humana, do pouco caso com a vida e com a natureza. Brumadinho repete Mariana, o mesmo tipo de represa, o mesmo trabalho precário com os rejeitos, a mesma incapacidade de prever o colapso das estruturas que constrói; a mesma empresa! Enfim, nada se aprendeu com o erro anterior e o mesmo erro repete-se agora. E é provável que não pare nesse caso, pois que há inúmeras represas como essa espalhada por Minas Gerais e por outras partes do país: a gente não deve discutir se terá outros rompimentos, mas quando irão acontecer. O pior é que a barragem que se rompeu em Brumadinho estava paralisada há cerca de três anos, tinha um laudo atestando sua “estabilidade”, o que gera ainda mais preocupação em relação às demais estruturas que estão em operação ou que estão desativadas, afinal de contas, nossos atestados parecem não atestar nada.
Nem se aprende com os erros, nem se prende os culpados por essas mortes humanas e do ecossistema, com suas inúmeras perdas de vegetais e animais. A empresa responsável nem indeniza as vítimas, nem indeniza a cidade, o Estado e a nação, pois que o país sai perdendo, com sua imagem ruim ainda piorada. Um país que não cuida nem do seu meio ambiente, muito menos cuida do seu povo, sujeito a sofrer catástrofes e sem proteção governamental, governo que vive mais em função dos interesses da mineradora do que dos seus cidadãos. E não é nem uma questão de ter aprendido ou não. A Vale escolheu de forma consciente não fazer o que tem que ser feito, sendo mais uma empresa que mente, deturpa as informações.
O rompimento da barragem de Brumadinho deve ser investigado como um crime. A Vale já estava sendo processada na Justiça Federal desde 2016, ao lado da Samarco e da BHP, em uma ação em que todas essas empresas são acusadas por homicídios e crimes ambientais. Até o final de 2018, essa ação seguia na comarca de Ponte Nova, na Zona da Mata, sem que ainda os réus tivessem sido julgados. Desde novembro de 2015, a empresa foi multada 56 vezes pelo Ibama e pela Semad (Secretaria de Meio Ambiente de MG) e pagou apenas parte de uma única multa —5,6% do valor total devido.
Pouco ou quase nada se fez desde então. A não ser, por óbvio, as suspeitas medidas usuais: instalaram-se comissões para tratar do assunto. Resultado? Nenhum. Inventar comissões e endurecer a legislação não necessariamente resolverá o problema se a deficiência se concentrar no cumprimento das normas, e não na sua criação ou reformulação. As autoridades brasileiras deveriam ter aumentado o controle ambiental, mas foram "completamente pelo contrário", ignorando alertas da ONU e desrespeitaram os direitos humanos dos trabalhadores e moradores da comunidade local, diminuindo a fiscalização e os fiscais. A visão de mundo do setor mineral impediu que os alertas da academia e do Ministério Público fossem levados a sério, sempre tentando deslegitimar os defensores ambientais como sendo uma suposta ameaça econômica, ou uma conspiração estrangeira.
Os conselhos que fazem licenciamento também têm ocupação estratégica. Os assentos das empresas são controlados pelo setor mineral, o governo normalmente é pró-mineração e os assentos de ONGs são ocupados por aquelas com projetos financiados por mineradoras. Não é por acaso que o licenciamento feito em dezembro na região de Brumadinho só teve um voto contrário. No dia 11 de dezembro de 2018, Maria Teresa Corujo foi a única integrante do CMI (Câmara de Atividades Minerárias) do Copam (Conselho Estadual de Política Ambiental) de Minas Gerais a votar contra a ampliação das atividades na região do rio Paraopeba, que inclui a mina Córrego do Feijão, operada pela Vale e que rompeu no dia 25/01/2019. Não deveriam ser penalizados os demais conselheiros e a Maria Teresa premiada?
É particularmente preocupante que especialistas ambientais e membros da comunidade local tenham expressado preocupação sobre o potencial de rompimento da barragem de rejeitos e que o Brasil tenha ignorado esses alertas. É preocupante a situação enfrentada por defensores do meio ambiente, trabalhadores e comunidades que tentam defender seus direitos frente à indústria da mineração, e são menosprezados e relativizados pelo poder econômico, político e governamental.
O setor de mineração tem uma longa história de abusos dos direitos humanos a partir dos riscos e conflitos inerentes que cria. O legado tóxico dos projetos de mineração em todo o mundo – incluindo o catastrófico colapso de barragens de rejeitos – impacta os direitos humanos à vida, à saúde, ao trabalho seguro, à água potável, aos alimentos, e a um ambiente saudável. Não há garantias de integridade para barragens. Mineração sempre foi e continuará sendo fonte potencial de grandes desastres. No mundo todo.
Crimes ambientais e genocídios de trabalhadores, bem como de comunidades inteiras devem estar previstos na agenda de risco corriqueiro dessas empresas, pois os lucros, os impostos e os benefícios obtidos com tudo isso valem muito mais a pena do que a preservação do Meio Ambiente e das vidas dos brasileiros pobres e indefesos. Um crime de Lesa-pátria que jamais será esquecido pela História deste país e que jamais poderá ser calculado em dinheiro.
Relaxar e simplificar o licenciamento ambiental, como parece ser a intenção do presidente Jair Bolsonaro (PSL), revela-se uma péssima ideia, especialmente em casos de alto dano potencial como ocorre com a mineração. Está certo que Jair Bolsonaro, do PSL, e Romeu Zema, do Novo, tomaram posse há 29 dias e não têm culpa pelo que aconteceu em Brumadinho. Mas o presidente e o governador de Minas são expoentes de uma corrente —apoiada por parte da sociedade— segundo a qual o errado não é o madeireiro que desmata ilegalmente, o empresário que burla normas sanitárias ou mantém trabalhadores em condições sub-humanas, mas sim o fiscalzinho de colete e seu maldito bloquinho de multas. Bolsonaro e ministros não se cansam de vociferar contra a “indústria das multas”, o excesso de fiscalização, de regulamentação. Jair Bolsonaro (PSL) sempre deixou claro sua posição em flexibilizar a atuação dos órgãos de controle do Meio Ambiente, bem como as leis federais. “Não vou mais admitir o Ibama sair multando a torto e a direito por aí, bem como o ICMbio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade]. Essa festa vai acabar”. O presidente se notabilizou por denunciar, durante a campanha, uma suposta indústria da multa no órgão federal. Em janeiro de 2012, Bolsonaro foi multado em R$ 10 mil pelo Ibama por pesca ilegal.
Ora, se com esse “rigor” (nas leis, mas não no judiciário ou na atividade de fiscalização), ocorrem todo tipo de tragédia em solo nacional, já imaginaram o que ocorrerá se liberar geral? O fato é que governo e políticos agem em comum acordo perdoando as dívidas e multas de mineradoras e agronegócios, os grandes burladores das leis ambientais, logo, sentem que estão autorizados a fazer e desfazer do meio ambiente como bem quiserem, a favor dos seus lucros e contra todos nós, não acionistas das mineradoras e das agroindústrias.
O licenciamento ambiental é um procedimento administrativo em que o poder público concede a autorização para alguém explorar um bem que é de todos. Agora é preciso também estabelecer distâncias mínimas, como 10 km, entre barragens e comunidades. E impor limite ou proibir barragens construídas com a técnica à montante, o tipo mais comum, mais barato e o menos seguro, usado em Mariana e em Brumadinho.
Com os novos critérios de risco, mais flexíveis, propostos pelo governo as licenças serão concedidas com simplificação e agilidade, com omissão proposital da classe política dependente desse setor econômico no país, apresentando propostas absurdas como automonitoramento ou autolicenciamento, ou mesmo a autodeclaração, que são coisas perigosas em solo nacional. Fossemos uma Suíça, Finlândia, Noruega, vá lá, mas num país de pouco honestidade e as leis não conseguem punir os culpados pelos desastres cometidos pelos empresários, é algo temerário; mesmo com fiscalização e atestados, as obras empresariais são pouco confiáveis.
Devemos pensar na possibilidade de denunciar esse caso a uma corte internacional por crimes contra a humanidade porque isso não pode continuar acontecendo. Não é possível que a ausência de punição no caso de Mariana se repita agora, é preciso que pessoas sejam responsabilizadas e punidas, que vítimas sejam indenizadas e que muitas multas sejam lavradas e devidamente pagas pela Vale.
*Roberto de Barros Freire
Professor do Departamento de Filosofia/UFMT
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