Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
Quem acompanha minhas reflexões semanais já percebeu a dificuldade que venho tendo para aceitar a ideia de golpe contra o governo Dilma, ainda que tão cantado em prosa e verso, principalmente por líderes governistas e seguidores. Sempre que posso, tenho dito que “golpe”, no sentido clássico do termo, beira enxergar fantasmas.
Em sentido amplo, sim: golpes diários nos acompanham desde sempre. Mentir descaradamente, p. ex., em campanha eleitoral é um tipo de golpe, e dos mais rasteiros. E desse pormenor, quase nenhum político brasileiro se isenta. A Sra. Rousseff talvez tenha sido a que melhor exerceu essa “arte” nas últimas eleições. Claro que sua arte parece ter sido bem regada com recursos/doações que precisam ser investigados.
Por tudo isso, ao invés de golpe, tenho falado em “jogatinas”, tanto de um lado quanto de outro, ainda que essa divisão, na essência, seja um dos maiores engodos desta tensa conjuntura. Só os tolos poderiam ver alguma oposição verdadeira ao atual governo.
“Seis e meia-dúzia” ou – bem no popular – “farinha do mesmo saco” são expressões perfeitas que desnudam governistas e “oposicionistas” nessa Babel brasileira. Tanto para uns (eles ou nós) como para outros (nós ou eles), o deus Mercado deve continuar intocável em seu trono e o sistema “imexível”. Nesse sentido, ambos os grupos entendem bem que tudo deve mesmo “permanecer como dantes no quartel de Abrantes”.
Portanto, no limite, o que há de concreto são interesses de diferentes grupos políticos falando muito alto. Só isso. Mas isso, verdade seja dita, já não é mais pouca coisa num momento de tanta efervescência. E por não ser pouca coisa, a calmaria reinante no referido quartel pode, sim, passo a admitir, ser alterada quando menos esperarmos.
E por que só agora admito isso?
Porque, enfim, o vice-presidente, Michel Temer, de quem sempre devemos temer, saiu do campo de suas constantes e rasteiras jogatinas para entrar no espaço da explícita conspiração política. De fato, uma desfaçatez sem precedentes.
O sanguessuga peemedebista, antes e há pouco colado em Rousseff, deu um salto grande demais noscript que está sendo escrito no complexo cotidiano do país; e o fez da maneira mais abjeta possível: conforme desculpas suas, por “gafe”, clicou para “grupo errado do WhatsApp”, disparando um esboço (em áudio) do que falaria à nação assim que Dilma fosse impedida de continuar em seu trono. Fiquei perplexo.
Minha perplexidade jogou-me naquele dito popular: “se ficar, o bicho come; se correr, o bicho pega”. Assim, se particularmente ainda vejo que o impeachment poderia se sustentar por conta de crime de responsabilidade, ele não será mais algo razoável nem honesto neste cenário. Só de pensar num conspirador desse tipo como presidente é desesperador. Antes ficar, pelo menos por mais um tempo, com um governoexpert em corrupção. A que ponto chegamos!
A conspiração de Temer, aliada com ditos oposicionistas, foi muito descarada. Conspiração para tentar fugir, ele próprio, de um impeachment; afinal, sua ficha política, de limpa, não tem nada.
Diante desse quadro, encerro lembrando aquela partida de futebol entre Alemanha (7) e Brasil (1). Naquele momento, nem com Pelé em plena forma física algo seria revertido. O jogo já estava perdido.
Hoje, nosso jogo político também está perdido. Para onde corrermos, há um enorme buraco no meio do caminho. O país está em xeque-mate. Só não é possível precisar por quanto tempo viveremos esse estágio de derrotados.
Triste Brasil! Nada a comemorar. Tudo a temer.