Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
Na novela nacional de maior audiência dos últimos tempos, a “Corrupção Brasileira”, que parece não ter fim, “o ex-chefe da OAS (Leo Pinheiro) citou quinze investigados na Operação Lava Jato”, conforme noticiou a Folha de São Paulo (FSP), em 22/01/16.
O destaque da matéria expõe fragmentos de diálogos mantidos por Leo com quatro das quinze personagens da tragédia: Eduardo Cunha (presidente da Câmara Federal); Edinho Silva (ministro da Secretaria de Comunicação); Lindbergh Farias (Senador/PT) e Ciro Nogueira (Senador/PP).
Tais diálogos, expostos na modalidade de mensagens de texto, também conforme a FSP, giraram em torno de negociação para encontros, lobby sobre temas do Congresso e pedidos de doação para campanhas.
Dos quatro diálogos destacados na matéria jornalística, o último deles – não pela essência, mas pela referência utilizada – me inquietou mais do que os outros. A conversa ocorre entre Leo e Ciro Nogueira:
“1) Leo: quarta vc vai estar em Brasília? Se estiver que horas podemos falar?
2) Nogueira: Estarei sim, vamos tomar café na minha casa?
3) Leo: Vamos. 8h ou 8h30?
4) Nogueira: O que for melhor para vc, pôs (sic.) sou do sertão e acordo cedo kkk
5) Leo: Como somos sertanejos as 8hs. Abs.”
Sertanejos? Como assim?
Até essa conversa – que de fiada pode não ter nada – entre os ilustres “sertanejos”, que serviu para esquentar ainda mais a trama de nossa novela, a minha visão do sertanejo não se diferenciava muito da que é posta em “Lamento Sertanejo”, uma delicada composição de Gilberto Gil e Dominguinhos.
Naquela cantiga, o sertanejo, muito mais próximo dos poetas árcades do século XVIII, se auto apresenta, dizendo:
“Por ser de lá/ Do sertão, lá do cerrado/ Lá do interior do mato/ Da caatinga do roçado/ Eu quase não saio/ Eu quase não tenho amigos/ Eu quase que não consigo/ Ficar na cidade sem viver contrariado”.
Na segunda parte da canção, o mesmo sertanejo diz ainda:
“Por ser de lá/ Na certa por isso mesmo/ Não gosto de cama mole/ Não sei comer sem torresmo/ Eu quase não falo/ Eu quase não sei de nada/ Sou como rês desgarrada/ Nessa multidão, boiada caminhando a esmo”.
Definitivamente, o sertanejo da canção não se parece com os dois “sertanejos” que trocaram mensagens de texto de celular. Aquele “kkk” retira a inocência, tão típica da maioria dos reais sertanejos.
Na verdade, os dois “sertanejos” do diálogo exposto estão mais próximos de outros “sertanejos” do cenário político brasileiro, muitos deles já estrelando capítulos importantíssimos de nossa novela sem-fim.
Mas, afinal, com quem os “sertanejos” tão desenvoltos nas mensagens de computadores se parecem?
Com os elencados por Ruy Castro em “Gente Fina” (FSP; 22/01/16): o ex-presidente da República, sua esposa e Delcídio do Amaral, ex-líder do governo Rousseff no Senado, erigido das brenhas do pantanal mato-grossense.
Esses “sertanejos”, cada qual a seu jeito transformado em “gente fina”, deixaram de gostar de cama dura, de comer torresmo... Venceram a timidez e a mudez. Venceram a solidão das longínquas veredas. Ganharam o mundo.
Aliás, um deles fala tanto, que já chegou a ser um dos mais bem pagos palestrantes do mundo capitalismo. E se o sertanejo – como aqueles de “Grande Sertão: veredas”, de Guimarães Rosa – bebia água dos riachos na palma das mãos, calejadas de tanto trabalhar honestamente com a enxada, os “sertanejos” transformados em finíssimas gentes gostam muito de holofotes e de coisas como um Romanée-Conti, o tinto francês de que só se produzem 6.000 garrafas por ano, consoante Ruy Castro.