A Câmara dos Deputados aprovou, na última quarta-feira (16), o regime de urgência para o Projeto de Lei (PL) 8262/2017, que autoriza o uso da força policial para a retirada de ocupações em propriedades privadas sem necessidade de decisão judicial. O texto, defendido pela bancada ruralista, altera o artigo do Código Civil para permitir que o suposto proprietário acione diretamente a polícia, bastando apresentar a escritura pública do imóvel.

O presidente da Casa, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), não informou quando o PL será incluído na pauta de votações. Entretanto, como tramita em regime de urgência, a proposta pode ser votada a qualquer momento no plenário.
O projeto é considerado uma grave ameaça ao direito constitucional à moradia e ao direito à posse, ao permitir a atuação imediata da polícia sem o crivo do Judiciário. Além disso, o PL fragiliza o devido processo legal e abre caminho para a criminalização de ocupações urbanas e rurais, atingindo diretamente comunidades em situação de vulnerabilidade e movimentos sociais que lutam pelo acesso à terra e à moradia digna. O texto tramita em conjunto com outras 24 proposições de teor semelhante.
O PL 8262/2017 propõe mudanças também no Código Penal, para endurecer penas contra ocupações, de um a quatro anos e multa para quem “invadir, ocupar ou permanecer de forma não autorizada em terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório ou para reivindicar qualquer ação ou inação do Estado”.
De acordo com Fernanda Maria Vieira, secretária-geral do ANDES-SN e encarregada de Assuntos Jurídicos do sindicato, o PL e a aprovação do seu regime de urgência deixaram evidente a ofensiva do agronegócio no Congresso Nacional contra os princípios garantidos pela Constituição de 1988. “Os riscos são enormes. Há uma inversão no que o PL apresenta. Parte do pressuposto de que apenas o título bastaria para legitimar a posse, mas não é isso o que nossa legislação estabelece. Tanto o Código Civil quanto o Código Processual Civil, que regula as ações possessórias, entendem que a disputa pela posse envolve elementos que não podem ser restritos ao título de propriedade”, disse.
Para a diretora do ANDES-SN, este é “mais um abissal ataque à Constituição da República de 1988, que determina como elemento fundamental à propriedade e à posse a sua função social, algo que não pode ser verificado com base em títulos de propriedades. É um PL flagrantemente inconstitucional e faz parte da reação do agro no Congresso, que tenta desmobilizar as conquistas da nossa Carta Magna, especialmente a noção de função social”, apontou.
Segundo Fernanda Maria, uma das gravidades da proposição é a transferência de poder de atuação do Sistema de Justiça para a iniciativa privada. “Se nos lembrarmos que estamos em um país construído pelas fraudes dos registros, desde o momento em que a lei 601 de 1850 estabeleceu a compra e venda como modelo aquisitivo e a criação do sistema cartorial como validade dos registros – vinculados nesse momento à elite agrária -, significa um retrocesso sem precedentes, pois coloca a autotutela do setor privado”, criticou.
A encarregada de Assuntos Jurídicos destacou ainda que o projeto destrói a atuação do Judiciário em disputas possessórias, o que abre margem para que a polícia se transforme em instrumento de coerção a serviço de interesses privados. “O Judiciário não terá mais razão de atuar nesses casos. A ação policial será direta, violenta, e colocará servidores públicos — os integrantes do setor da segurança pública — a serviço de interesses privados. Isso significa institucionalizar milícias rurais e urbanas para defender uma suposta propriedade, ainda que falsa e mesmo ilegítima”, denunciou.
No contexto urbano, os efeitos do PL podem ser ainda mais devastadores. Cidades com altos déficits habitacionais e grande número de imóveis abandonados seriam palco de despejos sumários e aumento da violência institucional.
“A luta pela garantia do direito à moradia será inviabilizada pela ação da polícia, que estará a serviço do setor privado (ainda que não proprietário) permitindo uma intervenção na ordem urbana, não a partir de diretrizes do plano diretor construído pela participação da sociedade civil, mas apenas pela movimentação de indivíduos e interesses econômicos, que se valerão da força policial para proteção desses seus interesses, que podem nem ser lícitos”, alertou a secretária-geral do ANDES-SN.
A docente também chamou atenção para outro aspecto alarmante do projeto: a imposição de punições a agentes da segurança pública que se recusarem a agir. “O PL não está permitindo essa arbitragem da polícia, ele está exigindo a atuação da polícia”, ressaltou.
PL da Devastação
A aprovação da urgência para o PL 8262/17 soma-se a outras iniciativas do atual Congresso Nacional que atacam direitos da classe trabalhadora e da população mais pobre. Horas depois a aprovação do regime de urgência, a Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada do dia 17 de julho, o PL 2159/2021, chamado de PL da Devastação, que altera normas e diretrizes gerais para o licenciamento ambiental em todo o país.
“Não nos admira que o atual Congresso tenha aprovado urgência para esse PL, o mesmo Congresso que quer manter jornadas ostensivas indo contra a redução da jornada 6x1, o mesmo Congresso que aprovou o PL da Devastação, um Congresso que representa os interesses do agronegócio e da bancada da (in)segurança pública, definitivamente um Congresso contra trabalhadores e trabalhadoras, um Congresso dos ricos!”, concluiu a diretora do Sindicato Nacional.
Fonte: Andes-SN