Segunda, 18 Dezembro 2017 14:26

Morosidade da Justiça deixa dezenas de famílias de Mato Grosso em condições precárias neste final de ano Destaque

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Noventa e seis famílias devem passar o final de ano em condições extremamente precárias no município de Novo Mundo, interior de Mato Grosso. Com o Plano de Ocupação traçado pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nas mãos, elas aguardam, há três meses, decisão da Justiça Federal para instalação em terras comprovadamente da União. Na disputa pela terra, a Justiça tende a ser falha, ou muito lenta, para os trabalhadores.

 

O caso, já abordado por diversos movimentos sociais, é mais uma situação de conflito iminente em Mato Grosso. Trata-se da fazenda denominada Recanto, com mais de 9.600 hectares de terra pública grilada. Após anos de disputa, em setembro, a Justiça finalmente reconheceu que a área deve acomodar os trabalhadores que aguardam para serem assentados, e adiantou 2 mil hectares, enquanto os outros 7 mil permanecem em litígio. No entanto, o grileiro que cercou ilegalmente a área apresentou recurso para inviabilizar a ocupação imediata, alegando que havia plantio e gado no espaço.

 

Para chamar a atenção, logo após a decisão judicial que concedeu 2 mil hectares, as 96 famílias que aguardam a autorização para entrar no local resolveram acampar ao lado da fazenda. Idosos, mulheres e crianças dormem e acordam sob lonas, sem qualquer estrutura mínima, sem água, sem banheiro, à beira de uma estrada de terra, aguardando a liberação da Justiça para ocupação do espaço.

 

 

“O que a gente quer é que a Justiça olhe para a gente, porque a gente também é ser humano. A gente vota, paga imposto. Ninguém dá nada para nós. A gente não é bandido. Estamos pedindo os nossos direitos. Aqui tem criança, idoso, gente querendo um cantinho – para falar logo o português correto – morrer em paz. Porque isso aqui não é vida, não. A gente aguenta porque não tem para onde ir. É sofrido isso aqui. Esses dias que nós passamos aqui, a gente buscou água lá no rio, porque não tem água aqui na beira da estrada. Então a gente vai, caça o jeito da gente, e luta. Se a Justiça olhasse um pouco para o pobre, porque nós somos pobres... a gente não está pedindo nenhum favor. Nós estamos pedindo um direito que nós temos. É só isso que a gente quer, que a Justiça olhe pelas crianças, por nós, que estamos jogados. E nós estamos aqui só esperando uma coisa que o juiz já assinou para nós. Nós não queremos invadir, porque nossas coisas já foram queimadas três vezes”, desabafou uma das mulheres acampadas, cujo nome será preservado.   

 

No dia 18/09, uma inspeção realizada pela Justiça Federal e representantes de outros órgãos ligados à União verificou, in loco, que o argumento de que os 2 mil hectares destinados à ocupação imediata têm plantio e gado é falso, conforme matéria publicada ainda em setembro pela Adufmat - Seção Sindical do ANDES Sindicato Nacional (leia aqui).

 

Mesmo assim, o parecer ansiosamente aguardado pelas famílias, sob responsabilidade do juiz federal Murilo Mendes, da 1ª Vara Federal de Sinop, ainda não foi emitido. A Adufmat-Ssind tentou contato com a assessoria do juiz durante dois dias para obter mais informações sobre o caso, mas até concluir essa matéria não obteve sucesso. 

 

“Será que eles querem esperar o grileiro plantar de novo, ter outra colheita, e a gente ficar aqui do lado esperando? Isso é muito triste para a gente. Já aconteceu muita coisa triste, muita morte. Mas a gente vai aguentar e esperar. De jeito nenhum a gente vai desistir. Aguentar firme e forte, sol e chuva, aqui. Se o vento levar o barraco a gente faz outro”, já afirmava, em setembro, outra mulher acampada no local.

 

 

 

Para a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que acompanha o caso desde o início, esse comportamento lento não se observa em todos os processos. “A gente tem observado uma morosidade da Justiça, e isso tem acirrado os conflitos no campo, feito com que a violência seja cada vez mais forte contra os camponeses e camponesas. Quando a Justiça vem para beneficiar os trabalhadores, existe uma espécie de trava para retomada das áreas. Agora, quando é para tirar os camponeses dos seus territórios, beneficiar os fazendeiros e grileiros de terra pública, a Justiça age com agilidade, tem força policial disponível, tem recurso disponível. Parece que eles querem vencer os trabalhadores pelo cansaço”, observou a coordenadora da CP, Elizabete Flores.

 

 

“Nós estamos acampados desde 2005 em terrenos demarcados pelo Incra. Já fomos jogados para um lado e para o outro. Já fomos ameaçados, judiados, queimaram nossas casas, nossas roupas, nossas mercadorias. Já jogaram gasolina em crianças. Tivemos que socorrer as crianças e as pessoas de idade e perdemos tudo. Estamos começando de novo. Eu acho que as pessoas deveriam ter mais respeito com a gente. Eles nos tratam como bandido. Eles têm nojo da gente. A gente é discriminado, não consegue emprego, é tratado como lixo, bicho, não como ser humano. A gente passa na rua e eles falam ‘olha lá o sem terra passando.’ A gente não é sem terra, a gente é trabalhador. Na minha família é todo mundo agricultor, trabalha há mais de 30 anos com terra. A gente, aqui, não está nem a cinco metros da terra, será que é justo a gente ficar num corredor desse, sem água, com poeira? Tem mulher grávida, velho, criança de escola. E os maridos vão trabalhar onde, se ninguém emprega? A gente é ameaçado todos os dias. Eles gradearam ontem, ali. A gente almoçando, sobe aquele poeirão [sic]. Mandaram recado que em breve eles vão passar calcário. A gente só quer justiça”, concluiu outra trabalhadora.

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

Ler 1170 vezes Última modificação em Segunda, 18 Dezembro 2017 14:45