Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
Na condição de professor de literatura, tento mostrar a meus estudantes, a partir dos textos literários, a importância das leituras honestas que devemos fazer da própria vida. Por isso, antes das incursões no texto literário, é sempre importante investigar – e compreender – as condições de produção desse material artístico.
Dentre as condições de produção de uma obra, inteirar-se dos principais elementos contextuais do momento de sua concepção é indispensável. Fora disso, só resta a divagação mental pela divagação mental; e ademais, saber da força contextual presente em um texto literário só contribui para sua fruição.
Ex.: ter ciência do significado das explosões das bombas atômicas lançadas pelos EUA sobre duas cidades japonesas durante a II Guerra Mundial só aumenta a capacidade de enxergarmos a beleza poética de “A rosa de Hiroshima”, poema de Vinícius de Moraes sobre a tragédia mencionada. Descontextualizado, esse poema pode levar leitores distraídos a interpretações bizarras.
Nesse sentido, até o momento, em apenas uma ocasião de minha carreira deparei-me com uma bizarrice de leitura exposta por um de meus acadêmicos: em um determinado poema, alguém viu em um vestido insinuante de uma mulher provocante uma batina sacerdotal.
Pronto. Cheguei onde queria: falar da bizarrice da leitura que um colega do meu local de trabalho (o Instituto de Linguagens/UFMT) fez publicar na Folha do Estado (de MT) no dia 14/05/2015, pretendendo ali tratar de “entulhos da ditadura”. Há muito eu não via uma distorção tão grosseira de leitura do real.
Contextualizando: o referido instituto realizou há algumas semanas uma consulta eleitoral com os três segmentos (professores, estudantes e técnicos) para a escolha de sua nova direção.
Assim como nos anteriores processos, democraticamente, a consulta em pauta respeitou o voto paritário entre os segmentos. Após concluído o processo de consulta (inscrições, campanha/debates, eleição e apuração dos votos), a Congregação do Instituto, para se adequar à lei 9.192/95, reuniu-se e compôs a lista tríplice e a enviou à reitoria. Na cabeça da lista, é óbvio, referendou-se o nome da candidata vencedora.
De sua parte, a colega derrotada resolveu virar a mesa e impugnar a escolha, refutando a paridade e apelando à proporcionalidade dos votos, o que poderia inverter o resultado.
Detalhe: essa colega e quaisquer outros poderiam ter questionado tudo durante as discussões e deliberações sobre o formato do processo de consulta. Ninguém o fez.
Mas pior do que as trapaças dos oportunistas nas universidades está o desconhecimento de seus seguidores.
Ao afirmar isso, volto ao artigo acima referido. Nele, o colega diz o contrário do que registra a história do país, afirmando que “...o processo de (nossa) consulta é podre, à revelia da lei e baseado em métodos golpistas. Remonta aos tempos da ditadura...”
Na verdade, é a lei 9.192/95 que é o resquício dos tempos ditatoriais, e não o processo de consulta, que mais de trinta federais, seguindo o modelo da UFMT, já realizam. Por isso, num primeiro momento, democraticamente, buscamos a legitimidade de nossas escolhas, inclusive dos nossos reitores, depois nos adequamos à legalidade.
Por que fazemos assim?
Porque nenhum governo civil foi capaz de se desfazer das abomináveis listas tríplices: essas, sim, resquícios de tempos ferozes.
Conclusão: um professor quando distorce a realidade faz um desserviço social; dificulta o crescimento humano de seus estudantes.
Isso, sim, é um tipo de golpe.