É pauta obrigatória para os veículos de comunicação de massa uma ampla cobertura sobre o aniversário de Cuiabá, que completou no dia 8 de abril duzentos e noventa e seis anos.
As indagações são as mais oportunas e interessantes. De um modo geral, todos os jornalistas procuram os mais idosos para saber suas opiniões sobre o progresso da aniversariante.
Temos de ter cuidado com as respostas para não cairmos no pessimismo patológico nem na euforia inconsequente.
Considerando a população do ano que nasci, há oitenta anos, a população da cidade pelo senso do IBGE de 2013 aumentou, aproximadamente, trinta vezes.
Surgiram os arranha céus, avenidas duplas com canteiros centrais, trincheiras, viadutos, pontes sobre o Rio Cuiabá e até uma Arena que sediou jogos da Copa dos 7X1.
O número de veículos e motos aumentou assustadoramente, inviabilizando o trânsito em muitos setores da cidade.
O ensino superior é uma realidade. Hospedamos duas universidades, uma federal e outra particular, além de inúmeros cursos superiores em centros universitários e escolas isoladas.
É evidente que Cuiabá não é mais aquela de conversas pelas calçadas, encontros sociais nas praças e jardins, nascimentos, casamentos, morte e velório em casa.
Tenho saudades daquela pequena aldeia em que despreocupadamente vivíamos.
Cuiabá absorveu tudo de ruim que uma cidade grande tem, sendo que o pior foi o aumento da violência.
A expectativa de vida aumentou entre seus habitantes, mas perderam em qualidade.
A cumplicidade entre seus habitantes e a solidariedade são peças raras hoje em dia.
O medo tomou conta dos moradores e até carros blindados temos - exatamente como em outros grandes centros.
A segurança pessoal foi incorporada aos mais visados na escala social.
A corrupção acampou por aqui com a sua inseparável impunidade produzindo verdadeiras devastações nos nossos sonhos de cidade com oportunidade para todos.
Novos ricos assumiram o poder e os valores adquiridos pela educação caseira antiga estão sendo exterminados.
É o preço alto que pagamos pelo progresso não planejado.
Esperamos que Cuiabá procure a estrada do desenvolvimento social e volte a ser uma cidade mais justa e humana.
Gabriel Novis Neves
Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
Há algumas semanas, na mesma linha do artigo “Lixo acadêmico, causas e prevenções”, publicado pelo professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite, no dia 06/03/15, na Folha de São Paulo, escrevi um artigo intitulado “Porcarias das Universidades”. Nele, tratei do ambiente corrupto patrocinado pela maioria dos colegas que atuam nas pós-graduações brasileiras.
Hoje, enveredo por trilhas opostas dessas porcarias que abundam no meio acadêmico como as pragas do Egito. Assim, mesmo tendo uma pauta política forte e tensa, como, p. ex., o necessário debate e a luta contra a aprovação do PL 4330, que surge para “regulamentar” as terceirizações no país, bem como o momento de plena consciência de que o Brasil foi mesmo vítima de um estelionato eleitoral, falarei um pouco da importância da arte que é feita nas universidades.
Antes de tudo, registro que, para mim, a arte, mesmo aquelas aparentemente mais fugidias do real concreto, serve como tonificante necessário para o enfrentamento dos problemas sociais, que não são poucos e tampouco suaves. Na verdade, muito do universo artístico é verdadeira arma para tantos enfrentamentos diários.
Mas por que estou fazendo esse recorte hoje?
Porque no final da semana que se foi, tive a oportunidade de apreciar na UFMT a apresentação de nossa Orquestra Sinfônica. Com o Teatro Universitário lotado por pessoas de diferentes idades, acompanhando-a esteve o músico Flávio Venturini, um dos mais fecundos participantes do movimento Clube da Esquina de Minas Gerais.
Da bela apresentação, destaco três momentos marcantes. O primeiro foi a execução da música “Fantasia barroca”. Apenas instrumentalizada, a peça nos possibilitou regressar a tantos acontecimentos do período colonial, ou seja, um tempo em que profundas tensões sociais se faziam presentes no cotidiano de nossas ancestrais, destacadamente os vivenciados no século 17.
O outro momento marcante ficou por conta do coro que se formou junto com os artistas quando foi cantada a música “Linda juventude”: “Zabelê, zumbi, besouro, vespa fabricando mel// Guardo teu tesouro, joia marrom, raça como nossa cor// Nossa linda juventude, página de um livro bom// Canta que te quero cais e calor,// Claro como o sol raiou...”
Essa saudação a nossa juventude se faz cada vez mais necessária, pois temos um futuro difícil pela frente. E só mesmo uma juventude, de muita raça, superando “fados e sinas”, poderá fazer valer esse porvir; poderá escrever as páginas de um livro bom, insistentemente rasgadas por agentes políticos despreocupados com a vigência da ética e do próprio futuro de nosso país.
O terceiro momento impactante da apresentação foi ouvir “Caçador de mim”, canção imortalizada por Milton Nascimento. Solenemente posto como um tenor à frente da Orquestra, Venturini emocionou a plateia já nos primeiros versos do texto: “Por tanta emoção// A vida me fez assim// Doce ou atroz// Manso ou feroz// Eu, caçador de mim”.
Dessa música, absolutamente forte no processo de descoberto do próprio “eu” de cada um de nós, surge uma lição, quiçá uma das mais significativas: “Nada a temer senão o correr da luta// Nada a fazer senão esquecer o medo// Abrir o peito a força, numa procura// Fugir às armadilhas da mata escura”.
E assim, um pouco da arte musical, sustentada por canções que são verdadeiros poemas que nos chamam à atuação constante na vida, nos reanima nessa “caminhadura”, nessa verdadeira “cama de tatame”, isso para lembrar agora o poema “Drão” de Gilberto Gil.
JUACY DA SILVA*
A cada ano morrem mais de dois milhões de pessoas, principalmente crianças e idosas, em decorrência de doenças relacionadas com o consumo de alimentos contaminados por agrotóxicos, herbicidas, fungicidas, antibióticos ou em estado de conservação impróprios ao consumo humano por conterem bactérias, vírus, parasitas ou outros vetores patogênicos.
Em sua edição de março último a Revista National Geographic, destacou em uma matéria que mais de dois milhões de pessoas nos EUA ficam doentes a cada ano por consumirem alimentos de origem animal (principalmente bovinos, suínos e aves) impróprios, os quais contém altas doses de antibióticos, tornando as bactérias altamente resistentes. Em 2014 ocorreram 23 mil mortes devido a doenças vinculadas ao consumo de alimentos que não estavam de acordo com os padrões e normas, internacionais e dos EUA. O custo dessas doenças para o Sistema de saúde nos EUA foi entre 21 e 34 bilhões de dólares. Informa também a reportagem que 80% de todos os antibióticos consumidos/comercializados no país são utilizados na criação de animais voltados à produção alimentar.
Em 1948, na primeira Assembleia da OMS (Organização Mundial de Saúde), organismo especializado da ONU para esta área, foi aprovada uma Resolução instituindo o DIA MUNDIAL DA SAÚDE, a ser “comemorado” em 07 de Abril de cada ano. O primeiro DIA MUNDIAL DA SAÚDE foi em 1950 e desde então, nesses 65 anos, a OMS tem estimulado a reflexão, análise e debates sobre temas fundamentais para a saúde.
O tema do DIA MUNDIAL DA SAÚDE em 2015 é “Segurança dos alimentos”, e envolve a discussão desde a produção, `a industrialização, o armazenamento, o transporte, a distribuição ou comercialização e o consumo. Mais de 200 tipos de doenças são causadas por alimentos que são produzidos ou comercializados e consumidos fora dos padrões estabelecidos pela “Codex Alimentarius” uma instância da OMS em parceria com a FAO e participação da União Europeia, mais 49 organizações intergovernamentais, 16 organismos especializados da ONU, 150 ONGs de vários países. Em 2015 nada menos que 186 países haviam aderido a CODEX ALIMENTARIUS e a mesma desde 2012 tem o reconhecimento da Organização Mundial do Comércio com instância para dirimir conflitos entre países em relação as questões de alimentos e também o poder de estabelecer normas e padrões internacionais que todos os países devem seguir para resguardar a saúde dos consumidores.
No momento em que o Brasil experimenta uma verdadeira explosão na produção de “commodities”, sem que, todavia, muitas dessas normas sejam respeitadas, principalmente quanto ao uso de agrotóxicos, herbicidas, fungicidas, antibióticos e outros produtos nocivos à saúde humana, é mais do que oportuno que possamos discutir este tema.
Outro aspecto também importante nesta discussão é o papel da agricultura orgânica ou agricultura sustentável ou agroecologia, incluindo também pecuária e os hortifruti, como alternativa ao Sistema mercantilista de produção.
Este é um grande desafio que todos os governos e também entidades não governamentais, incluindo as que representam a agricultura familiar, a economia solidária e também dos consumidores devem enfrentar. Os custos para os sistemas de saúde e também para a qualidade de vida da população estão diretamente relacionados com a qualidade e segurança dos alimentos, cabendo aos organismos públicos, nas três esferas de governo, fiscalizarem para que os alimentos consumidos pela população atendam a essas normas estabelecidas pela OMS e objeto deste DIA MUNDIAL DA SAÚDE.
*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, E-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blog www.professorjuacy.blogspot.com Twitter@profjuacy
Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
Engana-se quem pensa que há paixão sem preço. A cada paixão, um custo, seja ele objetivo ou subjetivo. Logo, quanto mais paixão, mais gastos. E o preço de uma paixão pode atingir cifras inimagináveis.
Agora, sem mais delongas, vamos ao ponto central deste artigo, que sai publicado um dia antes da Paixão de Cristo, relembrada a cada sexta-feira santa, conforme os preceitos do catolicismo.
Dias atrás, li que o governo de MT – assim como governos de outros estados da Federação e o do Distrito Federal – não realizará o Auto da Paixão de Cristo este ano.
Em matéria jornalística, expedida pela assessoria de comunicação da Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social (Setas), é dito que “a decisão fundamenta-se na necessidade de contenção de gastos com vistas ao saneamento das finanças públicas, priorizando os setores essenciais”.
Antes de falar dos detalhes mais importantes daquele texto, uma dúvida: por que a captação de recursos para a encenação da Paixão de Cristo, em MT, tem sido feita pela secretaria acima mencionada (Trabalho e Assistência Social), e não pelas de Cultura/Turismo, como poderia parecer mais óbvio?
Claro que minha pergunta não pressupõe que eu esteja defendendo a realização desse evento; ao contrário.
Agora, volto ao corpo da matéria jornalística. Ali, a assessoria da Setas teve a responsabilidade social de mostrar os gastos com esse evento nos últimos quatro anos. De 2011 a 2014 saíram dos cofres públicos R$ 11.249.391,51 para a Paixão.
Sim, caro leitor. Estamos falando de “milhões”. É grana com força!
Em 2011, conforme levantamento feito no setor de aquisições, a Paixão de Cristo – personagem bíblica que optou pelos pobres – custou aos cofres públicos a fortuna de R$ 3.224.733,00. Em 2012, mais R$ 2.355.532,00. Em 2013, outros R$ 2.024.275,00. Por fim, em 2014, arrebentaram a boca do balão: R$ 3.644.851,51.
Que paixão dolorida!
Diante desses números, várias dúvidas. Sintetizo-as em duas perguntas: 1ª) por que em 2014 foram gastos 1.620,546,51 a mais em relação ao ano anterior?; 2ª) só a inflação do período explicaria isso?
A essa altura do artigo, já deve ter leitor bem irado comigo, prejulgando-me, obviamente. Os mais enfurecidos, quiçá, desejando-me o fogo do inferno.
Calma! Como diz uma amiga minha, “sem ódio no coração”.
Pense comigo: Cristo nasceu numa manjedoura e morreu numa cruz. Logo, poderia ficar escandalizado e com olhos ofuscados com tantos telões de led e atores globais por perto; não acha isso tudo bem desnecessário, leitor? Ou por trás dessa Paixão há outras paixões mundanas em jogo?
Outra pergunta: cristãmente falando, não é mais importante que o Estado invista, de fato, recursos na “expansão do Sine no interior, na promoção da inclusão produtiva por meio da qualificação profissional e ampliação de vagas aos trabalhadores em condição de vulnerabilidade (pessoas com deficiência, egressos do trabalho escravo e mulheres) e também na assistência ao jovem no processo de transição escola-trabalho?”
Ademais, não seria mais pertinente e respeitoso que a Paixão de Cristo fosse celebrada apenas dentro dos templos afins? Por que o Estado, que somos todos nós, inclusive os ateus, tem de pagar por eventos assim?
Logo, meus cumprimentos aos agentes do Estado responsáveis por esse corte, ou por essa chicotada no lombo de alguns vendilhões dos templos contemporâneos. Só lamento que tais agentes não tenham dito a coragem devida de dizer mais uma verdade: que o Estado é laico, e que, por isso, não deve pagar por esse tipo de conta.