No momento em que ocorria o lançamento do Caderno de Conflitos no Campo (2016), em Cuiabá, chegava a notícia de que dez pessoas haviam morrido durante um confronto entre supostos invasores de terra e policiais, na fazenda Santa Lúcia, próximo a cidade de Redenção, no Pará. A trágica coincidência é repetida um pouco mais de um mês depois de nove trabalhadores rurais serem torturados e mortos em Taquaruçu do Norte, distrito de Colniza, a 1.065 km de Cuiabá. Durante esse episódio, também ocorria o lançado do Caderno na cidade de Sinop. Mato Grosso está em primeiro lugar, no Centro-Oeste, quando o assunto é conflitos por terra e em segundo no ranking nacional. O evento na Capital ocorreu na tarde desta quarta-feira (24/05), durante um Seminário, no Auditório do Centro Cultural.
A leitura da trágica realidade dos camponeses de Mato Grosso foi feita pelos atores do Cena 11 e emocionou o público presentes. Os atores personificaram as nove pessoas brutalmente mortas em Colniza, no dia 19 de abril. Um relato que é repetido e denunciado desde 1985 quando a Comissão Pastoral da Terra (CTP) iniciou a organização do Caderno de Conflitos. Um instrumento que registra os conflitos por terra, água, direitos, ameaças, prisões, trabalho escravo e assassinatos. A intenção é dar publicidade aos dados dessas injustiças como material de denúncia e também de pesquisa.
“Cabe a nós da UFMT não apenas dar publicidade, mas fazer uma análise crítica e necessária para superação dessa condição de violência e conflito no campo”, ressalta a professora de Geologia da UFMT e membro do conselho Fiscal da Adufmat-SSind, Sinthia Batista. A docente é uma das defensoras da cartografia como um instrumento de luta política, além de realizar pesquisas agrária e assentamentos.
Conforme os dados do Caderno, a CPT registrou em Mato Grosso 61 assassinatos em conflitos no campo em 2016. Uma média de cinco mortes por mês. Dentro desse grupo 13 eram indígenas, 4 quilombolas, 6 mulheres e 16 eram pessoas jovens entre 19 e 29 anos, além de um adolescente.
“Não podemos naturalizar a violência e o conflito. São mais 50 mil famílias envolvidas nos conflitos pela terra em 2016, isso só em Mato Grosso. São cinquenta mil em um estado que tem pouco mais de 20 mil habitantes, é muita gente. Não se tem uma definição no processo de responsabilização dessas mortes apesar de sabermos porque elas acontecem e a origem dos conflitos. A violência é a perda total do controle do processo civilizatório, o último limite da destruição do outro. ”
Mato Grosso ocupa o primeiro lugar em famílias envolvidas em conflitos por terra em todo Centro-Oeste e o segundo no país, ficando atrás de Rondônia. Isso é atribuído a importância dada ao agronegócio e o desprezo ao trabalho dos camponeses.
“A desigualdade é aquilo que funda a nossa miséria. O campo é hoje, contraditoriamente, o lugar da riqueza e pobreza, do alimento e da fome. Temos hoje uma agricultura capitalista de produção de grande escala, que não é alimento. O alimento é da agricultura da pequena escala, que é a agricultura camponesa. ”
O caderno ainda chama a atenção para as consequências dessa contradição. Destaca que a soberania alimentar da população brasileira está comprometida devido a opção feita pelos governos que é satisfazer o mercado externo.
“Compreender a questão agrária no Brasil, um país que tem a história ligada ao processo de concentração fundiária, é compreender aquilo que funda nossa desigualdade. Todos os processos do aumento da miséria e da pobreza estão ligados ao não acesso à terra, seja ela de trabalho e vida ou só de trabalho. ”
Priscilla Silva
Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind