Aposentada da Receita Federal e militante do Instituto de Justiça Fiscal (IJF), a auditora fiscal Clair Hickmann foi a terceira convidada do Seminário Contrarreformas, organizado pelo Comando Local de Greve da Adufmat-Ssind. Ao debater Contrarreforma Tributária na última sexta-feira, 21/08, Hickmann afirmou que o sistema no Brasil é injusto, pois beneficia os mais ricos em detrimento dos mais pobres.
“Eu costumo dizer que o sistema tributário do Brasil é um Robin Hood ao contrário: tira dos pobres para dar aos ricos”, comentou a auditora que tem um extenso currículo de fiscalização à empresas e a políticos brasileiros.
Em sua análise, o sistema tributário poderia ser utilizado como instrumento para distribuição de renda e redução da desigualdade no país, o que seria possível, tanto no momento de tributar, quanto no momento de decidir onde o dinheiro recolhido será aplicado.
No entanto, a palestrante apresentou dados da Receita Federal que apontam um sistema tributário “regressivo”, isto é, concentrado nos serviços de bens e consumos, em que todos, independente de renda, contribuem igualmente. A tributação brasileira é aplicada da seguinte maneira: 18% sobre a renda; 51% sobre bens e serviços; 1,67% sobre transações financeiras; 3,93% sobre propriedade; 24,98 folha de salário.
Comparado aos países desenvolvidos, a carga tributária (valor arrecadado por meio de impostos e contribuições e dividido pelo PIB nacional) no Brasil é praticamente equivalente. Pagamos 35,95%, enquanto os países mais ricos têm média de 35,5%. Mas, de acordo com Hickmann, o retorno dos serviços públicos nesses países é maior e a tributação incide menos sobre o consumo do e mais sobre a propriedade e renda.
“Quando falamos da política de contribuição tributária estamos refletindo sobre quem paga a conta. É o trabalhador. Vamos comparar: em 2014, uma pessoa que ganhava até dois salários mínimos teve uma carga tributária equivalente a 48,8% de seu salário. Trabalhou 197 dias para pagar isso. No mesmo período, uma pessoa com renda acima de 30 salários, trabalhou 106 dias para pagar a carga tributária que representou cerca de 26% de sua renda. Ou seja, quanto menos se ganha, mais contribui com a carga tributária”, explicou a auditora.
Há, também, situações de isentos e não tributáveis. Aqueles que recebem rendimentos de capital, lucros e dividendos são isentos desde 1996. Antes havia tributação. Rendimentos de aplicações financeiras deduzem de 15 a 22% de tributos. Esses casos não estão inclusos no princípio de tabela progressiva (quanto maior o valor, maior as taxas), enquanto o rendimento do trabalhador está.
Também as remessas de lucros para o exterior estão isentas. Até 1995, eram tributadas em 15%.
“O Brasil poderia arrecadar R$ 85 bilhões, entre 2012 e 2015, só tributando as pessoas que não pagam”, afirmou.
Além disso, a auditora fez uma sólida exposição a respeito da evasão fiscal. Além da sonegação, há recursos legais que facilitam a evasão. Preço de transferência, ágio de incorporações, subcaptalização, round-trip e abuso de tratados são alguns desses mecanismos.
O Ágio, estabelecido no governo FHC pela Lei 9.532/97, visa beneficiar o processo de privatização, oferecendo às empresas a possibilidade de deduzir de seus lucros futuros, durante cinco anos, valores excedentes ao valor da empresa no ato de compra. No entanto, muitas empresas começaram a reorganizar suas estruturas societárias para gerar ágio fictício.
Também criada no governo FHC, a lei 9.249/95 beneficia as empresas com relação aos juros de capital próprio, na medida em que facilita a dedução do lucro tributável a apenas 15%. Assim, elas criam despesas fictícias para diminuir o valor do imposto de renda.
“Essa, nós chamamos de ‘jabuticaba tributária brasileira’. Só existe aqui. Se não existisse essa lei, este ano nós poderíamos arrecadar pelo menos mais R$ 15 bilhões.
Paraísos fiscais também são importantes portas de fuga de tributos. Grandes empresas, multinacionais e pessoas muito ricas transferem seus lucros para outro país onde são isentos ou pagam poucos impostos.
Há muitos paraísos fiscais e falta uma política internacional pra combater isso. Um estudo estadunidense estima que o estoque de recursos nos paraísos fiscais esteja entre U$ 21 e 32 trilhões, que representam cerca de ½ ou 1/3 do PIB mundial. Do Brasil, U$ 520 bilhões, mais de R$ 1 trilhão, ou ¼ do PIB brasileiro.
“Eu fiz um estudo para saber quais os países que mais compram commodities do Brasil. Ao contrário do que muitos pensam, a Suíça é o que mais adquire; depois, as Ilhas Cayman, dois paraísos fiscais. Só que a mercadoria não foi para esses países, foi para outro lugar. Mas a nota vai para o paraíso fiscal”, afirmou.
Algumas consequências desse movimento são: concentração cada vez maior de renda nas mãos dos investidores; prejuízos aos contribuintes nacionais; concorrência desleal entre as empresas; desvio de recursos importantes para a justiça fiscal e social.
O Brasil ocupa o 13º lugar em concentração de renda no ranking mundial.
Para a palestrante, divulgar e ampliar esse debate seriam alternativas para trabalhar no sentido contrário ao que está posto. “Temos de tributar mais sobre a renda, taxar bens como iates, helicópteros, que não pagam tributos como os carros. A propriedade no Brasil tributa 3, 3%, enquanto nos outros países a média é 5,8%. Isso é uma opção política! E a reforma tributária que o governo propõe fazer, e vem fazendo, não é o que a gente precisa para tornar esse processo mais justo”, garantiu.
Luana Soutos
Assessoria de Imprensa do Comando Local de Greve da Adufmat-Ssind.