Dirceu Grasel
Faculdade de Economia / UFMT
Diante da nova configuração política, com um governo de coalizão, um presidente com seus direitos políticos cassados, sem pretensões para novos mandatos e sem compromisso com popularidade, existe uma grande possibilidade de que as reformas voltem à pauta e sejam aprovadas a toque de caixa.
Dentre as reformas necessárias ou que sempre são lembradas temos a reforma da previdência que afeta diretamente os interesses dos trabalhadores, principalmente dos funcionários públicos. Portanto, algumas questões precisam ser aprofundadas: 1) a reforma é necessária? 2) realmente existe um déficit na previdência? Este artigo pretende trazer e interpretar alguns resultados de um estudo realizado em janeiro de 2016, referente ao período de 1999 a 2015, pelo professor de Economia da FGV, Nelson Marconi e publicado na revista Conjuntura Econômica de abril de 2016.
Neste artigo não discuto a necessidade ou não do ajuste fiscal, que pode ser objeto de outro artigo, pois entendo que o caos nas finanças públicas, o crescimento do endividamento público federal e sua tendência tornam esta discussão desnecessária, levando naturalmente o foco para como fazê-lo e como o ônus deveria ser distribuído entre todos os brasileiros e não parte deles e, além disso, com a esperança de que o quadro atual que é herança do governo impedido não comprometa reposições salariais aos funcionários públicos e os avanços nas políticas sociais, mesmo sendo pouco provável.
I - A PREVIDÊNCIA DOS TRABALHADORES DA INICIATIVA PRIVADA (INSS):
O estudo mostra um déficit crescente no resultado da previdência dos trabalhadores de iniciativa privada (INSS), que chegou a R$ 90,3 bilhões no ano de 2015. Este déficit resulta basicamente do déficit de previdência rural, que foi de R$ 95,8 bilhões, pois a previdência urbana, apesar do impacto negativo da redução do emprego formal, ainda apresentou um superávit de R$ 5,5 bilhões.
Portanto, o déficit na previdência dos trabalhadores de iniciativa privada (INSS) ocorre basicamente em função do déficit da previdência rural, que resulta de confusão entre os conceitos de previdência (contribuir para depois se aposentar) e assistência (aposentar quem nunca ou pouco contribuiu). Não se trata de ser contra esta forma de inclusão social do homem do campo, apenas destacar esta confusão de conceito e suas implicações.
A ideia de aposentadoria está relacionada a uma contribuição durante a vida ativa e a garantia de uma segurança financeira quando as condições físicas já não permitem o mesmo desempenho na garantia do seu sustento e manutenção do seu padrão de vida. Sendo assim, para afirmar que existe déficit na previdência dos trabalhadores de iniciativa privada (INSS), seria necessário fazer um estudo atualizado que mostrasse os gastos na previdência rural com aposentadorias e assistência, dados que não tive acesso. No entanto, é possível afirmar que o déficit apresentado é maquiado e se existir é bem menor do que os números oficiais mostram.
O fato é que a sociedade, através dos seus lideres e governantes, ampliou a assistência ao homem do campo, o que é louvável, mais tem implicações sobre a previdência como um todo e não me surpreenderia que esta confusão de conceito se trate de uma estratégia para construir argumentos para fazer uma nova reforma e jogar todo ônus ao trabalhador, especialmente ao aposentado.
O ponto central neste aspecto é que é injusto que os aposentados paguem uma conta que deveria ser paga por toda sociedade, ou seja, pelos trabalhadores da ativa, aposentados, pelos empresários e rentista.
II - A PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS:
Da mesma forma como a previdência dos trabalhadores de iniciativa privada (INSS), o déficit da previdência dos servidores públicos federais vinha crescendo no período de 1999 a 2015, mas mostra sinais de estabilização a partir de 2015, resultado da reforma que mudou os critérios para os novos servidores que ingressam na carreira. Mesmo assim, em 2015 o déficit é de R$ 92,8 bilhões, portanto, superior ao da previdência dos trabalhadores de iniciativa privada (INSS), que foi R$ 90,3 bilhões, com o agravante de que no setor público são 980 mil beneficiados e no INSS 32,7 milhões.
Neste caso não se trata de maquiagem dos dados, o déficit realmente existe, mesmo com uma contrapartida dobrada do governo federal, isto é, a cada 1 real que o funcionário público federal contribui (11% do salário), o governo federal contribui com 2 reais (22% do salário).
Apesar dos sinais de estabilização do déficit e de um possível recuo com a diminuição gradual dos aposentados no sistema paritário e integral, é muito provável que novas propostas de reforma surjam, com foco na ampliação nos anos trabalhados, estratégia que o governo Dilma já tentou implementar e/ou aumento do percentual de contribuição dos ativos e aposentados deste sistema.
Outro aspecto que merece ser mencionado, é que quando se trata da aposentadoria dos funcionários públicos federais sempre surge à discussão de que este sistema oferece privilégios, pois permite: 1) a aposentadoria integral (aposenta com o último salário, exceto alguns benefícios) e 2) paritária (direito a reajustes automáticos de acordo com reposições ou aumentos do salário dos servidores da ativa), o que não acorre com os trabalhadores da iniciativa privada, que tem um teto para aposentadoria e perda considerável do poder de compra ao longo do tempo.
A ideia de privilégio se difunde com facilidade porque existem regras diferenciadas entre servidores e trabalhadores da iniciativa privada e se sustenta pelo fato de que nem todas as informações são apresentadas. Por exemplo, não se mostra os motivos que levaram a implementação do regime jurídico único. O setor público diante de uma crescente dificuldade para pagar o FGTS negociou com os servidores um regime diferenciado, com o fim do FGTS, concedendo em troca estabilidade no emprego e aposentadoria integral e paritária.
É natural que esta discussão apareça, quando se tem regras diferentes de um sistema para outro. Contudo, isto não quer dizer que realmente existem privilégios, por dois motivos: 1) os servidores contribuem sobre seu salário integral e os trabalhadores da iniciativa privada sobre o salário registrado, até o limite do valor máximo de aposentadoria, 2) Os trabalhadores da iniciativa privada recebem o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e os servidores não.
Além disso, qualquer servidor hoje trocaria seus “alardeados privilégios” por um montante significativo de saldo do FGTS, que seguramente poderia ser visto como uma aposentadoria mais segura, tendo em vista que se receberia este recurso na hora da sua aposentadoria e o próprio beneficiário poderia administrá-lo como quisesse, eliminando riscos elevados ao deixar estes recursos nas mãos de terceiros que são remunerados por comissões e expõem estes fundos a elevados riscos. Veja o caso dos fundos de pensões nos EUA na crise de 2008 e os desfalques nos fundos de pensões no Brasil, que ainda estão sendo apurados.
O seguinte fato também merece ser destacado. Como os servidores que ingressam no serviço público após a implementação das novas regras perderam a paridade e integralidade, pois ingressam em condições semelhantes dos trabalhadores da iniciativa privada, seria justo que também recebessem o FGTS. Na verdade o recomendável seria que existisse uma única regra para todos os trabalhadores, para evitar ideias errôneas de privilégio, onde não existe.
Em síntese: diante deste quadro, é muito provável que o governo que está sendo implementado a partir de do dia 12 de maio faça uma reforma na previdência dos servidores públicos federais que pode resultar nos seguintes ônus: 1) ampliação do tempo de serviço mínimo para ter direito a aposentadoria e, 2) aumento da contribuição mensal dos servidores.
Referências:
MARCONI, Nelson. Porque a reforma da Previdência é urgente? In: Revista Conjuntura Econômica, vol. 70. nº. 04, Abril 2016.