Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
Hoje, tratarei da capa da Revista Veja (RV) que circulou na semana do carnaval (10/02/16). Mas preciso lembrar que pouco antes, Chico Buarque – ícone da MBP – viu-se envolvido num “barraco” daqueles. Motivo: Chico defende publicamente o PT.
O episódio se deu no Rio. O artista foi hostilizado por um grupo de rapazes, cujas biografias carecem de louros. Mas não quero entrar nesses meandros. A mim não importa quem xingou primeiro alguém de “merda”, se Chico – como afirma o jornalista Reinaldo Azevedo, em seu Blog de 24/12/15 – ou se um dos rapazes, filho de um empresário que pouco deveria à honestidade.
Daquele bate-boca, por conta do “troco” que certamente viria, o que me interessa foi uma fala de Chico aos sujeitos que lhe abordaram: “Com base na revista Veja, não dá pra se informar”.
Pode até ser. E já foi pior se informar por Veja, cuja centralidade é defender o sistema. Política e economicamente falando, a RV é um veículo neoliberal por excelência. Logo, deveria ser o veículo predileto de petistas, afinal, o PT – contrariando suas origens – tem prestado relevantes serviços aos neoliberais. Em sentido oposto, Veja também deveria ver em petistas bons aliados.
Paradoxalmente isso não ocorre. Num processo de reciprocidade, Veja parece não suportar petista. Motivos: além da corrupção que tomou conta dos governos petistas, estes governos – e apenas pelo motivo acima exposto – não conseguiram fazer todas as lições que os neoliberais desejavam. “Falha” imperdoável.
Como parece ter sido imperdoável a “ofensa” que Chico cometeu contra a RV. Durante o barraco mencionado, para se defender, tentando desqualificar seus opositores políticos, o artista ridiculariza os leitores de Veja, que seriam limitados no que tange à qualidade da informação.
Mas aquele enunciado custou caro ao petista famoso. O troco veio por meio de uma capa; e veio no meio do carnaval; e veio brincando com referências musicais. Com isso, a RV, de fora do barraco, mas nele envolvido por tabela, usa luvas de pelica e esbofeteia um grande artista.
Explico: a capa de Veja, no plano icônico (tudo em caricatura), sob a escolta do “Japonês da PF”, apresenta um bloco carnavalesco com Lula e supostos amigos seus, todos presos ou investigados. No plano verbal, o título é “Vai passar...”. O subtítulo, que tem extensão de lead, é: “O sonho de rei, de pirata e de impunidade durou até demais, mas a justiça brasileira, ao contrário do carnaval, não acaba na quarta-feira”.
E o que o título e o subtítulo têm a ver com Chico?
Tudo.
“Vai Passar” é também título de uma de suas músicas (um samba-enredo) mais famosas contra a ditadura militar. Naquele samba (1984), previa-se que os sombrios tempos dos ditadores passariam, e tudo seria uma festa. A analogia que Veja estabelece com tempos deploráveis dos governos petistas é irrefutável.
Já o subtítulo começa dialogando com “Sonho de um carnaval”, outra música de Chico, em que é dito: “...E brinquei e gritei e fui vestido de rei//Quarta-feira sempre desce o pano”. O diálogo continua em “Ela desatinou, viu chegar quarta-feira// Acabar brincadeira, bandeiras se desmanchando...”.
Não contende, Veja ainda foi buscar em “A felicidade”, de Vinícius e Tom, parceiros musicais de Chico, outros interdiscursos para carimbar seu troco: “...A gente trabalha o ano inteiro// Por um momento de sonho// Pra fazer a fantasia// De rei ou de pirata ou jardineira// Pra tudo se acabar na quarta-feira”.
Ainda que todos tenham direito, defender publicamente o indefensável tem preço; e é caro.