“Fazer reforma na casa é muito bom, não é? É algo que está na referência da classe trabalhadora como uma coisa boa, bonita. Então chamar de Reforma de Estado é algo que não é despropositado para aqueles que encaminham as reformas. É justamente pra nos remeter a algo que é bom.”
A afirmação foi feita pela professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Sara Granemann, na última quarta-feira, 20/08. Na segunda palestra do Seminário Contrarreformas, a docente falou sobre como a Reforma Administrativa/do Estado tem por objetivo enxugar as despesas do Estado com políticas sociais, em benefício de grupos privados. Uma ação típica do estado neoliberal, que preconiza o “estado mínimo”.
Para contextualizar as ideias de Reforma e Contrarreforma Administrativa/ do Estado, a professora retomou a Europa pós Segunda Guerra Mundial, quando o Estado de Bem-estar Social começou a se estabelecer. De maneira diferente em cada país, os Estados começaram a garantir a maior quantidade possível de direitos aos trabalhadores, dentro do sistema capitalista.
No Brasil, segundo ela, essas ideias demoraram um pouco mais para ser implementadas. Somente em 1988, por meio de Reforma, os brasileiros conseguiram construir sua Constituição nessa perspectiva, que ficou conhecida como cidadã. “Essa foi uma reforma que nos levou a um patamar de direitos, muito rebaixado, mas que nós nunca tínhamos atingido antes. Não significa que tínhamos o Estado de Bem-estar Social, mas alguns direitos característicos dele. E essas garantias só foram estabelecidas pela luta dos trabalhadores. Não se chega, no modo de produção capitalista, a direito algum sem luta”, afirmou.
Mas foram apenas dois anos. Logo após a eleição de Collor as garantias de direitos inseridas na Constituição começaram a ser atacadas. Sua campanha trazia um elefante branco de costas, simbolizando o peso do Estado para justificar as futuras reformas. Foi em 1990 que veio a primeira Contrarreforma Administrativa: a Lei 8031, com o Programa Nacional de Desestatização, em que Collor pretendia privatizar 68 empresas públicas; 68 empresas que antes arrecadavam para o Estado e revertiam sua receita à população, passariam a dar lucro a pequenos grupos. Por isso, em vez de Reforma, Contrarreforma, porque não constrói, mas ataca direitos.
“Obviamente uma Contrarreforma é muito mais do que administração, mas não pode dizer: nós vamos entregar o fundo público, dinheiro resultante do imposto dos trabalhadores, para capitalistas. Ficaria feio e ficaria difícil de fazer. Então se chama Reforma do Estado, porque parece científico, parece tema de Administração, Gestão [...] é uma expressão ideopolítica para que a gente não perceba do que se trata”, comentou a professora.
Collor não conseguiu realizar sua “Reforma” na íntegra porque sofreu impedimento. Mas Fernando Henrique Cardoso deu continuidade ao plano e em 1995, e tivemos a segunda proposta de Contrarreforma, nomeada Reforma de Gestão Pública. Assim, instituiu-se um modelo de privatização indireta, transformando instituições estatais em empresas por ações. Foi o caso do Branco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Petrobrás.
Nesse processo de Reforma Administrativa, também houve abertura para o que Granemann chamou de “serviços sociais competitivos”, onde a ideia é que saúde, educação, previdência, isto é, garantias sociais da competência do Estado possam ser, também, oferecidas por empresas privadas. Um exemplo disso seria a substituição de estruturas de assistência estudantil que garantam moradia e alimentação, por distribuição de bolsas para que o estudante compre esses serviços. Nesse sentido, a docente destacou a relação que o atual governo federal tem com relação as políticas sociais: monetarizadas e financeirizadas.
Para Granemann, esses serviços seriam, inclusive, motivos das crises do capital, como a que enfrentamos no momento. “Os serviços sociais competitivos são vendidos como mercadoria para que sejam consumidos e a crise do capital é justamente isso, uma produção maior de mercadoria do que se pode consumir”, disse.
Em momentos de crise, de acordo com a professora, a disputa pelo fundo público fica ainda maior. A professora analisa que, sem o Estado, as empresas não conseguiriam superá-las. Por isso, esse ano, enquanto mais de R$ 10 bilhões foram retirados da educação pública, cerca de R$ 17 bilhões foram investidos no ensino superior privado, por meio do Fies.
“Reforma Administrativa é corte. Nós chamamos Contrarreforma porque as expressões têm de ser substituídas pra que renovem o convencimento. Mas esta é Reforma do Estado. Essa é a Reforma Administrativa. É essa a razão de se contrarreformar: liberar a riqueza imensa produzida pelos trabalhadores no Brasil para os capitais, e menos para o trabalho. Reforma Administrativa, política de austeridade, ajuste fiscal, é a mesma coisa. Precisa mudar o nome pra convencer que é algo novo”, concluiu a professora.
Luana Soutos
Assessoria de Imprensa do Comando Local de Greve da Adufmat-Ssind