Terça, 05 Abril 2016 15:39

Conjuntura: defesa da democracia não pode ser confundida com a defesa do governo

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Sim, há uma situação em curso que não condiz com as regras democráticas para destituição do poder no Brasil. Não, não se trata da defesa de um governo que tem retirado direitos dos trabalhadores numa proporção nunca vista anteriormente. Nesse sentido, mas com importantes diferenças, caminharam as análises de conjuntura feitas pelos convidados pela Adufmat-Seção Sindical do ANDES-SN para debater a crise política do país nessa sexta-feira, 01/04.

 

Cinquenta e dois anos após o golpe militar de 1964, a angústia e o medo rondam os trabalhadores organizados em diversos movimentos sociais. A ofensiva na retirada de direitos, a crescente criminalização dos movimentos sociais, e a sombra de um Congresso Nacional dos mais conservadores desde a reabertura democrática do país assustam.    

 

É um debate difícil e dinâmico, que intriga, confunde e divide a população. De maneira geral, muitos identificam que as estratégias utilizadas para impedir a continuidade do governo Dilma Rousseff ferem os preceitos constitucionais. No entanto, é impossível analisar de maneira simplista e seguir em defesa de uma democracia que, muitas vezes, agiu violentamente contra os trabalhadores.

 

Que democracia é essa que defendemos? Para quem? Questionaram os professores Alair Silveira (Sociologia e Ciência Política) e Paulo Wescley Pinheiro (Serviço Social). Embora tenham participado de mesas diferentes, ambos avaliaram que a “democracia” defendida deve, antes de tudo, ser qualificada.   

 

No período da manhã, Pinheiro afirmou: “no dia da mentira, é preciso desvendar o teatro das sombras”. De acordo com o docente, nenhuma tentativa de compreensão dos fatos pode partir da mera descrição do imediato, pois o que se mostra na aparência, é diferente da essência. A própria “polarização” da população é aparente, ressaltou.

 

“A crise estrutural do capital exige que o Estado administre de determinada forma para manutenção do neoliberalismo, com a roupagem de ‘neodesenvolvimentismo’. E nesse momento, vários setores da elite disputam historicamente os projetos de gestão do Estado: liberais, conservadores, nacionalistas. É isso que está em jogo”, afirmou Pinheiro.

 

A classe trabalhadora, por sua vez, identifica suas demandas concretas e busca alternativas para elas. Nos momentos de crise, despolitizada e desorganizada, tende a acreditar em soluções imediatistas, muitas vezes expressas em posturas repressivas, moralistas e intolerantes de “salvadores da pátria” como o deputado Jair Bolsonaro.

 

E foi justamente esse papel de despolitizar e desorganizar os trabalhadores que o partido do governo federal desenvolveu nos últimos anos, segundo Pinheiro. Propondo e aprovando projetos em benefício da elite, contribuiu para esmorecimento e decepção da classe trabalhadora que apostou no próprio Lula como “pai salvador” em determinado momento. “Quando isso acontece a esquerda perde. O partido comunista pode até crescer, mas não na proporção do partido nazista”, disse o professor.

 

Na mesma mesa, o procurador e também professor da UFMT (Direito), Luiz Alberto Escaloppe, concordou com boa parte do que foi colocado por Pinheiro. Para ele, não há força popular no momento para mudar a situação, principalmente porque a única maneira que vislumbra para isso seria a ruptura com o modelo de atuação política.

 

Além disso, Scaloppe identificou nos brasileiros a manutenção e expressão de pensamentos que prejudicam avanços sociais. “É preciso entender essa mentalidade atrasada, esse comportamento excludente. Vejam como apontaram a população nordestina. Não são guetos. Boa parte da sociedade pensa assim”, afirmou.

 

Nessa perspectiva, o procurador acrescentou que a formação do pensamento de grande parte da população dificulta a compreensão de que lutamos todos contra inimigos comuns, dentre eles, os grandes veículos de comunicação.

 

 

 

Para o dirigente do MST, Antônio Carneiro, que participou do debate realizado a noite, os movimentos sociais precisam desenvolver novos mecanismos para dialogar com as bases. “Os trabalhadores do Brasil e do mundo estão perdendo direitos. Estamos com dificuldades para dialogar com as massas, e precisamos desenvolver novos instrumentos da luta de classes”. Até mesmo os espaços ocupados pelos grupos são fluidos agora: “a esquerda se viciou a fazer política por dentro do Estado, e as ruas agora são espaços de disputa também da direita”, definiu.

 

Em sua avaliação, esse é um momento de acirramento da luta de classes, e é preciso ocupar todos os espaços possíveis. “Nós identificamos dois blocos de atuação nesse momento: um bloco formado por neoliberais, empresários; e outro dos defensores do governo, formado por movimentos sociais”.  De acordo com o dirigente, a crise política tem o objetivo de derrotar o PT, que representa a esquerda no imaginário da população, além de desgastar a imagem do provável candidato da sigla nas eleições de 2018, o Lula.

 

Carneiro compreende que o ex-presidente poderá desenvolver um papel de conciliação da base do governo e reverter a crise, segurando Dilma Rousseff na Presidência até 2018. Mesmo assim, o projeto de poder da atual presidente teria ruído, na avaliação do MST. Além disso, a aproximação de Lula teria o papel de mobilizar. “É fundamental a mobilização da esquerda nesse momento, para não permitir um governo ainda mais à direita. A esquerda sempre teve suas diferenças, mas num momento como o atual, a união é fundamental para resistência e avanço na busca de uma sociedade mais justa e igualitária”, concluiu.

      

Apesar das ponderações pró-governo, Carneiro afirmou que a defesa da democracia encabeçada pelos movimentos sociais não é igual a defesa do governo petista, e também ressaltou que a luta deve ser pelo aprofundamento da democracia.

 

A professora Alair Silveira iniciou sua fala, também durante a noite, contextualizando a crise do Brasil dentro da América Latina. Segundo ela, no final da década de 1990, a partir da eleição de Hugo Chávez, na Venezuela, tem início a chamada “onda rosa”, em que governos passam a ser considerados de “esquerda” porque, atendendo a agenda neoliberal, desenvolvem políticas compensatórias.

 

“Esses governos, devido ao discurso de ‘ação no limite do possível’, enfrentam menos resistência popular. Eles retomam o papel do Estado, não numa perspectiva universalista, mas com políticas focalizadas para população vulnerável”, explicou a cientista política.

 

Nesse contexto, lideranças populares como Lula, advindas da classe trabalhadora, são toleradas pelo Capital, porque permitem mudanças constitucionais que os líderes provenientes da elite enfrentam muita resistência para realizar. Assim, quando não podem mais ser controladas por algum motivo, essas lideranças são retiradas do poder, também por meio de golpes.

 

Com registros de ações similares em países latinos como Honduras e Venezuela, as variáveis dessas disputas dependem também das mobilizações populares.   

 

Quanto a abordagem das crises econômicas estruturais, Silveira afirma que há um script seguido pelos países hermanos: com pessimismo e ressentimento, os discursos envolvem apelo à política da moral, desestabiliza os governos e polariza a opinião pública.  

 

No Brasil, avalia Silveira, a crise política tem início em 2013, com as jornadas de junho. Insatisfeitos com os reflexos dos cortes orçamentários já realizados naquele ano, a população foi às ruas exigir educação, saúde e transporte de qualidade, entre outros. Sem direção política, as pessoas recuaram e, ciosos por mudanças, elegeram, em 2014, um dos Congressos mais conservadores dos últimos 50 anos.

 

Mas o PT estaria colhendo, agora, o que plantou durante o seu governo. “O PT apostou no esvaziamento da discussão programática. Realizou campanhas polarizadas entre PT e PSDB. Em nome da governabilidade congressual, propôs e votou favorável a um conjunto de ataques violentos aos direitos trabalhistas e sindicais. Por isso, ao mesmo tempo em que ampliou sua base eleitoral em setores inorgânicos por meio das políticas focalizadas, perdeu apoio de importantes grupos de trabalhadores organizados”, disse a professora.  

 

Outras ações destacadas pela cientista política como prejudiciais aos trabalhadores, mas que identificam a opção política do PT pelo projeto neoliberal foram: investimento na economia de commodities em detrimento da industrialização (mais segura para os trabalhadores); crescimento do setor de serviços (um dos mais precarizados e mal remunerados); estímulo ao consumo e endividamento (incentivo de crédito consignado, inclusive com apoio da CUT); diretoria do BNDES sempre voltada para os interesses do Capital; aumento da dívida pública e a falta de compromisso com a realização da auditoria da dívida pública (que no Equador redirecionou 70% dos recursos públicos para benefício da população) e uma política tributária regressiva (quem ganha mais, paga menos e vice-versa).

 

Para concluir, Silveira afirmou que a imprensa e o Judiciário brasileiro nunca foram imparciais, cumprem papel seletivo e se utilizam de parcialidade escancarada com relação à crise política. “O problema é que esse sentimento anti-petismo está se tornando um sentimento anti-trabalhadores. E é isso que nos atinge e nos preocupa nesse processo”, afirmou.        

  

 

 

A crise, a democracia e a universidade

 

Durante suas exposições, debatedores utilizaram situações vivenciadas na universidade para exemplificar a qualidade da democracia que, acreditam, deve ser defendida.

 

A atual tentativa de alteração da Resolução 158/10 do CONSEPE, que orienta o trabalho docente na UFMT, e a atuação da Polícia Militar no Campus de Cuiabá no dia 28/03 foram dois pontos destacados pelos professores da universidade.

 

“Como é possível participar de uma Manifesto em defesa da Democracia, enviando as pressas uma sugestão de alteração da Resolução 158, sem debater com os principais interessados, e permitindo que a polícia agisse com truculência contra os estudantes dentro da universidade?”, questionou Alair Silveira.

 

Um novo golpe nos moldes de 1964?

 

Nenhum dos palestrantes trabalhou a possibilidade de um novo golpe militar empresarial como o que o Brasil sofreu em 1964.

 

No entanto, provocados durante o debate pelos participantes, os debatedores do período noturno comentaram o tema. Silveira admitiu que fica assustada diante das semelhanças entre os elementos identificados na crise atual, e os relatados por diversos autores acerca dos anos anteriores ao golpe militar vivenciado no Brasil.

 

Mas tanto Silveira quanto Carneiro avaliaram que um eventual golpe de Estado, no contexto atual, provavelmente não seguiria os moldes do que culminou na ditadura militar de 1964.

 

 

Confira as fotos na Galeria de Imagens abaixo. 

 

Os debates foram gravados e, nos próximos dias, estarão disponíveis para acesso no Canal da Adufmat-Ssind do youtube.

 

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind             

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