Roberto Boaventura da Silva Sá
Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP
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Poucas coisas são tão certas no Brasil como a seguinte afirmação: entra governo, sai governo e a luta popular continua.
O único período que a luta por uma sociedade menos injusta poderia ter sido aliviada foi um desastre. O governo que emergiu das camadas populares foi cruel contra os “pigmeus do boulevard”. Ainda na esteira do universo poético de Chico Buarque, nunca os “barões famintos” encheram tanto a pança. O próprio ex-presidente Lula, sem metáforas, disse isso com todas as letras: nunca a elite econômica lucrou tanto.
Mas a crueldade do governo há pouco apeado do poder não se limitou a empreender projetos que sustentassem o percurso histórico do establishment. A crueldade e/ou o escárnio – disfarçados pelas ilusões das políticas compensatórias, impostas, na verdade, para a perpetuação do PT no poder – atingiram os mais altos e impensáveis voos da corrupção; algo nunca antes visto na história deste país.
Agora, já em pleno gozo de um novo/velho governo, por vários motivos, sem nada a temer, a luta popular precisa ser retomada, e com muito ânimo. Dentre os motivos, na condição de professor, destaco o conteúdo da Medida Provisória (MP) – anunciada há poucos dias pelo ministro José Mendonça Filho – que altera substancialmente a estrutura do falido ensino médio brasileiro.
Exatamente por conta dessa falência, qualquer mudança deveria ser muito bem debatida com os envolvidos diretamente na questão. No entanto, seguindo o mesmo caminho autoritário dos petistas, o país está sujeito a uma MP desse porte.
Mas por que essa MP é mais complexa do que tantas que já surgiram?
Porque vai à alma da estrutura do ensino médio. E vai se escorando num lero-lero pedagógico das conexões de saberes diversos e avulsos e em um pragmatismo do amálgama da sintonia do aluno com o seu tempo, tecnologicamente avançado. Enfim, a capacidade de enganar as pessoas de um país inteiro é tão infinita quanto as estrelas do firmamento.
Com base em enganações, a MP subtrai disciplinas e dilui outras em um caldeirão meio incompreensível. De treze das antigas “matérias”, o ensino médio terá apenas cinco “grandes áreas”. Detalhe: uma delas é descaradamente profissionalizante. Excetuando o ensino de português, de matemática e de inglês, o restante fica como tal: resto.
Mas essa subtração não é tudo. Caberá aos estados definir, conforme suas condições pedagógicas e financeiras, como e quais disciplinas complementares serão ofertadas. Assim, as desigualdades entre escolas de uma mesma rede, que já não são poucas, ganharão novo impulso. A desigualdade entre as escolas privadas e as públicas será acentuada ainda mais na maior parte deste país. Isso não vidência; é evidência.
Pior: o texto da MP ainda prevê a autorização para que professores sejam contratados sem concurso público nas diferentes redes de ensino. Mais: dispensa ainda a formação específica na disciplina, desde que haja a comprovação de “notório saber”.
Isso seria de rir, caso não fosse tão trágico. Na questão do “notório saber”, algumas dificuldades se apresentam: de saída, a falta de tais tipos humanos. Cá entre nós, em tempos tão vazios, encontrar alguém que possa ser considerado “notório saber” é mais difícil do que achar agulha palheiro. Seja como for, esse é um dos caminhos das Parcerias Público Privadas.
Tudo muito assustador. Tudo muito desastroso para o futuro deste país. Diante desse quadro sombrio, a resistência é o que nos resta.