Declaração de Mauro Mendes sobre impossibilidade do retaludamento é atestado de irresponsabilidade e confirma alertas da sociedade civil há mais de um ano.
Foto: Mario Friedlander
O negacionismo científico e interesses econômicos do governo de Mato Grosso para seguir com as obras (que nunca foram emergenciais), no Portão do Inferno, na MT-251, no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, chegaram ao limite. Na semana em que a licença ambiental das obras perde sua validade, o próprio governador Mauro Mendes reconheceu a ausência de estudos técnicos conclusivos para realização dos serviços. Apesar disso, o governo solicitou a renovação da licença ao Ibama. A pergunta que fica é: como renovar a licença ambiental de uma obra sem respaldo técnico?
“Foi identificado em um estudo mais geológico, mais profundo, algumas inconsistências nos estudos iniciais. O projeto entrou em uma fase de revisão da solução inicial e não tenho ainda resposta definitiva dos técnicos, isso já tem alguns meses. É uma solução bastante complexa. Estudos iniciais mostraram uma grande dificuldade, quase impossibilidade de seguir naquela rota inicial”, afirmou o governador Mauro Mendes, em entrevista coletiva nesta terça-feira (24).
Para o secretário executivo do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad) Herman Oliveira, a fala de Mendes atesta o que a sociedade civil, cientistas e pesquisadores alertam há mais de um ano. “A declaração demonstra que a sociedade civil, amparada pela ciência, sempre esteve certa e que tanto a Sinfra-MT quanto os agentes contratados ignoraram isso. Como assim descobriram a inviabilidade da proposta já licenciada só após o início das intervenções? E, tudo isso, com dinheiro público sendo gasto. Esta é uma obra que sequer comprovou sua natureza emergencial, sem a realização de estudos concretos, que excluiu a participação da sociedade civil e sem previsão de compensação por danos à população. Há um ano alertamos sobre isso e, mais uma vez, a postura do governo de Mato Grosso é negacionista. Fica a lição da importância de se ouvir a população para construir conjunta e democraticamente os caminhos para o desenvolvimento social e ambiental”, avalia.
O Formad está entre as organizações da sociedade civil que alertam sobre os riscos de uma intervenção das proporções que o retaludamento, alternativa escolhida pela gestão estadual, pode levar para a região. Em setembro de 2024, uma Ação Civil Pública foi ajuizada com o pedido cautelar para suspensão das licenças e obras no local até que seja feita uma perícia para atestar a condição emergencial das atividades. Mas o juiz federal de Mato Grosso, Diogo Negrisoli Oliveira, negou o pedido sob o argumento de que a paralisação das obras causaria prejuízos ao erário. O caso está agora aguardando análise no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília (DF).
Só que prejuízos ao erário é o que essa obra feita de modo irresponsável já provocou. Com o contrato assinado no valor de R$ 29,5 milhões, o retaludamento (corte do morro) já soma aditivos na casa de R$ 8 milhões, alcançando cerca de R$ 37,6 milhões. De acordo com dados consultados na Secretaria de Estado de Infraestrutura (Sinfra-MT), o estágio dos serviços executados pela empresa Lotufo Engenharia e Construções está em 26,42%, já tendo sido pago o montante de R$ 9.387.347,64. A contratação, é válido lembrar, foi feita em regime de dispensa de licitação três meses antes da licença ambiental ser autorizada pelo Ibama.
Obra já teve 1/3 do valor total pago
Analisando o último relatório de medição das obras (05 de junho), disponível no site da Sinfra-MT, quase metade do valor pago pelo governo de Mato Grosso a Lotufo Engenharia e Construções, ou seja, R$ 4,8 milhões, diz respeito ao item “Serviços preliminares”, que incluem a instalação de canteiros de obras, barreiras dinâmicas, disponibilização de veículos pesados (caminhão pipa, pá carregadeira), implantação de tela e a montagem de escoramento metálico. Cerca de R$ 3 milhões foram gastos com a administração local e quase R$ 1,5 milhão com serviços de terraplanagem.
Apesar da declaração do governador Mauro Mendes sobre a ausência de estudos técnicos para a execução das obras, chama a atenção o pedido feito pelo Executivo estadual para que, ainda assim, a licença de instalação seja renovada. Emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a permissão para os serviços é válida até 28 de junho. Entidades do campo socioambiental e moradores de Chapada dos Guimarães, que vêm sofrendo com os impactos das intervenções, bloqueios e interdições no tráfego na MT-251, discordam da continuidade desta obra. Pedem que seja iniciado um novo processo de licenciamento, sob novos estudos e com novo projeto menos impactante ao parque nacional e à população, como revelado no documentário “Portão do Inferno: patrimônio em risco”, de Dafne Spolti e Laércio Miranda.
Para representantes da sociedade civil organizada do estado há alternativas que garantem a segurança da MT-251, com a manutenção de um patrimônio como o Parque Nacional de Chapada dos Guimarães, e sua memória geológica, cultural, ambiental e o potencial turístico. “Este é um bom exemplo de como o licenciamento ambiental trifásico, que querem destruir no Congresso com o PL da Devastação, fez falta. Chapada dos Guimarães mostra para o país que confiar só nas boas intenções dos empreendedores não garante sucesso e não evita impactos. Pelo contrário. A lei que define o licenciamento ambiental, com direito a estudos profundos e discussão com a sociedade civil ainda é a principal ferramenta capaz de indicar qual projeto é ambiental e socialmente viável de fato”, reforça Andreia Fanzeres, da Operação Amazônia Nativa (OPAN), uma das organizações coordenadoras do Formad.
No mês passado, o Senado aprovou o PL 2159/21, chamado de PL da Devastação e que permite um afrouxamento nas políticas de licenciamento ambiental no país. Entre os itens mais polêmicos estão a dispensa de licenças em determinados casos, a possibilidade de autodeclaração e o enfraquecimento da proteção a comunidades e povos tradicionais. Representando o estado de Mato Grosso, os três senadores da Casa, Jayme Campos (União), Margareth Buzetti (PSD) e Wellington Fagundes (PL) votaram a favor da proposta.
Retaludamento: como continuar?
De forma açodada, a obra de retaludamento no morro do Portão do Inferno foi contratada em março de 2024, teve a licença em junho, prometeu estar finalizada em 120 dias, ou seja, em outubro do ano passado. E, desde então, a população enfrenta falta de transporte público, interrupções repentinas sem aviso prévio no tráfego na rodovia, e limitação no trânsito de caminhões que encarece fretes e a economia local de forma substancial. No site da Sinfra-MT, de acordo com a última medição, o prazo atualizado para a entrega dos serviços ficou para o segundo semestre de 2025, sem definição de qual mês. A pergunta final é: sem conclusão de estudos técnicos, com o reconhecimento do próprio governador quanto à impossibilidade de seguir com o retaludamento, esse prazo ainda faz sentido?
Fonte: Formad