Há muito engano nos discursos políticos em torno do preço dos combustíveis atualmente. A elevada carga tributária incidente sobre produtos de consumo no Brasil é certamente um fator de peso na composição dos preços finais, mas a sua discussão nos últimos dias vem ofuscando o entendimento de uma nova correlação de forças na Petrobras. Alterações desde 2016 na sua política de formação de preços determinaram não somente um novo patamar de valores como também um novo perfil de variações, ao transferir o risco financeiro das flutuações cambiais e do preço internacional do petróleo para o consumidor final. Isso em um ambiente de recuo da capacidade nacional de refino, com consequente aumento da importação líquida dos derivados. Tais movimentos ocorreram sob demanda de uma diretoria executiva composta por nomes dedicados a dar um quê liberal aos rumos do setor de óleo e gás no País.
Parece ter se tornado um senso comum - no sentido de verdade auto-evidente - que tais medidas visavam salvar a própria empresa das ingerências e “interferências populistas” dos últimos governos do Partido dos Trabalhadores. Há pouco mais de dois anos o governo Temer vem jogando com esse sentimento aparentemente inquestionável de que tudo vem sendo feito para corrigir os desmandos de uma década de governos mal-intencionados. Não à toa lançou, recentemente, no slogan comemorativo dos 2 anos, a cínica frase “No fundo, você sabe que melhorou”. Recorre-se assim à naturalização da ideia de que suas reformas pró-mercado e austeras são óbvias e inevitáveis, ainda que não precisem ser demonstráveis em resultados benéficos à população. Que parte significativa dos discursos vinculados na mídia e nas redes sociais partam desses pressupostos, apenas demonstra que de certa forma trata-se de uma ideologia bem-sucedida.
Prossigamos com o caso concreto da Petrobras. Hoje está claro que a corrupção que vigorou na empresa não se resume apenas a desvios ocasionais promovidos por agentes corrompidos, e sim reporta a todo um sistema de relações de negócio – ora espúrios, ora legítimos – entre grandes empresas e o Estado, capitaneando interesses mútuos de empresários e políticos. Os partidos que ora ocupam o poder nunca foram coadjuvantes no comando de empresas desse porte, mas aproveitando-se da desconfiança dos contribuintes, apressaram-se em impor uma faceta de gestão “técnica” orientada ao mercado, bem como em promover medidas de privatização, comandados pelo mais novo presidente, Pedro Parente.
Aqui não há como deixar de notar o paralelo com o que se passou na reestruturação do setor elétrico que teve início em meados da década de 1990. O processo de privatização dos ativos seguiu em conjunto com uma série de alterações normativas que buscaram assegurar o preço da eletricidade referenciada não mais aos custos de produção acrescidos à remuneração do capital, mas ao “custo de oportunidade”, simulando a competição entre agentes geradores. A adaptação de modelos “importados” da Inglaterra para a realidade predominantemente hidráulica da nossa matriz elétrica levou à insuficiência de investimentos em expansão e resultou no racionamento de 2001. Não deveríamos nos concentrar na pessoalização das forças políticas em jogo, mas a ironia de a mesma pessoa – Pedro Parente – estar no centro de ambas as crises salta aos olhos. Hoje, pagamos um dos preços mais altos do mundo pela energia elétrica, mesmo com as fontes cujos custos operacionais são os mais baratos.
Agora o que está em disputa na Petrobras tem a ver com esta renda oriunda da diferença entre o preço da commodity no mercado internacional, atualmente na casa dos U$ 80, e o custo de extração do petróleo, que na área do pré-sal, por exemplo, está na ordem de US$ 8 o barril. Os agentes econômicos desse mercado e seus acionistas vêm se beneficiando das direções políticas dos últimos anos, pois a eles é destinada a apropriação privada da mencionada renda e parecem estar bem protegidos pelo governo. No entanto, mais uma vez o remédio liberal demonstrou, como temos acompanhado desde a última semana, provocar graves efeitos colaterais. Vamos aceitar a socialização dos prejuízos? Por incrível que pareça há quem defenda o aumento da dose.
Vinicius Teixeira é Mestre em Energia pela USP
Danilo Souza é Professor na UFMT