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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Alair Silveira
Profa. Depto. Sociologia e Ciência Política
SOCIP/ICHS/UFMT
A Universidade pública brasileira tem sido – juntamente com outras instituições públicas sociais – objeto de uma política perversa e implacável de destruição, desde 1990. Nesses quase 30 anos de desmonte, o caráter social do Estado tem sido inviabilizado, de maneira a reabilitar a máxima do pensamento liberal, segundo a qual a livre iniciativa assegura o interesse coletivo. Para tal, basta permitir às forças econômicas privadas a liberdade de empreender sem qualquer intervenção estatal. Nessa perspectiva, como defendia Adam Smith, à “mão invisível do mercado” caberá as autocorreções necessárias.
Ajustada para os tempos neoliberais pós-modernos, a ‘livre iniciativa’, agora, atende também por ‘empreendedorismo’ e/ou ‘inovação’, e é considerada, inclusive, “inata” aos indivíduos. O Sistema S (com seus recursos públicos) e todos os grandes empresários (ops!), digo, empreendedores, agradecem. Congratulam-se, especialmente, aqueles que satanizam o Estado, mas disputam cada centavo dos recursos públicos não apenas para a manutenção da política tributária regressiva, mas para demandar renúncia fiscal, financiamentos subsidiados, isenções generosas, REFIS, perdão de dívida e, obviamente, a privatização do patrimônio público. Há, inclusive, entre aqueles que satanizam o Estado, aqueles que, de dentro do Estado, atuam contra o caráter público e social do Estado do qual são servidores.
A UFMT, por óbvio, não está imune à pós-modernidade neoliberal e, consequentemente, a esse movimento de desmonte da Universidade. Ironicamente, é no espaço da dita ‘elite intelectual’ que a iniciativa privada tem encontrado seus mais aplicados defensores, inclusive com a reprodução ‘ilustrada’ do argumento que oferece como alternativa para as mazelas sociais justamente os instrumentos que as geram; e que são inerentes à lógica da livre iniciativa privada.
A trajetória de adesão aos interesses neoliberais pós-modernos de parte significativa de professores universitários tem muitos percursos que, ao final, convergem para a mesma finalidade. Devido aos limites desse pequeno artigo de opinião, não é possível disseca-los. Contudo, é plausível supor que boa parte da intelectualidade brasileira tem conhecimento - e argumentos - quanto aos vários processos que levaram a essa situação paradoxal dentro das Universidades e, particularmente no que aqui nos concerne, da UFMT.
É a partir dos diversos paradoxos que têm tomado forma nos últimos tempos que me manifesto nesse Espaço Aberto, para dialogar com os colegas da UFMT. O primeiro paradoxo diz respeito ao número significativo de professores concursados para as universidades públicas que não tem nenhum pudor em defender recursos públicos para universidades privadas; que protesta contra a baixa qualidade educacional brasileira, mas defende a “flexibilização” dos níveis de aferição de aprendizagem; que reclama do sucateamento da Universidade pública, mas promove empreendedorismo acadêmico; que reconhece a falta de estrutura necessária ao desenvolvimento decente das atividades de ensino, pesquisa e extensão, mas reiteradamente aprova novos cursos de pós-graduação lato e stricto senso; que lamenta direitos consagrados serem surrupiados, mas cotidianamente renuncia a muitos deles, sempre na perspectiva do “voluntariado”, do “produtivismo” e da métrica do tempo e da quantidade. Enfim, que se manifesta nos espaços institucionais em defesa da Universidade Pública, Gratuita, de Qualidade e Democrática, mas não se dispõe a lutar por ela.
Mas os paradoxos não se limitam à contradição entre o discurso e a prática. Eles alcançam, também, o interior dos discursos, através da aplicação seletiva do rigor das regras e da racionalidade acadêmica. As duas últimas assembleias da ADUFMAT (16 e 18 de Julho/2018) representam um marco importante da história da Universidade e do Sindicato. Primeiramente porque elas repetiram uma prática que tem se tornado comum nesses tempos de pós-modernidade neoliberal crescente: a arregimentação pontual e pragmática de professores – sindicalizados ou não – para impedirem a aprovação de qualquer proposta que vá de encontro ao que defendem. O problema, por óbvio, não está na participação legítima dos professores sindicalizados nas assembleias. Muito pelo contrário. Esse é um objetivo permanente do Sindicato. O problema é quando esses professores somente comparecem às assembleias nessas ocasiões específicas, com um único intuito: impedir a aprovação de algum ponto de pauta e/ou encaminhar alguma proposta específica e garantir a sua aprovação.
Na mesma linha das assembleias que tiveram como ponto de pauta a deflagração de greve, as “convocatórias de arregimentação” são regidas pelo tripé[1]: 1) convocações anônimas ou por professores em cargos de administração; 2) caracterizações agressivas de professores que atuam no Sindicato; e, 3) Instruções sobre como cada professor convocado deve votar. Em muitos casos, quando o professor ‘convocado’ informa que não é sindicalizado, há “instruções” para sindicalizar-se e, logo depois da assembleia, solicitar a desfiliação. Sob qualquer justificativa essas atitudes são absolutamente abomináveis, pois tanto aqueles que convocam quanto aqueles que atendem à convocação atuam como coveiros da própria entidade que os representa e que, ao longo de 40 anos, tem sido o principal instrumento de representação, luta e resistência dos professores.
A segunda questão relevante para ser registrada é a total indisposição de muitos dos professores arregimentados para fazer qualquer discussão política. A única disposição manifesta é assegurar o voto previamente definido. Para “cumprir” a missão para o qual foram convocados, alguns professores atuam para impedir a dinâmica histórica e regimental das assembleias sindicais: cerceando a fala de seus opositores; tentando demarcar o conteúdo das intervenções; defendendo a limitação do número de intervenções na abertura das discussões; propondo o impedimento de re-inscrição... Enfim, todas as possibilidades pragmáticas disponíveis para agilizar o processo e cumprir, rapidamente, a missão recebida. Afinal, debater para quê, se o voto já foi definido antes da própria assembleia?
A assembleia geral do dia 16 de Julho/2018 tinha como ponto principal da pauta avaliar os desdobramentos do Recurso ao CONSEPE. De maneira organizada, vários professores - que raramente participam das assembleias ou de qualquer outra atividade promovida pela ADUFMAT - compareceram à Assembleia. Porém, antes de avaliar os desdobramentos do Recurso ao CONSEPE, aprovaram a inclusão de outros quatro pontos de pauta. Os pontos incluídos revelavam o propósito da participação inabitual da maioria desses professores: não somente impedir qualquer ação contra a Reitoria no que concerne ao descumprimento do Regimento do CONSEPE (objeto de Recurso interposto por duas conselheiras e por um conselheiro), senão que retirar a Conselheira do ICHS e Diretora Tesoureira da ADUFMAT, Alair Silveira, do CONSEPE.
Sob a alegação de desrespeito ao Regimento da ADUFMAT (aprovado em dezembro/2017), vários professores ‘comprometidos, atuantes e zelosos’ para com o Sindicato propuseram a anulação da Assembleia Geral (AG) realizada em 12 de abril/2017, que autorizou, excepcionalmente, a continuidade da Conselheira Alair Silveira durante o período de discussão da Resolução 158[2].
Determinados a retirar do CONSEPE uma das conselheiras que tem “incomodado” a Administração Superior, muitos pró-reitores compareceram à Assembleia. Afinal, é preciso manter a “ordem das coisas”, isto é, “mudar para deixar tudo como está". Consequentes com a “missão”, esforçaram-se para demonstrar que todo o movimento empenhado era exclusivamente para fazer cumprir o Regimento da ADUFMAT, e que nada tinha a ver com a atuação da conselheira no CONSEPE; especialmente quanto aos enfrentamentos com a Administração Superior durante a greve estudantil.
Paradoxalmente, esses mesmos professores que ignoraram a AG[3] que autorizou a permanência da Diretora durante o período de discussão da Resolução 158 não tiveram o mesmo zelo pelo Regimento do CONSEPE. Sequer a elaboração de uma Nota de Inconformidade pelo desrespeito ao Regimento do CONSEPE foi aprovada.
Incoerentes com os argumentos utilizados para garantir a saída da Conselheira do ICHS e Diretora da ADUFMAT do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFMT, pró-reitores e professores movidos pelo genuíno “respeito ao Regimento da ADUFMAT” foram, no mínimo, omissos com relação ao artigo 116, Incisos III e IV, da Lei 8.112/1990 (Regime Jurídico Único), e coniventes com o desrespeito ao Regimento do CONSEPE na Reunião do dia 18 de Junho/2018. O Recurso que solicitava a anulação da referida Reunião[4] foi analisado no dia 09/07/2018. E nesta oportunidade, também, apesar dos conselheiros reconhecerem que houve desrespeito/atropelo ao Regimento, a maioria acompanhou o voto da Relatora, que mesmo admitindo muitos dos fatos relatados, manifestou-se pelo “indeferimento do Recurso”.
Em ambas as situações (assembleias da ADUFMAT nos dias 16 e 18 de Julho e reuniões do CONSEPE nos dias 18 de Junho e 09 de Julho/2018) a incoerência tem sido acompanhante contumaz de muitos professores da UFMT. De maneira irrecusável e indefensável, parcela significativa de professores tem se renunciado à coerência e à racionalidade argumentativa lógica. Em acordo com a cultura pós-moderna, tudo é específico e relativo, fragmento e bricolagem, emoção e individualidade. Concomitantemente, é também anti-política, anti-coletiva e anti-sindical. Vê-se, assim, que a única coerência que predomina é aquela que atende ao pragmatismo pós-moderno de inspiração neoliberal.
Como resultado, muitos falam em democracia, mas, não toleram quem os contradiga, recusando-se a frequentar ambientes polêmicos, muitas vezes desqualificando-os direta ou anonimamente. Paradoxalmente, são professores universitários, cujo local de trabalho é, conforme sintetizou Chico de Oliveira, “o lócus do contraditório”. Contraditórios, denunciam o Golpe de 2016, porém, não reconhecem práticas ilegítimas quando elas (lhe) são próximas. Exigem respeito às instâncias superiores, mas não se incomodam quando as regras que as regem são descumpridas.
Nesse processo que não se iniciou nos últimos meses, é possível perceber o aprofundamento de dois movimentos antagônicos: de um lado, os pragmáticos pós-modernos reconhecem o Sindicato como uma força política considerável e democrática. Se assim não fosse, certamente nenhuma Administração Superior empenharia tanta energia em garantir seu “exército” de pró-reitores para participar de duas assembleias na mesma semana. Da mesma forma, não envidaria tantos esforços para assegurar pontos de pauta de seu interesse se não tivesse a convicção de que a ADUFMAT é democrática e, portanto, submete-se às regras que a regem.
A contraposição a esse lado positivo da participação dos pragmáticos pós-modernos nas assembleias sindicais é que pretendem transformar o Sindicato em uma extensão da Administração Superior, atrelando-o aos seus interesses. Não bastasse isso, pretendem fazer valer na ADUFMAT as práticas que são típicas da burocracia pouco afeita aos debates democráticos: cerceamento do conteúdo das intervenções, cerceamento do número de intervenções, utilizando a métrica das reuniões institucionais como referência métrica do tempo sindical.
Nesse particular, registre-se a reiterada indisposição para o debate político, cuja manifestação mais evidente foi a aprovação de Informes e da Análise de Conjuntura como últimos pontos de pauta. Os quais, por consequência, sequer foram discutidos. Alguma preocupação por causa disso por parte dos pragmáticos pós-modernos? Nenhuma. Para eles, o mais importante era lançar dúvidas sobre a transparência da Prestação de Contas da atual Diretoria (coincidentemente a Tesoureira era, também, a Conselheira pelo ICHS no CONSEPE). Nessa empreitada, inclusive uma Auditoria foi cogitada. Demandados a demonstrar o que estavam insinuando (inclusive porque os Relatórios Mensais relativos aos meses de Abril a Dezembro/2017 e de Janeiro a Março/2018 já estão disponíveis no site da ADUFMAT), novamente tentaram imprimir uma interpretação conveniente do Regimento para reclamar o fato de que os meses de Abril a Junho/2018 ainda não estão disponíveis. Desafiados a compor uma Comissão para analisar as contas da ADUFMAT, independente do Conselho Fiscal, recusaram-se a participar, assim como desistiram de propor Auditoria. Cristalino, nesse aspecto, não só a leviandade com que os pragmáticos pós-modernos se portam, mas, também, o fato de que a maioria deles assumiu, publicamente, sequer ter visto os Relatórios de Prestação de Contas.
Coerentes com sua missão naquelas assembleias, também insistiram na aprovação de uma Moção de Apoio a dois professores que, segundo eles, foram “assediados” pelos estudantes em greve. Embora não tenham admitido publicamente, tanta insistência relaciona-se diretamente às deliberações de AG sobre a greve estudantil, assim como com as posições públicas da Diretoria da ADUFMAT. Ironicamente, uma das partes citadas como “vítima” dos estudantes manifestou, via relato de colega presente na AG, que não se sentiu agredida na ocasião e que tampouco apoiava a elaboração de uma Moção. O outro professor também não compareceu à AG para relatar o fato e suas impressões. Na ausência dele, houve esforço para que um vídeo que, segundo os pragmáticos pós-modernos, “viralizou” entre a comunidade acadêmica da UFMT, comprovasse as “agressões” de estudantes grevistas. Felizmente, por apenas um voto de diferença, a criminalização estudantil promovida pela Administração Superior não foi acrescida pela tentativa de criminalização dos estudantes pela ADUFMAT.
Desta maneira, aqueles que defendem a Universidade Pública, Gratuita, de Qualidade, Democrática, Laica e Socialmente Referenciada, assim como um Sindicato Classista, Autônomo, Democrático, Solidário e Combativo precisam dimensionar o que está em jogo e responsabilizar-se por defender a ambos. Os pragmáticos empreendedores pós-modernos já disseram a que vieram.
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[1] Na Assembleia do dia 18 de Julho/2018, um dos professores leu, em público, uma das “convocatórias” feitas para que todos fossem à Assembleia votar contrariamente a qualquer desdobramento do Recurso ao CONSEPE.
[2] Registre-se que essa discussão foi suspensa/congelada desde o retorno da Reitora Myrian Serra da licença para tratamento de saúde, apesar dos inúmeros e reiterados pedidos de conselheiros para que essa discussão fosse imediatamente retomada e concluída.
[3] Tanto o Regimento atual da ADFUMAT quanto o anterior reconhece que a AG é soberana e que os casos omissos são por ela decididos.
[4] Sugere-se a todos assistir a Reunião do CONSEPE do dia 18 de Junho/2018. Ela está disponível no site da UFMT.