Segunda, 19 Maio 2025 09:43

Abílio fecha serviço especializado no atendimento a mulheres vítimas de violência em Cuiabá e servidoras denunciam desatendimento Destaque

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Laboratório que reúne pesquisadoras da UFMT, Unemat e IFMT acionou Ministério Público

 

O ódio às mulheres não é apenas sintomático nos governos da chamada direita. Seus agentes não se limitam ao discurso. As práticas que trazem ainda mais dificuldades à vida das mulheres são transformadas em política e, em Cuiabá, estão sendo implementadas pelo prefeito Abílio Brunini (PL). Em menos de seis meses de gestão, milhares de vídeos foram publicados e, segundo o chefe do executivo municipal, o caixa da Prefeitura até voltou a ter fundos, mas o que ele não diz é que foi a custo do bem estar da população. Já em março, ele fechou o Espaço de Acolhimento à Mulher nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) dos bairros Verdão e Leblon, serviços que atendiam mulheres vítimas de violência na capital mato-grossense.

 

Em nota publicada no início de março, a Prefeitura de Cuiabá informou que, por recomendação do Ministério da Saúde, os espaços voltados ao atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica nas UPAs seriam centralizados “temporariamente” no Hospital Municipal de Cuiabá (HMC), visando “melhorar a qualidade dos serviços prestados e readequar os espaços destinados a esse atendimento”. Apesar de o mesmo texto observar que o Ministério faria uma nova vistoria “nos próximos dias”, já se passaram dois meses, e nada mudou.

 

Por esse motivo, servidoras efetivas do município, que preferiram não ser identificadas por medo de retaliação, procuraram entidades que defendem a pauta para denunciar a ação. O “Nenhuma a Menos: Laboratório de Teorias e Práticas Feministas e Antirracistas de Enfrentamento às Violências Contra Mulheres e Meninas” foi uma dessas entidades. Formado por trabalhadoras da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) e Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT), o grupo atua já há alguns meses com o intuito de promover estudo, formação, troca de experiências e de construção de ações políticas e culturais de propagação da igualdade de gênero, de prevenção e combate às violências contra mulheres e meninas em Mato Grosso.

 

As denunciantes relatam que os espaços fechados atendiam dezenas de mulheres mensalmente. “Esses espaços acolhiam mulheres, inclusive do Judiciário. Do Espaço Caliandra [Ministério Público de MT], foram diversas assistidas encaminhadas para nós. Eu atendia a delegacia da mulher, além da demanda que chegava na UPA, por isso tínhamos plantão 24h. As que chegavam de demanda espontânea na UPA, a gente fazia o primeiro acolhimento, os procedimentos cabíveis, e encaminhava para atendimento psicológico. Fora as outras demandas que chegavam de outros órgãos, como o Centro de Acolhimento às vítimas do Fórum de Cuiabá. De junho, até agora no início de março, quando fecharam o espaço, foram quase 300 mulheres atendidas, sendo que 90 delas já estavam tendo atendimento psicológico. É complicado, essas mulheres agora ficam desassistidas. A maioria faz uso de medicamento. Fora as questões sociais, os pareceres de aluguel social, que a gente não sabe se essa mulher conseguiu adquirir os benefícios. Ficou uma coisa assim... quem deu continuidade nisso? Sendo que nós, como profissionais, não conseguimos nem fazer essa transição para outra equipe. E esse material está onde, com esses dados? A preocupação também é essa. Porque os prontuários são sigilosos, de responsabilidade da equipe técnica”, pontuou uma das servidoras.

 

Elas acrescentam que a legislação vigente [Lei nº 14.847/2024, que altera a Lei nº 8.080/1990], assegura às mulheres vítimas de violência o direito a salas de acolhimento exclusivas nos serviços de saúde do SUS. Nestes programas, a qualificação dos profissionais, inclusive com relação à capacidade de criar vínculo, são questões muito importantes.

 

“A gente se pergunta, se o problema era espaço físico, podiam ter remanejado o projeto para a Secretaria da Mulher. Já tinha uma equipe especializada fazendo os encaminhamentos e dando andamento ao projeto, por que desmantelar essa equipe, que já conhece, já criou vínculo com as assistidas? Por que desmantelar essa equipe e simplesmente jogar numa Unidade Básica de Saúde (UBS)? Para quê? E agora, como não tem mais quem faça esse serviço, vão jogar nas costas do emult [equipe multiprofissional que atende nas unidades de saúde], que não é responsável por isso”, questiona a servidora.

 

Além do ato de desassistir, as servidoras se preocupam com o destino dos documentos do programa, que devem ser tratados com o devido sigilo, mas agora estão sob a responsabilidade de uma pessoa, nas palavras do grupo, “alheia à causa”.

 

“Agora essa notícia de que vão encaminhar para a equipe técnica do emult realizar esse atendimento, sendo que que só da clínica da família da região da morada da serra/ CPA, por exemplo, eles já atendem 12 polos, abrangendo os bairros Jd. Florianópolis, CPA I e II, e todos os bairros adjacentes ali. Todos são atendidos pela clínica da família. A equipe do emult é composta por duas assistentes sociais, uma psicóloga, fisioterapeuta, nutricionista, mas eles já têm a demanda deles, e agora trabalhar com mais essa demanda? Porque, se já foi extinto o projeto, eles vão ter de encaminhar essas mulheres na regulação, e aí talvez, algum dia, ela consiga um psicólogo para ser atendida. Ela não vai ser atendida com prioridade se não está dentro de algum projeto”, concluiu uma servidora.

 

Diante da situação, o Nenhuma a Menos: Laboratório de Teorias e Práticas Feministas e Antirracistas de Enfrentamento às Violências Contra Mulheres e Meninas, que tem como objetivo elaborar dados a partir da realidade entorno da questão das violências contra as mulheres e meninas, está acompanhando a situação, buscando as instituições competentes para entender o que vem sendo feito e, agora, vem a público denunciar à comunidade mato-grossense, sobretudo cuiabana, que o desmonte desses serviços é um atentado à vida das mulheres. “Todos aqueles que são a favor da vida têm de ser contra essa medida, porque nós já temos um estado com o maior índice de feminicídio do Brasil, sendo o Brasil o quinto país que mais mata mulheres no mundo. Então, nós já somos uma máquina de matar mulheres, e sem esse tipo de serviços as mulheres não têm nem onde buscar ajuda, refúgio. Elas vão ser entregues à própria sorte em relação a situações de violência dentro de um contexto em que aquele que fecha o serviço vai estar propondo o armamento como solução. Essa é uma matemática, uma proposição que soma fatores, cujo resultado leva ao agravamento de uma situação que já é uma das piores do mundo. Mato Grosso está caminhando para se tornar o pior lugar do mundo para uma mulher viver”, afirma a professora e pesquisadora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Lélica Lacerda.

 

Com a expectativa de obter respostas rápidas das instituições competentes, o grupo protocolou a denúncia formalmente no Ministério Público, além do CEMulher TJ-MT, Poder Judiciário, Tribunal de Contas do Estado, Ministério Público de Contas, Defensoria Pública, Câmara Municipal de Cuiabá, Secretaria Municipal da Mulher, Secretaria Municipal de Saúde, Secretaria Estadual de Saúde, Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania, Conselho Estadual da Mulher, Conselho Municipal da Mulher de Cuiabá, Conselho Regional de Serviço Social, Conselho Regional de Psicologia, Comissão dos direitos da Mulher da OAB e Sindicato dos Servidores Públicos de Cuiabá.

 

A equipe de comunicação da Adufmat-Ssind fez contato com o Ministério da Saúde, mas até o momento não obteve resposta oficial.  

 

Confira, abaixo, o teor integral da denúncia protocolada pelo Nenhuma a Menos: Laboratório de Teorias e Práticas Feministas e Antirracistas de Enfrentamento às Violências Contra Mulheres e Meninas:

Assunto: Denúncia sobre o Fechamento do Espaço de Acolhimento à Mulher nas UPAs Verdão e Leblon

 

É com profunda indignação que a equipe do Laboratório “Nenhuma a menos” recebeu a denúncia sigilosa sobre o fechamento do Espaço de Acolhimento à Mulher nas UPAs Verdão e Leblon.

O Laboratório “Nenhuma a Menos: Laboratório de Teorias e Práticas Feministas e Antirracistas de Enfrentamento às Violências Contra Mulheres e Meninas” é um espaço constituído em parceria entre UFMT, UNEMAT e IFMT com o intuito de promover estudo, formação, troca de experiências e de construção de ações políticas e culturais de propagação da igualdade de gênero, de prevenção e combate às violências contra mulheres e meninas em Mato Grosso.

O Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo e Mato Grosso, em 2024, foi o estado que mais matou mulheres no Brasil, o que faz deste um dos territórios mais perigosos para se ser mulher. Essa realidade justifica a existência de nosso laboratório e a preocupação de nossa equipe, expressa nesta carta.

Salientamos que a Lei nº 14.847/2024, que altera a Lei nº 8.080/1990, assegura às mulheres vítimas de violência o direito a salas de acolhimento exclusivas nos serviços de saúde do SUS.

 Essas salas têm como objetivo garantir privacidade e proteger a integridade da mulher, restringindo o acesso de terceiros não autorizados, especialmente o do agressor; e salientamos também que toda documentação referente aos atendimentos é de absoluto sigilo, sendo autorizada de ter acesso a ela apenas a equipe técnica que executa o serviço.

O funcionamento do Espaço de Acolhimento à Mulher nessas unidades funcionava em conformidade com as legislações federais, que preveem um atendimento humanizado, integrado e especializado para as mulheres em situação de violência.

O alarmante índice de feminicídio no estado deixa evidente que o fechamento do Espaço de Acolhimento a Mulher nas UPAs expõe mulheres a eminente risco de morte; a descontinuidade desse serviço e o deslocamento da documentação sigilosa sem a anuência da equipe técnica representa uma violação direta dos direitos garantidos pela Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), além de um imenso retrocesso nas políticas públicas de proteção às mulheres.

O referido espaço não era apenas um local de atendimento; era um porto seguro para inúmeras mulheres, oferecendo acolhimento psicológico, social e jurídico, além de proporcionar a possibilidade de um recomeço.

Com o fechamento deste serviço, milhares de mulheres que dependiam dele agora se encontram desamparadas, expostas à violência e à negligência do poder público.

Diante disso, compreendemos ser relevante resguardar:

  • A imediata reabertura do Espaço de Acolhimento ou a criação de uma alternativa equivalente;
  • Transparência sobre os motivos do fechamento e a construção coletiva das soluções para o acolhimento de mulheres vítimas de violência no âmbito do SUS, respeitando legislações e princípios éticos das profissões envolvidas;
  • O compromisso do poder público de redução drástica dos índices de violência contra mulheres e meninas com a garantia de políticas públicas efetivas e contínuas para mulheres em situação de vulnerabilidade em Cuiabá e em todo o estado de Mato Grosso;

Por fim, reafirmamos que a luta pelos direitos das mulheres não pode ser silenciada por descaso político ou má gestão; nem ser tratada como política de governo que se desmantela com trocas de governo. Antes, as Políticas públicas para as mulheres devem ter o status de política de Estado, com ações contínuas e suficiente aporte de recursos humanos e financeiros.

Em defesa da vida das mulheres e meninas, exigimos respeito e cuidado na implementação de políticas públicas comprometidas com a dignidade, a segurança e a vida das mulheres. Não admitiremos retrocessos!

Diante do exposto, encaminhamos essa denúncia para as distintas instituições que têm atribuições sobre a temática e solicitamos a adoção de medidas cabíveis. Solicitamos ainda a acusação do recebimento deste ofício e a informação sobre eventuais procedimentos instaurados.

Cordialmente,

 

Equipe do Laboratório Nenhuma a Menos

 

 

 

 

 

Luana Soutos
Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind
Imagem: Prefeitura de Cuiabá

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