Sexta, 21 Outubro 2022 10:52

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.

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JUACY DA SILVA*
 

Todos os países, ao longo da história, principalmente quando se tornam independentes de outros que os colonizaram, espoliaram, escravizaram ou mudam de regime politico ou forma de governo costumam criar, mudar ou recriar suas bandeiras e outros símbolos nacionais, como hinos, brasões e coisas do gênero.

Desde cedo, as crianças são ensinadas a cultuarem e respeitarem os símbolos nacionais e em alguns países, principalmente em regime totalitários isto está ligado diretamente aos organismos de repressão, `as forças policiais e as forças armadas, desfiles patrióticos, ganham uma dimensão quase semelhante a idolatria nos cultos religiosos.

Ai daqueles que discordarem dessas práticas, podem em alguns casos,  pagarem com a perda da Liberdade/prisão ou mesmo chegando `a pena de morte.

Existem grupos sociais, organizações, governantes ,partidos políticos e pessoas que se julgam mais patriotas do que os demais cidadãos e, na verdade, sequestram os símbolos nacionais, criam slogan e estandartes que fazem parte desses símbolos, como no atual governo federal do Brasil que sequestrou parte do hino nacional como seu slogan de governo, refiro-me ao pedacinho “Pátria amada, Brasil”.

Tanto o governo atual quanto seus seguidores, muitos que já se tornaram tão fanáticos quanto pessoas recém convertidos a credos religiosos, com certo fanatismo, que precisam aparentar um fervor acima dos comuns mortais, enrolam-se na bandeira nacional, querendo com isso demonstrar que são mais patriotas do que quem não seja adepto do atual presidente e de suas ideias, por mais estapafúrdias que sejam.

Ao assim fazerem, na verdade o que tentam demonstrar é a desqualificação dos adversários, principalmente os integrantes do PT e partidos aliados, cuja bandeira partidária tem o vermelho ou o MST, em  cuja bandeira ou bonés também ostentam a cor vermelha. Com isto, tentam enfatizar que a cor vermelha é a cor do socialismo ou do comunismo, esquecendo-se de que todos esses e outros partidos cumprirem os requisitos legais e são reconhecidos pela Justiça Eleitoral.

Criaram um slogan que encima o título desta reflexão quando dizem “nossa Bandeira jamais será vermelha”, querendo com isto dizer que abominam a cor vermelha e que esta é a cor do comunismo, do socialismo e de outros “ismos” que possam ser usados para desqualificarem seus adversários, associando-os a regimes não democráticos, totalitários ou autoritários.

Interessante é que em nenhum momento, em qualquer instância judicial em nosso país ou em qualquer outro que se tem notícia proibiu o uso da cor vermelha seja nas bandeiras, nas roupas, nos vestidos das mulheres, nos uniformes escolares, nas bandeiras estatais, municipais ou em quadros (obras de arte), nas fachadas de edifícios, enfim, a cor vermelha é apenas uma cor como as demais, não podendo associa-la a aspectos negativos, quaisquer que sejam, muito menos em termos ideológicos.

Assim, Podemos dizer que, a nossa Bandeira é verde amarela, mas a cor da Bandeira não tem nada a ver se o pais vive sob democracia ou ditadura, das 224 bandeiras de países e territórios no mundo, 178 ou seja, 79,5% , inclusive a maioria dos países da Europa, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Rússia, Austrália, Inglaterra e inúmeros países da África e da Ásia tem a cor vermelha nas mesmas.

Até a Bandeira da Itália, inclusive durante o período fascistas e da  Alemanha nazista tinham a cor vermelha, bem destacada e os regimes nazista  e fascistas eram o oposto do comunismo e socialismo, que aparecem como os únicos ligados à cor vermelha.

Nos EUA, além da Bandeira nacional que é hasteada diariamente em todos os edifícios públicos, privados e atém residências, também 75% das bandeiras dos estados tem a cor vermelha.

No Brasil, por exemplo, 15 dos 26 estados e Distrito Federal tem a cor vermelha em suas bandeiras e 15 também das 27 capitais tem o vermelho em suas bandeiras. Será que isto diminui o patriotismo nesses estados e capitais? Ou será que estados e capitais deveriam ser obrigados a mudarem as cores de suas bandeiras e terem outras cores, para que suas bandeiras jamais tenham o vermelho? Porque amaldiçoar a cor vermelha?

Podemos mencionar também a Entidade Internacional que todos conhecemos, a Cruz Vermelha, símbolo da solidariedade que salva vida em tempos críticos, de desastres ou em áreas conflagradas, ostenta galhardamente a cor vermelha.

Outros exemplos de  símbolos, inclusive sagrados que tem a cor vermelha, podemos mencionar que o Sagrado Coração de Jesus é vermelho, será que deveria também ser verde amarelo?

O sol é vermelho, o palio da Opus Dei é vermelho, o sangue humano e dos animais não racionais é vermelho e estamos acostumados a associa-lo, ao dizer que  sangue é vida. Será que o sangue também deveria ser verde amarelo?

Também podemos ressaltar que na Bandeira Imperial do Brasil muito antes de haver socialismo ou comunismo no mundo a Bandeira do Império, que perdurou desde a nossa independência até a Proclamação da República tinha a cor vermelha nela.

Enfim, associar cores de bandeiras, verde, amarelo, Azul, branco, preto, marrom, vermelho, verde, lilás em diferentes tonalidades e formatos com questão ideológica, com patriotismo, com cristianismo é uma grande bobagem, uma besteira sem sentido.

Tem muitos países islâmicos, ditaduras religiosas sanguinárias e países totalitários, regimes ditatoriais civis ou militares, de esquerda ou de direita que não tem a cor vermelha em suas bandeiras e outros símbolos nacionais, mas sim outras cores como o verde, o amarelo, o preto, o azul, o branco ou outras cores e nem por isso seus governantes são democráticos  e respeitam os direitos humanos de seus cidadãos e cidadãs.

O Slogan "nossa Bandeira jamais será vermelha" utilizado por seguidores atual presidente, tenta passar uma mensagem de que seus integrantes e seguidores são mais patriotas ou talvez os únicos patriotas que existem no Brasil, isto não tem sentido. A Bandeira nacional não é propriedade dessas pessoas apenas, ela é símbolo do país e pertence a todas as pessoas nascidas ou naturalizadas brasileiras, ponto final.

Cabe aqui uma referência que o Brasil, desde a proclamação da República, há 133 anos, já passou por períodos críticos, já mudou de Constituição Federal por mais de 6 ou 7 vezes, Constituições aprovadas por Assembleia Nacional Constituinte, como foi a de 1988; ou outorgada de forma autoritária por governantes não democráticos.


 Nunca alguém, algum partido , governo ou governante propuseram trocar as cores ou formato da Bandeira brasileira, esta ideia de reforçar que nossa Bandeira jamais será vermelha é pura bobagem de quem não ter o que fazer ou uma forma bem distorcida de insinuar que o PT ou Partidos de Esquerda, inclusive socialistas ou comunistas queiram mudar as cores da Bandeira nacional.


Isto é manipulação grosseira do imaginário coletivo. Querer associar a cor vermelha a algo ruim, nefasto ou a regimes ditatoriais, de esquerda, é uma forma grosseira de fugir ao debate dos reais problemas e desafios que fustigam nosso país e que tanto sofrimento trazem ao povo brasileiro, principalmente os pobres, excluídos, marginalizados e injustiçados, para quem os governos e o Estado brasileira são grandes ausentes.


Até mesmo os meios de comunicação, de forma subliminar, enveredam para esta distorção, como por exemplo, quando colocam no mapa do Brasil, os estados e municípios em que Lula ou o PT e partidos aliados venceram a cor vermelha e onde Bolsonaro  e seus aliados venceram a cor azul, demonstrando que o Brasil esta totalmente dividido, alguns estados e regiões com a cor vermelha e outros com a cor azul, só faltou substituir o azul pelo verde amarelo para reforçar esta manipulação ideológica.


As cores de nossa Bandeira nacional não são e jamais serão as cores e os símbolos a serem de propriedade de um governo ou partido politico, não podemos aceitar que governantes  e seus seguidores manipulem e mistifiquem as massas com mensagens subliminares.


A Bandeira brasileira é um símbolo nacional, do Estado Brasileiro e de sua população, jamais deve ser apropriado por qualquer governo, partido ou grupo populacional como arma politica e ideológica, como está acontecendo em nosso país nesses últimos quatro anos.


Os reais problemas do Brasil não  são as cores de nossa Bandeira nacional, mas a miséria, a fome, a corrupção, a burocracia paquiderme, a pesada carga tributária, o contrabando de mercadorias, o tráfico de armas, o banditismo,  os privilégios dos donos do poder, dos marajás da República, a desigualdade regional, setorial, econômica, social e cultural, a degradação socioambiental; a poluição, a insegurança alimentar, hídrica e energética, a falta de saneamento básico, o desmatamento e as queimadas, a sonegação de impostos, principalmente por parte de grupos econômicos poderosos;  o tráfico de influência, a violência, o crime organizado, a falta de acesso à saúde, a educação de baixa qualidade, a falta de planejamento nacional e nas demais esferas de governo, a violência contra a mulher, as crianças ,os idosos  pessoas com deficiência, o desemprego, o subemprego, o endividamento das famílias, o atraso científico e tecnológico, o analfabetismo, o analfabetismo funcional, a discriminação, o racismo estrutural, a falta de apoio para a agricultura familiar, o uso abusivo de agrotóxicos que está envenenando o solo, as águas, o ar e nossos alimentos, o desrespeito aos direitos humanos, inclusive dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e populações primitivas e tantos outros mais que deixo de mencioná-los nesta oportunidade.

Esses sim, são problemas e desafios que o povo gostaria que os candidatos a presidente da republica, governadores de estado, deputados federais, estaduais e senadores e seus correligionários  e seguidores tivessem debatidos ou estivessem  debatendo e não a baixaria em que se tornaram essas eleições.


Não podemos permitir que a agenda pública seja desviada de seu foco que deve ser os reais problemas e desafios nacionais que afetam mais diretamente a vida da população, para questões inexistentes ou de menor significado que, como a questão das cores da nossa Bandeira, jamais foram ou estão sendo objeto de discussão ou propostas de mudança, a não ser em mentes vazias de preocupações com o que afeta realmente o povo.



*JUACY DA SILVA, professor titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy

Quinta, 20 Outubro 2022 09:32

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Ciências da Comunicação/USP.
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         Em 1989, quando ainda não dispúnhamos das redes sociais, a mídia teve relevância, em especial a Rede Globo e a Revista Veja, no resultado final da primeira eleição pós-golpe militar de 64. Esses veículos foram grandes pilares para a imposição, por aqui, do projeto neoliberal em implantação alhures; para tanto, puseram-se a favor de Collor de Mello, o pai no neoliberalismo no Brasil, em detrimento de Lula, ambos finalistas daquele pleito. Detalhe: por incontáveis vezes, a mídia lançou mão do que hoje é identificado e condenado como “fake news”.
        Da parte da Globo, a manipulação do editorial do JN, contra Lula, do último debate com Collor, tornou-se uma “antológica” desonestidade jornalística, que, depois, seguida do impeachment de Collor, ajudou a Globo a fazer um explícito “mea-culpa”, ainda que somente em 2015, como se pode conferir no endereço que segue: https://www.facebook.com/watch/?v=268431057531087.
        Da parte da Veja, da qual não me lembro de desculpas pelos absurdos que cometeu para ver Collor eleito, em inúmeras matérias, construídas para desconstruir o projeto político – à época, popular – do PT/Lula, sentenças do tipo “Quem avisa amigo é” eram constantemente inseridas nos textos daquele semanário, que apostou no medo do eleitor contra o petista. Semanalmente, Veja sentenciava, conforme seus interesses, o desastre a que o país estaria submetido se o “esquerdista/comunista/ateu/demônio”, chamado Lula, fosse o vencedor.
        Claro que as sentenças, à lá “formas simples” de André Joles, não vinham isoladas no trabalho daquele condenável tipo de jornalismo. Em Veja, capas, charges, fotografias e outras artimanhas de matérias preconceituosas, além de muitas propagandas políticas – disfarçadas, em suas páginas, de publicidade – ajudavam na formatação final dos seus apelos em prol do triunfo da direita brasileira.
        Hoje, com um Lula já bem “endireitado” e disputando o segundo turno com o atual presidente da República, resgato, e já fazendo sua adaptação, uma outra sentença: “quem te leu, quem te lê”, caríssima Veja!
        Explico: no último dia 11, no site https://veja.abril.com.br/politica/por-que-lula-esta-ampliando-o-placar-contra-bolsonaro/, foi possível ler a seguinte manchete: “Por que Lula está ampliando o placar contra Bolsonaro”, conforme as pesquisas daquele momento.
            Em seu desenvolvimento, a matéria afirma que tudo tem como base o comportamento de um e de outro candidato. Para Veja, Lula tem acertado “ao dizer que vai respeitar o resultado das urnas e governar para todos. Já Bolsonaro tem feito ameaças contra a democracia, como a ampliação do número de ministros do STF”.
        Veja fez mais. Registrou que, assertivamente, Lula, “Durante seu discurso (pronunciado no dia 10/10), descreveu de forma muito certeira quem é Jair Bolsonaro. “Esse cidadão é anormal, o comportamento dele é anormal. Ele não teve nenhuma formação civilizatória. Ele pensa no Brasil para ele. As Forças Armadas são dele, a Suprema Corte é dele, o Congresso é dele, o país é dele”.
        E Veja ainda completou: “E dá até para dizer: Errado não tá”!
        Nesse mesmo sentido, a matéria, nitidamente pró-Lula, não poderia ter sido melhor elaborada em seu epílogo, ao dizer que, “A 19 dias do segundo turno, Lula abre espaço para conselhos, faz declarações democráticas e faz questão de reafirmar seu respeito às instituições e ao país como um todo. O ex-presidente sabe exatamente como sinalizar que está pronto para voltar a comandar o país”.
        Claro que Veja também sabe o que está fazendo. Conhece Lula de outros carnavais. Sabe que os dois períodos de seu governo foram bem mais do que as condenáveis corrupções (Mensalão, Petrolão etc). Sabe que “nunca antes na história deste país os banqueiros e empresários (portanto, os ricos) lucraram tanto”, conforme já disse o próprio ex-presidente, e, agora, candidato Lula, que, de sua parte, sempre soube, de forma eficiente (cooptando lideranças estudantis, de trabalhadores e de movimentos sociais), lançar mão de políticas compensatórias, ou seja, distribuir migalhas consentidas pelo capital para os pobres e – à lá Victor Hugo – para “les misérables”.
        Agindo assim, Lula sempre inibiu qualquer ameaça de inquietação social que pudesse surgir em seus dois mandatos; e mais: populista por excelência, consolidou-se como o maior mito político da nossa atualidade, até que um certo Messias, “atirando” para todos os lados, chegasse no pedaço para a disputa de um lugar no bizarro panteão dos mitos de nossa política.
        A despeito da força do mito político emergente, Veja (a Globo também) sabe que Lula é o candidato melhor talhado no processo de conciliar as classes sociais tão desiguais. O novo mito não tem (também) essa habilidade. A cada momento, diz algo de estarrecer e estremecer pessoas e mercados; só não estarrece, tampouco estremece, seus iguais, que, convenhamos, não são poucos dentre nosotros.
        Nesse cenário polarizado, para uma parte da mídia, novamente destacando a Globo e a Veja, a questão agora é salvar os seus dedos, pois os anéis, deles, podem escorregar de vez. Seja como for, a conclusão da Veja, há pouco transcrita, é o “aviso” dessa revista neste momento recheado de absurdos promovidos pelo pensamento e ações da extrema direita nacional, que deu sinais de vida, à lá um monstro que estava adormecido, desde sempre, em muitos irmãos patrícios. Dios mio!
        E por conta de uma montanha de aberrações da extrema direita, das quais destaco a constante ameaça de golpe, portanto, ao regime democrático, mesmo ciente de que Lula e Bolsonaro se igualam no compromisso de aprofundamento do neoliberalismo, não poderei anular o meu voto. Votarei no 13, não sem registrar que a aposta desse agrupamento político, em disputar o atual pleito, de forma direta, com Bolsonaro, é de altíssimo risco e exposição do país a uma incerteza institucional que, desde 2018, poderia ter sido evitada. Como não foi, o bolsonarismo já saiu vitorioso do primeiro turno, pois as urnas já reformataram, à direita mais retrógrada possível, a Câmara e o Senado Federal. Espero que esse avanço pare por aí, mas ventos e trovoadas estão no radar.
        Por isso, daqui para o dia 30, como estão mostrando as pesquisas, até os ateus terão de aprender alguma reza braba para livrar o país de mais um período de extremismos empreendidos pelo atual governante mor, absolutamente desumano. E só por isso, Lula, que, paradoxalmente, tem sido o maior cabo eleitoral de Bolsonaro – claro que a recíproca é simetricamente verdadeira –, poderá voltar a presidir o Brasil...Quem diria?
        Se isso ocorrer, já antecipo minha oposição ao 13, pois, nas pesquisas, pertenço àqueles que não comemorarão a vitória do vencedor, mas, sim a derrota do perdedor.
        Tempos difíceis! Paradoxais!

Segunda, 17 Outubro 2022 14:38

 

 

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JUACY DA SILVA*


Ser educador ou educadora não é apenas a escolha de uma profissão ou ocupação, antes de tudo, é um ato de amor revolucionário, de dedicação ao bem comum e `a verdade, baseado sempre no sonho e na esperança de uma sociedade justa, igualitária, fraterna e inclusiva. É isto que deve ser enfatizado neste dia dedicado aos professores e professoras em nosso país.


Parafraseando Paulo Freire, um dos, ou talvez o maior educador brasileiro de todos os tempos, podemos dizer que “Ai daqueles e daquelas, entre nós, que pararem com a sua capacidade de sonhar, de inventar a sua coragem de denunciar e de anunciar. Ai daqueles e daquelas que, em lugar de visitar de vez em quando o amanhã, o futuro, pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e com o agora, ai daqueles que em lugar desta constante viagem ao amanhã, se atrelem a um passado de exploração, de opressão, de miséria e de rotina.”


Como Podemos “comemorar” o dia do educador, da educadora, do professor, da professora?  Creio que refletindo sobre alguns aspectos críticos da educação, como um processo transformador das consciências e das estruturas que oprimem a grande maioria das pessoas que vivem em cada sociedade, inclusive em nosso Brasil.


Quando do surgimento deste dia dedicado a quem escolheu e tem como missão a carreira docente em todos os níveis, desde a alfabetização que, `a semelhança de uma criança a quem seguramos as mãos para poder dar seus primeiros passos, também quem ensina segura, literalmente, as mãos de quem começa a escrever as primeiras letras e a partir de um momento, mesmo sem segurar as mãos, acompanha os passos seguintes dos educandos/alunos e alunas, ao longo de suas vidas, alguns e algumas por muitos anos até chegarem ao mestrado, doutorado ou pós-doutorado, sempre terão um professor ou uma professora para orienta-los, critica-los, enfim, tentar caminhar juntos, neste trajeto transformador, rumo a uma utopia.


É por isso que, falando do papel do educador, Paulo Freire costumava dizer e escreveu “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens (e as mulheres) se educam mediatizados pelo mundo”, ou seja, se a educação é entendida “como prática da Liberdade”, ela será sempre uma educação libertadora e, jamais, um mero processo de transmissão de conhecimentos já existentes e codificados pela sociedade, muitas vezes com uma dimensão alienadora, justificadora e reprodutora das estruturas sociais, econômicas, políticas, religiosas e culturais dominantes e dominadoras.


Quando isto ocorre, é necessário questionar qual o verdadeiro papel da educação, do educador e da educadora, frente a tais estruturas e de que lado está ou deve estar o educador, sendo apenas um agente do Estado, que é e está aprisionado pelas classes e camadas dominantes, pelos donos do poder ou ao lado de quem sofre, é oprimido e, as vezes, completamente escravizado física, mental, religiosa, política, econômica e socialmente?


Como resposta a este questionamento, reportamos, novamente, aos ensinamentos de Paulo Freire quando o mesmo afirma “nenhuma pedagogia que seja verdadeiramente libertadora pode permanecer distante dos oprimidos, tratando-os como infelizes e apresentando-os aos seus modelos de emulação entre os opressores. Os oprimidos devem ser sempre os seus próprios exemplos na luta pela sua redenção (libertação).


Cabe ressaltar que foi durante a década de 1960, período de grande ebulição política e ideológica na sociedade brasileira, quando o foco do debate nacional eram as “REFORMAS DE BASE”, quando houve um golpe de estado e os militares tomaram o poder, que Paulo Freire discutia e formulava suas ideias e ideais revolucionários para a educação, primeiro, voltadas para a alfabetização de adultos, com seu método que além de alfabetizar adultos em 40 horas, também estimulava o despertar da consciência crítica e libertadora por parte dos educandos/alfabetizandos.


Tive a oportunidade e a honra, ainda como aluno de primeiro ano do curso de sociologia e política, em São Paulo, em 1963, com apenas 21 anos de idade, ter conhecido Paulo Freire e me hospedado em sua residência no Bairro de Casa Amarela, em Recife, quando da realização do I Congresso Brasileiro para a Alfabetização de Adultos e Cultura Popular, no qual participei.


Juntamente com alguns e algumas outras estudantes de São Paulo, estávamos nos preparando para realizar a primeira experiência de Alfabetização de Adultos, no Bairro Helena Maria, em Osasco, utilizando o “método Paulo Freire”, experiência desafiadora e maravilhosa que jamais esqueço.


Naquele tempo, jovens estudantes, mas também educadores em formação, seguíamos atentamente as ideias e a metodologia de Paulo Freire, inclusive a de que “ quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é tornar-se opressor e que, lavar as mãos (ficar “neutro”) no conflito entre poderosos e os oponentes (os oprimidos, pobres e excluídos) significa ficar ao lado dos poderosos, dos opressores, isto jamais é neutralidade. O educador não pode omitir-se, tem o dever de definir o seu lado diante desta realidade que oprime e mata”.


Assim agindo, o educador e a educadora, agem como agente de mudança, principalmente, no aspecto do pensar, sentir e agir dos educandos/educandas `a medida que desperta a capacidade crítica e criadora, questionadora dos alunos e alunas, sejam crianças, adolescentes ou adultos, reduzindo o espaço da alienação, do medo e do desinteresse pelo diálogo e questionamento sobre a realidade concreta que nos cerca.


Para Paulo Freire, “A pessoa conscientizada (que despertou para a complexidade da realidade e como as estruturas sociais, econômicas, religiosas e políticas injustas e opressoras se reproduzem) passa a ter uma nova e diferente compreensão da realidade, da história e de seu papel como agente de transformação do mundo, a partir de sua realidade”.


Por isso, a pessoa que desperta para a complexidade desta realidade, entende que a mesma pode, precisa e deve ser transformada, para que a opressão, a injustiça, a miséria, a fome e a violência não tenham lugar em nossa sociedade, procura juntar-se a outras pessoas, a mobilizar-se, a organizar-se em movimentos e luta para mudar e  transformar a realidade, a sociedade e o mundo, em todas as dimensões em que as relações societárias ocorrem.


Bem sabemos o quanto a educação brasileira esta distante de ser uma educação libertadora, transformadora que seja, realmente, um mecanismo de mudança e de transformação profunda da realidade nacional.


Como costuma-se dizer, tudo passa pela educação, não por uma educação alienada e alienadora, mas por uma educação do diálogo, participativa, questionadora, libertadora, só assim consegue ser uma educação criadora de novos paradigmas e não apenas reprodutora do saber já existente.


Costuma-se dizer que, por saber o potencial revolucionário, transformador que a educação  libertadora possui, é que os donos do poder, os governantes, as classes dominantes fazem belos discursos sobre a importância da educação e pouco ou nada a valorizam. Essas são as falas intituladas de “belas mentiras” de nossos governantes e seus apoiadores ao longo de décadas ou séculos, ainda bem presentes nos dias de hoje.


O Brasil, apesar de ser uma das dez maiores economias do mundo, ostenta índices educacionais medíocres, semelhantes aos de países pobres da África e da Ásia, nosso país sempre está nos últimos lugares entre os países do G 20 quando se trata de índices educacionais, continuamos com um enorme contingente de analfabetos (ainda em torno de 8% da população acima de 15 anos e em alguns estados chegando a mais do que isto, são 14 milhões de analfabetos ; além de aproximadamente 29% de analfabetos funcionais, que em 2022 são 49,7 milhões de pessoas com 15 anos ou mais, ou seja, pessoas que não conseguem ler uma, duas ou três páginas e entender realmente o conteúdo das mesmas.


Somando-se analfabetos com analfabetos funcionais estamos Diante de uma realidade vergonhosa e vexatória de 64,3 milhões de pessoas, três quartos das quais fazem parte do mercado de trabalho. São pouco mais de 50 milhões de pessoas sem qualificação e sem capacidade crítica a engrossar este “exército de reserva de mão de obra”, subempregada, desempregada e extremamente explorada em nosso país, praticamente vivendo de programas assistenciais e sujeitas a todas as formas de manipulação política e eleitoral, principalmente pelos donos do poder.


Nossas escolas, tanto urbanas e principalmente rurais, de pequenos vilarejos e cidades menores estão caindo aos pedaços; o transporte escolar nas escolas públicas é uma lastima, verdadeiros “paus de arara” quando se trata de alunos que reside na área rural, a alimentação escolar as vezes advém apenas de bolacha e água. Creches públicas ainda representam privilégio para poucos brasileiros, o que não deixa de ser uma vergonha, pois impossibilita que as mães da classe trabalhadora possam trabalhar, pois não tem com quem deixar seus filhos pequenos.


Professores mal pagos, sem as mínimas condições de exercerem o papel de educadores e educadoras em sua plenitude, com jornadas de trabalho acima de sua capacidade física e emocional, desvalorizados, tanto é verdade que quando da escolha das carreiras universitárias, enquanto os chamados “cursos” nobres, que abrem perspectivas de melhor remuneração e prestígio social, como Medicina, odontologia, direito, comunicação social, engenharia, arquitetura, a competição por uma vaga nesses cursos é extremamente acirrada, chegando a ser de mais de 50 candidatos por vaga oferecida pelas universidades públicas ou mesmo privadas de  melhor qualidade, enquanto cursos que “levam” ao magistério, como pedagogia, letras, geografia, linguagem, matemática, física, química, etc., sobram vagas ou a competição pouco acima de uma ou duas pessoas por vaga.


No início da década de 1960, a Coréia do Sul e a China ostentavam índices educacionais semelhantes ou piores do que o Brasil. Enquanto aqueles países investiram de verdade em educação, o Brasil continuou enganando a si mesmo e hoje podemos ver, como em alguns setores , como da ciência e tecnologia, infraestrutura, percentual da população com instrução superior, onde existe uma grande distância entre nosso país e aqueles países asiáticos.


Enquanto a Coréia do Sul e a China produzem tecnologia de ponta, nós continuamos a nos orgulhar de sermos grandes produtores de matérias primas (as chamadas commodities) exportando soja em grão, madeira bruta, minérios, carnes in natura e a importando alta tecnologia. Somos um grande importador de produtos manufaturados, principalmente eletrônicos e um grande exportador primário, igualzinho ao que ocorria durante o Brasil colônia, império e república. Somos uma colônia em ciência e tecnologia.


Nem mesmo mão de obra mais sofisticada , qualificada e domesticada nosso sistema educacional consegue produzir e muito menos educandos com capacidade crítica, criadora e transformadora.


Apesar de tanto discurso, belas mentiras, ufanismo em relação ao papel da educação, tanto professores, educadores e educadoras, quanto a escola, em seu sentido amplo (do Ensino infantil até o nível de doutorado ou pós-doutorado) no Brasil continuam como párias da sociedade, a valorização dos professores e professoras é apenas um mero discurso, razão pela qual temos pouco  ou quase nada a comemorar neste dia 15 de Outubro de 2022.


Oxalá, no próximo ano, quando novos governantes estarão ocupando as estruturas de poder, tanto a nível federal quanto estadual, possam os mesmos colocarem a educação, pública, laica e de qualidade como a principal prioridade das ações governamentais. Isto só será possível em lugar de ORÇAMENTO SECRETO, tivermos ORÇAMENTO PARTICIPATIVO, com recursos suficientes para que o Brasil possa promover uma verdadeira revolução educacional.


Recentemente o Arcebispo da Brasília de Aparecida, Dom Orlando Brandes, em sua homilia no último dia 12, dedicado a Nossa Senhora Aparecida, tornou a dizer  que “Pátria amada” não  pode ser confundida com “Pátria armada”, no que foi ofendido por pessoas que não desejam que o Brasil seja um lugar de fraternidade e não de ódio, preconceitos e discriminação.


Talvez deva ser realizada uma grande campanha nacional pelo desarmamento  nacional, inclusive o desarmamento espiritual, em que o slogan poderia ser “troque sua arma por um livro”, pois “a arma mata e o livro liberta e salva”.


Vamos sonhar para que o DIA DO PROFESSOR/PROFESSORA em 2023 seja bem diferente do que este que pouco se tem a comemorar em 2022.


*JUACY DA SILVA, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy 

Quarta, 05 Outubro 2022 10:09

 

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Por Paulo Wescley Maia Pinheiro*


Décadas atrás, versando sobre um Brasil dividido de fato, Bráulio Tavares e Ivanildo Vilanova fizeram o poema "Nordeste Independente" como um protesto contra a desigualdade e o preconceito regional. 

Como esse é um fenômeno tão atual e fortalecido nesses tempos de intolerância, eu fiz um caminho diferente, imaginando quebrar as cercas e construir "um Brasil não dividido com o povo liberto das correntes". 

Veja o vídeo; Poema Povo Independente (imagine o Brasil NÃO dividido...) - YouTube
 


Povo Independente**

https://www.youtube.com/watch?v=tS6ke_1p0jg&lc=Ugxex0xdt3oyVYoAQpV4AaABAg

Wescley Pinheiro

Já que há no país o preconceito 
Mascarado de meritocracia 
Espalhando cruel xenofobia
É preciso quebrar esse preceito
O Nordeste exige mais respeito 
Contra o abismo criado e tão presente
Provocando a barbárie contundente
Pra deixar nosso povo enfraquecido
Imagine o Brasil não dividido
E o Nordeste liberto das correntes

Mesmo com o poder dessa quadrilha 
Que comanda a nação pela discórdia
Vou trazer união nesta paródia
E mostrar toda a farsa desta trilha 
Quando os ricos fizeram armadilha 
Para o povo odiar o diferente
Propagando essas dores tão ardentes
Contra todo explorado e oprimido 
Imagine o Brasil não dividido 
E o Nordeste liberto das correntes

Perderemos talvez só os grilhões 
Nossos pés andarão tão livremente 
Se os elos de nós forem somente 
Nossos ritmos, sotaques e canções 
Quando unirmos peoas e peões
Nosso olhar será tão clarividente 
Viveremos emancipadamente
Todo o povo será nosso partido 
Imagine o Brasil não dividido
E o Nordeste liberto das correntes

É do povo a cultura nordestina 
É orgulho, é disputa, é resistência 
É história e é experiência
Pra viver superando essa sina 
De um Brasil que até hoje discrimina 
Para fazer do seu povo indigente 
E viver um racismo tão potente
E o machismo que tem prevalecido
Imagine o Brasil não dividido 
E o Nordeste liberto das correntes

Eu não quero aqui dizer que não
Pois tem hora que raiva, nojo e ânsia 
Prevalecem contra a intolerância
E aí nós queremos divisão 
Mas sabendo que quem sofre de antemão
É aquele que trabalha até os dentes
E a elite desse nosso continente 
Não tem pena e só tem nos espremido
Imagine o Brasil não dividido
E o Nordeste liberto das correntes

É mulher, nordestino, preto e pobre 
Que até hoje ainda são discriminados 
Já o rico acumula o seu legado
De burguês que se assume como nobre 
Acumula suor, sangue e cobre 
Todo ouro, criação, planta e semente 
Vai secando e cercando enquanto mente 
Nos chamando de burros e bandidos
Imagine o Brasil não dividido
E o Nordeste liberto das correntes

O Brasil é bem mais que capital
É bem mais que o eixo soberano
O conceito sul-metropolitano
Tem herança na história desigual
E com essa questão estrutural
Que é tão viva e está em nossa frente
Que o Sudeste parece independente
E que o Sul aparece tão cindido 
Imagine o Brasil não dividido
E o Nordeste liberto das correntes

Para haver abundância lá embaixo 
Foi preciso a pobreza aqui do norte
Esquecer o país à própria sorte 
E montar na ganância e no esculacho
Explorando pessoas por escracho
De um jeito combinado e dependente
Não deixando ficar tão consciente 
Tudo aquilo que o povo tem sofrido
Imagine o Brasil não dividido
E o Nordeste liberto das correntes

Quando a gente viver em união
Periférico então será o meio
Quando margens virarem o recheio 
Do poder decisório da Nação  
Lutaremos contra a exploração
As barreiras serão tão decadentes 
Nossa arte será incandescente
Com o mote do poema enlarguecido 
Imagine o Brasil todo unido 
Com seu povo liberto das correntes  

Imagine as distintas regiões 
Com justiça, direito e igualdade 
Norte a sul, leste a oeste, de verdade
Convivendo com iguais condições 
Abraçando migrantes e anfitriões
E vivendo de forma que acalente 
Onde a discriminação seja ausente
E o que nos é comum seja acolhido
Imagine o Brasil todo unido 
Com seu povo liberto das correntes

O vaqueiro, a lavadeira, o agricultor
O Operário, a enfermeira e a artista 
Estudante, ambulante, jornalista
A docente, o gari e o entregador 
Todo povo que é trabalhador
Tem a força de quem pega no batente 
Com sotaques que tão diversamente
Fazem deste um país mais colorido
Imagine o Brasil todo unido
Com seu povo liberto das correntes

Imagine união por todo lado
Com o país só vivendo à partilhar 
Com um Centro e um Oeste popular
Nosso Norte sendo bem preservado 
Com o Sul e sertão articulados
O Sudeste não mais tão excludente 
Um Nordeste também suficiente 
Para nós o direito garantido
Imagine o Brasil todo unido
Com seu povo liberto das correntes

Um lugar que acabe as besteiras
Que definem a nossa sociedade
Onde pulse toda diversidade 
E não seja cercado por fronteiras
Que a vida do povo seja inteira  
Com projeto diverso e coerente
Onde o ser que trabalha viva rente
Com aquilo que ele tem produzido
Imagine o Brasil todo unido
Com seu povo liberto das correntes

Imagine o trabalho dividido
E o produto sempre compartilhado 
O amor para sempre espalhado 
Sem haver um sujeito suprimido
Imagine um país reconhecido
Tão plural, corajoso e combatente 
Regiões convivendo tão contentes
E não mais desiguais como tem sido
Imagine o Brasil todo unido
Com seu povo liberto das correntes

 



*Wescley Pinheiro é professor, assistente social e poeta popular, autor de ebooks como “A Chegada do Pastor Mala e da Cachorra Laica no Além” e “Curral da Conjuntura e outros cordéis" (kindle/amazon). Contato: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. 

**Esse poema é uma versão que dialoga com  “Nordeste Independente” de Bráulio Tavares e Ivanildo Vilanova

Sexta, 30 Setembro 2022 09:53

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.

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JUACY DA SILVA*
 

“Uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça (justiça social e justiça ambiental e intergeracional) nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres” Papa Francisco, Laudato Si, 49.

No último dia 17 deste mês de Setembro foi estruturada a Pastoral Ecologia Integral da Arquidiocese de Cuiabá, a primeira da Região Centro Oeste e da Pré-Amazônia; e, no último sábado, dia 24,  pelas mãos do Arcebispo, Dom Mário, abençoou o Grupo e fez o ENVIO, ou seja, o reconhecimento oficial desta que é uma Pastoral integradora, que tem como seu objetivo principal “Evangelizar, integrar e promover um melhor cuidado com a Casa Comum, seguindo os passos de uma Igreja Sinodal, samaritana, profética, com opção preferencial pelos pobres, através de ações sociotransformadoras, reduzindo a degradação Ambiental, urbana e rural, promovendo “um novo modelo de estar e viver no mundo”, como nos exorta e recomenda o Papa Francisco na Encíclica Laudato Si.

As ações da Pastoral da Ecologia Integral deverão orientar-se, também, por seus seis objetivos específicos, assim estabelecidos: Estimular o exercício da espiritualidade ecológica; despertar a consciência e a responsabilidade das pessoas quanto `a importância de um melhor cuidado com a Casa Comum (Planeta Terra) e colaborar na formação de agentes de pastorais para uma visão da ecologia integral; estimular mudanças de hábitos, estilos de vida sustentáveis, combatendo o desperdício, o consumismo e a economia do descarte e fomentar a economia solidária, a agroecologia, a economia circular e a reciclagem; combater todas as formas de poluição, defender a biodiversidade, o solo, as águas, as florestas; incentivar o uso de fontes renováveis de energia e a redução de combustíveis fósseis; estimular ações integradas entre as diversas pastorais e dessas com organismos governamentais e não governamentais, incentivando e apoiando ações sustentáveis dentro e fora  da Igreja.

As áreas de ação da Pastoral da Ecologia Integral são três: Educação ecológica e a defesa dos ecossistemas e biomas; formar agentes para participação em Conselhos de Meio Ambiente, Comitês de Bacias, fóruns e organizações de defesa do meio ambiente e dos biomas; participação em espaços definidores de políticas públicas, estratégias e planos de meio ambiente, principalmente no combate ao desmatamento, `as queimadas e `a degradação Ambiental, que provocam mudanças climáticas.

A Pastoral da Ecologia Integral da Arquidiocese de Cuiabá, está aberta para a participação de pessoas, independente da vinculação religiosa, pois terá um caráter ecumênico, inter-religioso, independente também da formação professional, idade, sexo ou visão de mundo, bastando apenas aceitar seus princípios, valores e objetivos e estejam comprometidas com a Justiça Social , a Justiça Ambiental e a Justiça intergeracional e um melhor cuidado com a Ecologia Integral, no contexto de que “tudo está interligado, nesta Casa Comum”.

Vale a pena também destacar que a Missão desta Pastoral é “despertar nos cristãos e não cristãos , a consciência da gravidade da crise socioambiental e a necessidade de um melhor cuidado com a “casa comum”, promovendo a conversão ecológica, como condição necessária para enfrentar os desafios que estão presentes na atualidade no Brasil e nos demais países, condição fundamental, para que seja atingida a tão sonhada cidadania ecológica.

Esta Pastoral, apesar da urgência e da gravidade  da crise socioambiental que estamos vivendo no momento, tem um uma VISÃO de que a esperança é possível, ou seja, o ser humano, as pessoas que orientam suas ações pelo bem comum e não por interesses imediatos e a ganância que tudo destrói, Podemos sonhar em construir um mundo novo, uma nova realidade que é a sociedade do bem viver, respeitando e cuidando melhor do meio ambiente, através de novos paradigmas e novos modelos socio econômicos e culturais que respeitem as pessoas, principalmente os trabalhadores, a natureza e os limites do planeta. Precisamos pensar globalmente e agirmos localmente.

Cabe também, nesta oportunidade, explicitar quais são os fundamentos que embasam as ações da Pastoral da Ecologia Integral,  considerando que a mesma representa uma dimensão integradora e  evangelizadora da Igreja.

Esses fundamentos são os seguintes: Textos sagrados (Bíblia Sagrada), Doutrina Social da Igreja, Encíclicas de diferentes Papas e os diversos documentos da Igreja como o Documento de Aparecida e o recente Documento de Santarém (revisitado após 50 anos do encontro dos Bispos da Amazônia realizado de forma pioneira em 1972); as Encíclicas Laudato Si, Fratelli Tutti, Exortação Apostólica Minha Querida Amazônia; a Economia de Francisco e Clara; o Pacto Global pela Educação, os diversos pronunciamentos do Papa Francisco sobre questões sócio Ambiental, como seus três “Ts”: Terra, Teto e Trabalho e as contribuições de estudos, pesquisas e documentos científicos de organismos nacionais e internacionais relacionados com a crise socioambiental que tanto ameaça nosso planeta.

Assim, concluímos uma etapa da caminhada e estamos dando inicio a uma outra etapa, com vistas a conhecer a realidade socio ambiental do território da Arquidiocese de Cuiabá, de suas paroquias e comunidades.


Além desta análise da realidade socioambiental, também pretendemos encarar o desafio que é a formação dos Agentes da Pastoral da Ecologia Integral, pelo menos 3 a 5 pessoas em cada paroquia, para podermos implantar Núcleos da Pastoral da Ecologia Integral nas mesmas e podermos, assim, dar prosseguimento aos projetos e ações que representem a forma da Igreja enfrentar os desafios e problemas socioambientais, em uma dimensão sociotransformadora, como nos pede o Papa Francisco tanto na Encíclica LAUDATO SI quanto na Exortação pós Sinodo dos Bispos para a Pan Amazônia, denominada de MINHA QUERIDA AMAZONIA, inseridas, ambas no contexto da Doutrina Social da Igreja.


Assim, estamos convidando as pessoas, cristãos, católicos , evangélicos,  adeptos de outras religiões, filosofias e também os não cristãos a somarem conosco nesta cruzada para melhor cuidar da Casa Comum, neste território abençoado por Deus que é o Estado de Mato Grosso, onde estão localizados três exuberantes biomas: Amazônia, Cerrado e o nosso Pantanal, todos muito ameaçados por diversas formas de degradação ambiental e inúmeros crimes ambientais, motivados pela ganância das pessoas, principalmente grandes grupos econômicos que  não tem compromisso com o desenvolvimento sustentável e o respeito pela natureza e a biodiversidade.


Oxalá, Deus abra o coração, a consciência e o discernimento das pessoas para que haja muitas conversões ecológicas, forma de repararmos os pecados ecológicos que a cada dia estão mais presentes entre nós, só assim, poderemos atingir a verdadeira cidadania ecológica e a justiça intergeracional. Afinal, não podemos destruir a biodiversidade, os ecossistemas e deixarmos um enorme passivo ambiental, IMPAGÁVEL, para as próximas gerações.


Esses são os desafios que se apresentam na caminhada da Pastoral da Ecologia Integral da Arquidiocese de Cuiabá e, futuramente, em todas as demais Dioceses de Mato Grosso.


*JUACY DA SILVA, professor titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, Sociólogo, mestre em sociologia, articulador da Pastoral da Ecologia Integral da Arquidiocese de Cuiabá. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.


Quinta, 29 Setembro 2022 08:51

 

 

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Por José Domingues de Godoi Filho

UFMT/Faculdade de Geociências

 

As Instituições de Ensino Superior (IES) têm uma função determinante nos rumos do país, por sua capacidade e competências em comparação com outras instâncias do aparato de estado. São importantes pelo seu papel na definição dos caminhos do desenvolvimento e por representar um local privilegiado da crítica e da criação do novo como resultado da pesquisa científico-tecnológica. Os ambientes das IES permitem o entendimento do processo civilizatório como uma variável para a emergência de propostas alternativas e para a busca de rupturas com as formas tradicionais de olhar e responder as questões da sociedade humana. Produzem, não apenas novas respostas para velhos problemas, mas principalmente novas perguntas para descobrir novos problemas, num ambiente de liberdade e de saudável subversão.

Contudo, o Brasil chegou às duas décadas do século XXI, marcado pelo desmonte de um projeto nacional e a implantação de um projeto de capitalismo transnacional, no dizer de Ianni,“na transição de uma nação em província”. Ou, de forma mais explícita, abdicando de se tornar uma “nação soberana” para se manter como um “estado servil”, deixando para as gerações mais jovens, como opção, escolherem entre se tornarem escravos ou bandidos. Mais uma vez, verifica-se que o Estado pode transformar-se “em aparelho administrativo das classes dominantes; neste caso classes dominantes em escala mundial, para os quais os governantes nacionais se revelam simples funcionários”.

No que se refere à educação, houve um isolamento dos seus vínculos sociais e passou a ser vista como uma questão de gestão, tornando “os processos educativos mais atrativos aos investimentos transnacionais, à atuação de indústrias e prestadoras de serviços dos países centrais, que podem ampliar sua operação também na periferia do sistema – reproduzindo o ciclo de colonização científica, cultural e tecnológica”.

Não por acaso, a partir dos anos 1960, o Banco Mundial passou a atuar na área da educação, com prioridade para a formação de mão-de-obra especializada necessária ao processo de desenvolvimento da industrialização. Dos anos 1990, até os tempos atuais, ao Banco Mundial se juntaram a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Representação do Governo dos Estados Unidos para o Comércio (USTR) e a Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), para reformarem a educação pública tendo como referência “...uma ideologia radical que tem uma desconfiança fundamental em relação à educação pública e uma hostilidade ao setor público em geral. O movimento de reforma é na verdade um movimento de reforma empresarial, financiado em grande parte por fundações, gerentes de fundos hedge de Wall Street, empreendedores e o Departamento de Educação dos EUA. O movimento está determinado a cortar custos e maximizar a concorrência entre escolas e professores”.

É inquestionável a influência/interferência do Banco Mundial nas políticas educacionais do Brasil, incluindo as políticas para o ensino superior, que já vinham sendo sinalizadas desde o início dos anos 1980 e, que se explicitaram, de 1995 para cá, sugerindo formatações para as universidades sul-americanas como organizaçõessociais. Em especial, dois documentos marcaram e continuam orientando as decisões do MEC:

“La enseñanza superior. Las lecciones derivadas de la experiência”, publicadoem 1994 pelo Banco Mundial, e “Estratégia para o Setor Educacional - Documento Estratégico do Banco Mundial: a Educação na América Latina e Caribe”, de 1999.

Tais documentos, desde o governo FHC, até os dias de hoje, norteiam as decisões do MEC tendo como basea teoria do capital humano e as diretrizes relacionadas a diferenciação institucional, diversificação das fontes de financiamento, parcerias público-privadas, mercantilização do conhecimento. A educação se transformou em um negócio e, no caso do ensino superior, um negócio estimado em pelo menos de R$ 13 bilhões.

UMA NOVA ELEIÇÃO

Chegamos a uma nova eleição geral no país, depois de 45 meses de destruição comandada pelo Presidente da República, filhos e equipe de governo. Certamente, no dizer de Ricardo Antunes,“não há, em nenhum outro momento da história mais do que secular da nossa República, nada que se aproxime à devastação tão profunda e tão agudamente destrutiva que estamos presenciando hoje...O culto da ignorância, na pior linguagem trumpiana, o desprezo e o combate à ciência, à saúde pública, tudo isso acabou por levar o país ao fundo do poço, tanto no plano sanitário quanto no econômico”.

O orçamento para a educação em 2022 é equivalente ao orçamento de dez anos atrás, o que compromete o funcionamento das IES, a qualidade do trabalho, a permanência dos estudantes e as condições de trabalho docente.


O governo federal cortou, em 27 de maio deste ano, R$ 3,2 bilhões, o equivalente a 14,5% do orçamento discricionário do Ministério da Educação. Este bloqueio significou para universidades e institutos federais um corte de R$ 2,22 bilhões.


Some-se a perseguição política no conteúdo das aulas, nas bibliografias indicadas para as disciplinas, no objeto dos projetos de pesquisa, dentre outras.
Como divulgado pelo Movimento pela Ciência e Tecnologia Pública (MCTP), faz parte da mesma política de sucateamento das IES o desmonte das instituições públicas de pesquisa: “assim, após corte de R$ 2,9 bilhões, ocorrido no início de 2022, recursos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) para este ano representam apenas 38% do orçamento de 2014. Esse corte compromete, além de outros programas de investimento em ciência e tecnologia, a sobrevivência de institutos de pesquisa.A Fiocruz, por exemplo, que é uma das mais importantes instituições de pesquisa brasileira na área de vacinas, ligada ao Ministério da Saúde (MS), teve um corte de R$ 11 milhões em seu orçamento neste ano de 2022. Na Embrapa, ligada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o orçamento para 2022 terá um corte de R$ 43,8 milhões. É importante destacar que nos últimos anos a Empresa vem sofrendo sucessivos cortes e contingenciamentos do orçamento aprovado, o que tem provocado a descontinuidade de vários projetos de pesquisa”.


Para encarar "o diabo na rua no meio do redemoinho", precisamos resgatar "a volta do cipó dearoeira no lombo de quem mandou dar"e, como primeiro passo, precisamos derrotar o atual governo não votando no capitão de plantão e nos seus aliados.É um passo inicial obrigatório na luta para recuperar e defender a universidade pública e a pesquisa científico-tecnológica pública.

E, frente ao cenário que estamos vivendo, mais do que nunca, precisamos nos organizar para ocupar as ruas, para abortar qualquer tentativa de censura à liberdade de pensar e de se expressar. Todos sabemos que teremos que remover uma quantidade, jamais vista, de escombros

Nas universidades públicas e nas demais instituições públicas de pesquisa científico-tecnológica, teremos que resistir contra qualquer restrição à sua autonomia e não ter medo de interpretar, preservar, reforçar, fomentar e divulgar as culturas nacionais e regionais num contexto de pluralismo e diversidade. Teremos que reforçar, em ambiente de liberdade, nossas análises críticas e progressistas das novas tendências sociais, econômicas, culturais, científicas e políticas. Como diz um cordelista do Crato-CE, “A liberdade é um bem/ o maior do ser humano/educá-la e cultivá-la é um valoroso plano/Ensino Superior sem isso é só engano.”

Frente apropostas de mercantilização da educação, do avanço do ensino superior privado e das tentativas de privatização das universidades públicas, via cobranças de taxas, fundações de apoio de direito privado e outras, é importante resgatar que “Universidade rima com humanidade, com universalidade. A universidade não rima com empresa, com mercado, com acumulação de capital”, como ensinou o Professor Otávio Ianni.


Que os novos governantes, não se comportem como o “leopardo”e não“façam modificações para tudo continuar do mesmo jeito”.
E que os demais,relembro, não votem no capitão e se mantenham vigilantes e dispostos a luta.

 

Terça, 27 Setembro 2022 09:18

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Ciências da Comunicação/USP.
Professor em aposentadoria/UFMT
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          Aproveitando este momento pré-eleitoral, falarei de mitos, mas no sentido já atualizado e ampliado do termo. Começo lembrando que, nós, brasileiros, somos culturalmente herdeiros de mitos absorvidos dos povos originários, dos africanos e dos portugueses, que já haviam incorporado muito da mitologia greco-romana, bem como de outros povos que já haviam se fixado na Península Ibérica, onde se encontra Portugal.
          Logo, fugir da força dos mitos é tarefa complexa; e do conjunto de mitos, destaco a herança do sebastianismo e do cristianismo. Mais do que outros, ambos parecem nos influenciar muito fortemente. Do primeiro, a influência pode estar aconchegada em algum lugar do nosso inconsciente coletivo, que, resumidamente, pode ser compreendido como um tipo de herança subjetiva herdada dos nossos ancestrais. Disso, advém a possibilidade de nossa tendência comportamental de acreditarmos piamente em salvadores da Pátria, à lá o velho Sassá Mutema.
          Em poucas palavras, o “sebastianismo” foi uma crença – próxima da profecia –surgida em Portugal, no final do séc. 16, por conta do desaparecimento do rei Dom Sebastião, durante a batalha de Alcácer-Quibir, na Mama África. Acreditava-se – aliás, como hoje se acredita em algo semelhante – que aquele rei voltaria para salvar Portugal das mazelas políticas, econômicas e sociais, desencadeadas (ou apenas escancaradas) pelo seu desaparecimento.
          Acerca da influência cristã, parece-me que a deplorável “fotografia” hodierna da vida brasileira dispensa comentários extensões; assim, sintetizo dizendo que vejo meu país cada vez mais atolado nos meandros das concepções mais retrógradas do medievo propriamente dito.
          Ao utilizar uma flexão do verbo “atolar”, o faço exatamente por observar, não sem constrangimentos, a adesão de tanta gente à propaganda de um dos dois mitos políticos brasileiros que capitaneiam as pesquisas para as eleições presidenciais de 02 de outubro.
          Cada vez que recebo alguma mensagem, geralmente pelas redes sociais, dessa disputa política do mais baixo nível que poderíamos ter atingido, fico pensando na força que os mitos exercem sobre tantos seres do tipo inocentes úteis. Já sobre os que optam por assim se fazer passar, vale lembrar que a performance da fingida inocência também gera utilidade a quem dela se serve.
          Seja como for, como, pelo menos num primeiro momento dessa campanha eleitoral, não consegui ser seduzido para entrar em nenhum dos lados dessa miserável disputa, pois enxergo que há saídas que poderiam superar a polarização que experimentamos, confesso que sinto uma certa vergonha alheia pelos apaixonados de um e de outro grupo. Às vezes, além da vergonha alheia, também surge uma pontinha de decepção com criaturas próximas da minha existência. Mas vida que segue.
          Com essas considerações, não quero dizer que ambos os mitos sejam completamente iguais em tudo, embora em muito se igualem. Entre o “Inominável” e o “Inacreditável”, aquele, autoritário de berço, sequer consegue respeitar nossa Constituição; e isso não é pouca coisa, reconheço; e, apenas por isso, portanto sem nenhuma ilusão depositada no velho e enrouquecido blá-blá-blá de décadas, em eventual segundo turno, não me restará outra alternativa. Tenho memória. Por não desconsiderar a história recente de nosso país é que não cederei aos apelos do voto útil antecipado.
          Mas, afinal, em que se igualam os mitos que movem tanta e pueril paixão?
          Os “sebastiões” de nossa política atual se igualam, mais do que em outros itens, exatamente naquilo que cada um tem buscado apontar como absurdo e inaceitável no comportamento político do outro, que é a corrupção. Nesse oco tiroteio verbal, há quem dê crédito a um e a outro!
          Esse crédito, sem lastro algum, seja a um ou a outro mito, tem tirado muitas pessoas do chão da razão, elevando-as aos eflúvios celestiais. Eis, pois, a força dos mitos agindo e aprisionando as pessoas, ou em uma bandeira nacional, ou em uma toalha ligeiramente avermelhada com a estampa de alguém; e tudo isso independentemente do grau de instrução e posição social de cada ser que compõe as duas legiões de fanáticos. Impressionante!
          De antemão, os mitos nos venceram. Logo, à lá o velho Machado, o de Assis, a ambos, as batatas!

Quinta, 22 Setembro 2022 16:05

 

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Divulgamos a pedido do professor Carlos Eduardo Paiva.

 

O  Museu de Arte e Cultura Popular (MACP) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a Secretaria de Estado de Cultura Esporte e Lazer de Mato Grosso e o Museu de Arte Sacra de Mato Grosso (MAS) convidam para a abertura da exposição À Flor da Pele: Arte Negra no Museu, com curadoria de Gervane de Paula e Ludmila Brandão. 
 
 
MACP UFMT: 28 de setembro de 2022, às 19h. 
MAS: 29 de setembro de 2022, às 10h. 
 
 
Mais informações a seguir no material gráfico:
 
 
 
Quinta, 08 Setembro 2022 15:27

 

 

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Por Vicente Machado Ávila

Professor aposentado da UFMT
 

 

                       I.            SEGUNDO TURNO

LESADYRO: Haverá segundo turno? SAKATUDO: Se as eleições fossem hoje, pela pesquisa (IPEC), divulgadas ontem, não.

                    II.            O GOVERNO CONTRA O CANDIDATO

SAKATUDO: Se FAKENARO fosse espremido, como se espreme um limão, da cabeça sairia armas e muniçãoe do peito sairia ódio e desejo de regime de exceção.
Ao invés de ser estadista, atualizado e moderno, ele prefere ser um carrancista pondo lenha na fogueira do inferno.

                 III.            CANDIDATO X GOVERNO

O candidato faz promessas, mas, o governo – mais que depressa – derruba o prometido e o(a) eleitor(a) fica sem entender (perdido).

                 IV.            DE ONDE VEIO, ONDE ESTÁ E PARA ONDE VAI?

Da Câmara Federa e da sobra do Exército (de onde foi expulso) – está no mato sem cachorro, vendo o chão sair-lhe dos pés – vai, como um pulha (de moto) direto para as cucuias.

                    V.            E A BOIADA?

                RICARDO SALLES passou, mas sua proposta ficou. FAKENARO toca a boiada em tudo que faz ou deixa de fazer, na segurança, na saúde, no meio-ambiente, e em tudo o mais ele continua dando mancadas colossais.

 

 

Cuiabá, 06/09/2022
LESANDYRO BRASUDO
SAKATUDO TANAKARA

 

Segunda, 05 Setembro 2022 09:28

 

 

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Cuiabá, 09/2022.



         Caros e Caras Docentes da ADUFMAT!
          Já aproveitando os primeiros dias de minha aposentadoria, um direito trabalhista que, aos poucos, vem sendo subtraído dos trabalhadores brasileiros, agradeço todas as manifestações de carinho que tenho recebido. Dentre elas, destaco a que minha amiga Alair Silveira, uma ave raríssima da espécie humana, publicou, neste Espaço Aberto, no dia 01/09, sob o título “Porque poucos são Augusto”. Absolutamente emocionante. A quem não sabe, o “Augusto” nasceu como pseudônimo de uma das greves que ajudamos a construir com outros docentes, que também acreditam que a luta se faz necessária sempre que direitos (da categoria ou da sociedade, em geral) são dificultados ou simplesmente negados.
         Neste momento de passagem da minha vida de trabalho oficial na UFMT, uma Instituição que sempre fará parte de minha existência, para as experiências que virão a partir de agora, vou compartilhar com todos vocês o texto (um “quase-ensaio”) que deixei aos meus colegas de Departamento de Letras, do Instituto de Linguagens, que tive a honra de dirigir desde março de 2016 até o último dia 26 de agosto.
         Infelizmente, não é o texto que eu gostaria de ter deixado neste momento, mas é o que este tempo, chamado presente, me pediu. Como, para o registro de minha escrita, sempre me articulei com o instante vivido, a matéria jornalística Português é obstáculo para brasileiros à procura de estágio” foi o mote para o surgimento do texto. Talvez muito pretensiosamente, espero que minhas inquietações sejam também a de todos que fazem (ou desfazem) as universidades brasileiras, pois motivos não faltam para as devidas reflexões. A matéria é chocante. A gravidade ali exposta deveria fazer todos nós, docentes neste país, pararmos para rever os rumos que tomamos.
         Saudações

Roberto Boaventura da Silva Sá
Docente aposentado da UFMT


 

Roberto Boaventura da Silva Sá
Professor do Departamento de Letras/UFMT
Diretor do Instituto de Linguagens

 


         Partindo da manchete “Português é obstáculo para brasileiros à procura de estágio”, o Jornal Nacional (JN), da Rede Globo, no dia 06/07/2022, exibiu uma impactante matéria, na qual é afirmado que, em um determinado processo de seleção,  “mais de 80% dos candidatos são reprovados por notas baixas nas provas do (nosso) idioma” (https://globoplay.globo.com/v/10734911/?s=0s).
         Pela observação diária, que tenho empreendido por quase quatro décadas no magistério superior, adianto que esse desastroso panorama não se circunscreve ao “processo de seleção” referido; ele já pode estar sendo fruto de interpretações equivocadas por parte de estudiosos de vários programas de pós-graduação e de responsáveis por cursos de formação de professores sobre o ensino de gramática, que nunca deixou de ser obrigatória. Mais adiante, comentarei essa inquietante constatação/afirmação.
         Antes, registro que, no corpo da reportagem em foco, além de um gerente de Recursos Humanos de uma multinacional dizer que, nos últimos anos, o problema da escrita e da compreensão textual se acentuou, foi exposto um quadro entabulado pelo Núcleo Brasileiro de Estágios (NEB), responsável por aplicações de provas para mais de quatorze mil empresas.
         Para o NEB, a ortografia, a gramática normativa de nossa língua e a interpretação de textos têm inviabilizado as possibilidades de preenchimento de vagas de estágios e, potencialmente, de futuros empregos formais, por parte considerável dos concorrentes. Assim, constata-se que, no ensino médio, o fracasso completo do aprendizado da língua portuguesa bate às portas, e aos murros! Nas últimas provas aplicadas pelo NEB, dos 59.700 candidatos, foram reprovados 49.331; ou seja, 89%!!!. Sem meias-palavras, é o português matando a nação brasileira. Ora, pois!
         Mas se esses números já eram esperados pelos mais atentos à situação, confesso que minha preocupação foi inflada ao saber que, dentre os candidatos do ensino superior, nos exames de língua portuguesa, aplicados pelo mesmo núcleo, os universitários que mais reprovam pertencem aos seguintes cursos: 1º) Direito: 85,8%; 2º) Letras: 85,5%; 3º) Administração: 83,4%. Vale lembrar que esses três cursos, juntamente com Pedagogia, experimentam um impressionante processo de massificação.
         Mas de toda essa tragédia, destaco o segundo lugar, que é ocupado por universitários de Letras. O peso de ser reprovado em língua portuguesa por alguém desse curso é (ou deveria ser) mais preocupante. Motivo: Letras é o curso superior que, por natureza, forma docentes da disciplina Língua Portuguesa, ainda que, no ensino médio, essa disciplina esteja diluída na grande área “Linguagem e suas Tecnologias”, que corresponde, no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), à área “Linguagens, Códigos e suas Tecnologias”.
         Do destaque, passo a reflexionar alguns dos porquês desse quadro tão perturbador. Antes, nada como rever a história do ensino da “matéria” em questão. Para tanto, o breve artigo “Algumas reflexões sobre o ensino da Língua Portuguesa no Brasil” (https://jornal.usp.br/artigos/algumas-reflexoes-sobre-o-ensino-da-lingua-portuguesa-no-brasil/) pode nos auxiliar, pois as considerações de seus autores (Beatriz Daruj Gil e Marcelo Módolo) abrangem, mesmo que de forma genérica, desde os primeiros contatos da Companhia de Jesus, na gênese do processo colonizador/exploratório dos portugueses em terras da Santa e da Vera Cruz, até as mais recentes tendências dos estudos linguísticos.
         De minha parte, juntando-me a outros docentes brasileiros (poucos, é verdade), afirmo que, depois que a Linguística, de forma geral, começou a ganhar mais espaço na organização curricular dos cursos de Letras, muitas vezes, em detrimento da legenda “Língua Portuguesa”, o nível do ensino do nosso idioma, na modalidade padrão, iniciou uma descontrolada descida rumo ao caos.
         Lamentavelmente, muitos estudiosos da Linguística – com ênfase aos do campo da Sociolinguística – têm confundido a reflexão/análise/leitura científica das manifestações da língua portuguesa – em suas diversas e ricas variantes – com a prática de seu ensino. A prova disso é que muitos dos professores de Língua Portuguesa – quando retornam de seus mestrados e doutorados nessas áreas – passam a afrouxar o ensino formal do nosso idioma. Sem maiores reflexões críticas, e iludidos pelos ares da própria concepção pós-moderna vigente, que a tudo relativiza, passam a jogar contra suas próprias origens de classe social, mas, paradoxalmente, supondo respeitá-las; passam a se tornar desnecessários; passam a prestar um desserviço ao país.
         Para agravar, os mesmos estudiosos, imersos na aludida confusão, consciente ou inconscientemente, estão na esteira das pretendidas “escolas para o povo”, capitaneadas pelo brasileiro Paulo Freire e pela argentina Maria Teresa Nidelcoff, desde o início da década dos anos 80, com o seu auge nos 90, quando Freire se tornou Secretário de Educação da Prefeitura de São Paulo, sob o comando de Luíza Erundina.
         Na essência, longe de desrespeitar e de desconsiderar a melhor das intenções de Freire, de Nidelcoff e de todos os seus epígonos, o fato concreto, infelizmente, é que a diretriz que movia as “escolas para o povo”, pretendendo contextualizar o processo de aprendizagem, a partir da realidade dos educandos, acabou encontrando imensos limites no sentido de avançar no processo de instrumentalizar esses mesmos educandos para se apropriarem das “armas” fulcrais da transformação da própria realidade. Dentre essas armas, o ensino formal da língua pátria é (ou deveria ser) primazia.
         Seja como for, com o aval de importantes educadores de universidades renomadas do país, forjava-se o berço, mesmo sem pretender, do maior arcabouço populista da educação brasileira. Como questão de tempo, o fracasso retumbante do nosso sistema educacional viria em sua esteira, e a jato; tudo isso foi desnudo, acima de outros referenciais, pelo “não-ensino” da norma padrão da língua portuguesa. 
         Portanto, o resultado desses “encontros teóricos” e dessa vertente populista no meio educacional não poderia estar sendo pior para a prática do ensino, com ênfase ao ensino do idioma pátrio, realmente inclusivo, como, de boa-fé, todos pretendiam e pretendem. A continuar nesse rumo, muitos de nossa população estão fadados a não mais alargar seus horizontes para além de seus próprios quintais ou de seus barracos pendurados em morros aqui e acolá. Em outros termos, quem não for soterrado por avalanches provocadas por desastres da natureza, tão abundantes nos verões dos trópicos, pode estar sendo condenado a se atolar no mais profundo abismo intelectual, que decreta, em vida, a morte social de um contingente gigantesco de pessoas.
         Para ilustrar a importância de uma adequada alfabetização e de sua manutenção ao longo do percurso formal do ensino em nosso país, cito outra matéria midiática de relevância (https://globoplay.globo.com/v/10860366/?s=0s),agora, exibida no Jornal Hoje, também da Rede Globo, no dia 18/08/2022: “Projeto Favelivro desperta paixão pela leitura em comunidades do Rio(no caso, o Complexo do Caju); 21 bibliotecas comunitárias já foram abertas”.
         Das entrevistas, empreendidas pelo repórter Danilo Vieira (DV), destaco e transcrevo a que ele fez com Cristiano Nascimento (CN), um menino de 11 anos de idade:
         DV: você gosta de ler?
         CN: sim, senhor. Eu ganhei dois livros aqui (o menino mostra à câmera e lê os títulos dos livros Serenidade e A Dama e o Vagabundo). Ainda ontem, eu peguei um livro da biblioteca da minha escola, e a professora da biblioteca ficou até surpresa porque eu terminei o livro em 80 minutos.
         No segundo momento da edição da mesma entrevista, o garoto Cristiano, com impressionante visão social de sua classe, conclui que A pessoa tem o direito de ter a leitura. Tem muita criança que não tem onde ler, entende? Não tem livros. Lá (na biblioteca comunitária), você lê, você se diverte, você entra, como eu falei. É ótimo. Pra mim, foi uma ideia genial”.
         Cristiano Nascimento, sabiamente, nos lembra que a leitura, antes de tudo, é um direito de cidadãos de todas as classes sociais, principalmente da sua própria. Direito que só pode ser exercido ao longo da vida – com a necessária competência – se o ser humano for se apropriando da formalidade da língua oficial de seu país durante todo o percurso de sua formação escolar/acadêmica. Sem o domínio mínimo desse instrumento, as oportunidades de ascensão social/econômica serão cada vez menores para a maioria. A isso, soma-se a certeza de que cada brasileiro que não dispuser desse domínio não será capaz de ler/conhecer nada do que extrapole suas experiências pessoais, que, por mais ricas que possam ser, são ínfimas perto das experiências compartilhadas, desde há muito, por pensadores, escritores, artistas... dos mais diferentes lugares.
         Neste momento, talvez caiba lembrar a postura paradoxal vivida por todos aqueles que – mesmo relativizando/afrouxando o conhecimento da norma padrão da língua portuguesa nos cursos de graduação em Letras – impõem a necessidade desse domínio para o ingresso, por exemplo, em programas de pós-graduação.
          Lembranças à parte, o fato é que o labirinto do nosso “não-ensino” não para por aí. Dentro do mesmo leque populista freiriano/sociolinguístico, antes referido, alguns grupos sociais – na busca de empoderamentos diversos e justíssimos resgates de exclusões historicamente construídas – passaram a reivindicar, sobretudo, alterações no uso cotidiano de palavras do nosso idioma, visto como machista/sexista e de representação exclusiva das pessoas de pele branca e heterossexuais, transtornando e intimidando, ainda mais, a atuação profissional da maioria dos professores, sobretudo, de Língua Portuguesa de todos os níveis do ensino. Muitos desses grupos – deveras incisivos no cotidiano de suas práticas políticas – passaram a impor um tipo de “guerrilha civil linguística”, dada a violência simbólica de que lançam mão para obtenção de suas pretensões – geral e paradoxalmente – justíssimas.
         Pressupondo dimensionar o tamanho do problema, listo quatro exemplos dessa “guerrilha” vivida, muito particularmente, nas universidades:
         a) “femenagear”, no lugar de “homenagear”, quando se tratar de uma mulher a ser homenageada;
         b) "ovulário", ao invés de "seminário";
         c) “escurecer”, e não mais “esclarecer”, quando se pretender saber sobre a compreensão de todos em determinada situação;
         d) “todes”, substituindo “todos e todas”, para contemplar as pessoas não-binárias de nossa sociedade.
         A essa impressionante capacidade criativa, inerente ao campo semântico, junta-se a imposição da prevalência das diversas variações linguísticas existentes, que estão se sobrepondo ao ensino da norma padrão do nosso idioma. Em outras palavras, toda estrutura da norma padrão da língua portuguesa fica sob o jugo do império das gramáticas orais, portanto, populares, que buscam contemplar os mais diferentes grupos sociais. Por isso, já tem sido cada vez mais raro saber da existência (e resistência) de algum professor de Língua Portuguesa que ainda esteja conseguindo compartilhar o aprendizado da modalidade padrão da nossa língua com os seus estudantes.
         Verdade seja dita, esse tipo de professor tem sido menosprezado, quando não hostilizado, por quase todos, em seu ambiente de trabalho, e fora dele também. Como consequência, a desilusão e o desestímulo pela docência são cada vez maiores, causando diversos tipos de doenças a esses profissionais que ainda insistem/resistem em trilhar o caminho da lógica, cada vez mais desconsiderada, quando não, ridicularizada. Aqui, vale registrar – por meio da trágica “fotografia” deste momento, tão abundante de tensões – que a demanda social pelo respeito à diversidade tem sido praticada de forma concomitante ao crescimento da intolerância com aquele que pensa diferente.
         Após a exposição desse quadro, falando matematicamente à moda antiga, vamos tirar “a prova dos nove” disso tudo. Ao final dessa “prova”, mostrar-se-á que quase tudo está retumbantemente fora de rumo e de prumo no que diz respeito ao ensino da língua portuguesa no Brasil. Nas veredas de uma falsa, logo, enganosa, alteridade e das armadilhas do populismo educacional, reafirmo que caminhamos para o abismo, do qual, em pouquíssimo tempo, poderemos não mais encontrar saídas.
         A favor de nossa (cons)ciência, no panorama exposto pelos resultados obtidos pelo NEB, transcritos no início destas reflexões, estão escancarados os números (e querendo saber, os nomes também) dos brasileiros reprovados em provas simples do nosso idioma; brasileiros que, na essência, representam, como num processo metonímico, o fracasso educacional da maioria; brasileiros que almejavam apenas uma vaga de um estágio, mas que não a obtiveram, pois deles já foi retirado o direito de uma educação formal adequada e realmente de inclusão, da qual o ensino da norma padrão da língua portuguesa é – ou deveria ser – o carro-chefe.
         A situação desses brasileiros, aos quais – tudo em nome da condenada e execrada “educação bancária” – esse tipo de ensino tem sido sonegado/sabotado, pode ser comparada, se fosse em uma orquestra sinfônica, a de um violinista que nunca aprendeu a tocar violino, até porque sequer conheceu um violino. No plano social, cada um desses “violinistas” sem “violinos” pode provocar desafinações desconcertantes ao país. No lugar de uma “arma linguística” adequada, muitos poderão se juntar aos que já portam e usam, em seu cotidiano, armas mais conhecidas convencionalmente como tais; logo, a continuarmos nesse rumo, se Guimarães Rosa já dizia que “viver é perigoso”, eu diria que poderemos chegar ao ponto de reconhecer que, por aqui, viver será insuportável.
         Enquanto ainda podemos sair do labirinto, é hora, pois, de ouvirmos, com profundo respeito, os nossos valorosos intelectuais. Deles, infelizmente, cada vez mais raros dentre nós, destaco aqui o professor Evanildo Bechara. Do alto de seus 94 anos, esse gramático da Academia Brasileira de Letras, em recente e providencial entrevista à Folha de São Paulo, disse que todos “Devemos ser poliglotas na nossa língua”
(https://www1.folha.uol.com.br › ilustrissima › 2022/07). 
Sem desconsiderar a importância dos estudos científicos das variantes linguísticas, Bechara afirma que o estudo da norma padrão jamais pode ser relegado ao segundo plano. Corretíssimo.
         De minha parte, junto-me também ao pensador Antônio Gramsci, que, diametralmente contrário às preconizações de Paulo Freire, Maria Tereza Nidelcoff e epígonos, durante o hostil tempo do fascismo de Mussolini, na Itália, almejava o ensino formal da língua pátria a todos os filhos dos trabalhadores, independentemente de qualquer tipo de registro identitário.
         Ademais, a explícita “representatividade” dos diferentes grupos sociais, que hoje vemos explodir em peças publicitárias e em elencos das telenovelas nacionais, infelizmente, não têm a menor equivalência com a nossa duríssima realidade. A mera “representatividade”, por si, não avança, em proporções iguais para todos da mesma classe social; logo, toda essa luta não extrapola os limites da ilusão de suposta igualdade de oportunidades e afirmações sociais. Paradoxalmente, isso não significa dizer que não seja importante a ampliação dos espaços desses trabalhos e atividades, bem como do papel que é exercido no sentido de atuar positivamente no processo das subjetividades de autorreconhecimento e identidade.
         Trocando em miúdos, por si, os escolhidos para o processo de representação no universo midiático e em outros espaços não abarcam a totalidade dos pretensos representados. Pior: a real exclusão vai ficando escamoteada. Se houver dúvidas disso, nada como outra “prova dos nove”, que nos é adversa, pois nunca os números da violência e do empobrecimento geral foram tão abrangentes e cruéis exatamente contra os grupos que mais se destacam com os seus representantes, sobretudo, na mídia: negros, mulheres e os Lgbtqia+.
         No Brasil, nunca o sistema capitalista, para seu conforto e interesse, apostou tanto, e com os devidos financiamentos, na utilização de seres humanos “representativos” dos mais diferentes grupos sociais. Como recompensa ao capital investido nesse processo, as representações dos grupos não têm ajudado – aliás, muito pelo contrário – a unir os trabalhadores como classe, até para a exigência de políticas amplas, gerais e irrestritas. A bem arquitetada fragmentação da classe trabalhadora, diluída em inúmeros grupos e subgrupos, nunca foi tão visível e maléfica para todos os cidadãos que não detêm os meios de produção, logo, que necessitam de uma formação educacional adequada, com ênfase, repito, ao ensino da norma padrão de nosso idioma.
         Essa afirmação que faço vai ao encontro da seguinte realidade: enquanto as oportunidades de trabalho e de crescimento intelectual estiverem demandando domínio elementar da língua portuguesa, em sua modalidade padrão, como qualquer seleção/concurso ainda solicita, ninguém pode se manter linguisticamente neutro. Ninguém do meio educacional tem o direito de sonegar esse instrumento básico, que potencializa a ascensão social aos cidadãos.
         Por tudo isso, as lideranças dos grupos sociais precisariam compreender que mais do que (de)marcar território linguístico (que a pouquíssimo lugar sólido levará alguém, socialmente falando), o mais importante seria exigir políticas públicas educacionais abrangentes a todos que são marcados pela desigualdade, bem como por outros processos de ilusão, desde o primeiro grito de “Terra à vista”; precisariam exigir, de punho cerrado, um ensino de absoluta qualidade da norma padrão de nosso idioma a todos os brasileiros; e desde a mais tenra idade.

         Da parte dos diretamente envolvidos no ensino da norma padrão, é mister rever, com absoluta urgência, os caminhos do ludíbrio acadêmico a que muitos foram submetidos, pois esse ludíbrio tem sido o alicerce do desmonte do nosso ensino. Aqui, vale antecipar que essa revisão, absolutamente necessária, poderá ser dolorosa; logo, difícil, pois dissertações e teses poderão se tornar sem sentido. Contudo, se não houver essa revisão, em tempo recorde, o fracasso será tão estrondoso que nada mais poderá ser feito para a reversão da tragédia em curso; uma tragédia mais do que anunciada. A inutilidade e a irresponsabilidade do professor de Letras serão vergonhosa e nacionalmente expostas. Espero que esse dia não chegue.