Segunda, 07 Outubro 2024 10:05

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Por Danilo de Souza*
 

 

            O cobalto é um dos minerais críticos para a transição energética, desempenhando um papel fundamental na produção de baterias de íons de lítio, utilizadas em veículos elétricos (EVs) e sistemas de armazenamento de energia, como smartphones, notebooks e outros eletrônicos portáteis com baterias. Com o avanço da transição para fontes e usos finais em tecnologias de baixo carbono, o cobalto teve uma ressignificação como um dos principais componentes na transformação global do setor energético. A demanda por esse mineral está crescendo rapidamente, impulsionada pela necessidade de eletrificação de setores que anteriormente dependiam de combustíveis fósseis, especialmente o transporte e a geração de energia elétrica.
           De acordo com o relatório da Agência Internacional de Energia (IEA), as baterias de íons de lítio (já discutimos anteriormente nesta coluna) são amplamente utilizadas devido à sua alta densidade de energia, longevidade e desempenho, características fortemente influenciadas pelo cobalto. Ele é fundamental para melhorar a estabilidade térmica e a capacidade das baterias, o que permite o armazenamento eficiente de grandes quantidades de energia. As baterias que utilizam cobalto como elemento principal, como aquelas com química NMC (níquel, manganês e cobalto), são consideradas essenciais para sustentar a transição energética global.
           Vale lembrar que o aumento da produção de veículos elétricos é um dos maiores responsáveis pelo crescimento da demanda por cobalto. Conforme o mercado de EVs cresce, as expectativas são de que a demanda por cobalto se amplie de forma significativa nas próximas décadas. A IEA destaca que, até 2040, a demanda por cobalto pode ser até 25 vezes maior que os níveis atuais, dependendo do cenário de transição energética adotado. Além disso, o cobalto é essencial não apenas para o setor de transportes, mas também para o armazenamento de energia em larga escala, que se torna cada vez mais necessário à medida que fontes intermitentes de energia, como solar e eólica, se expandem​.
           Os números indicam que, para atender às metas climáticas (o que vem se desenhando como um grande desafio), a demanda por minerais como o cobalto deverá crescer exponencialmente. A transição energética para um futuro de baixa emissão (emissões líquidas zero é cenário que, conforme já discutimos, está bastante distante do que temos atualmente) requer o uso maciço de baterias e tecnologias de armazenamento de energia, que dependem de cobalto, níquel e outros minerais críticos.
           De se destacar que um dos maiores desafios em torno do uso do cobalto é sua produção altamente concentrada. Mais de 60% do cobalto global é extraído na República Democrática do Congo (RDC), o que gera preocupações em termos de segurança de fornecimento, transparência e condições de trabalho. Ademais, o processamento do cobalto é amplamente dominado pela China, que controla mais de 70% da capacidade global de refino do mineral. Essa concentração suscita incertezas, pois crises políticas, sanções econômicas ou barreiras comerciais podem facilmente interromper a cadeia de fornecimento.

A extração de cobalto na RDC está profundamente enraizada em abusos dos direitos humanos, incluindo trabalho infantil, mortes não declaradas, e condições desumanas para os trabalhadores, como exposto no livro Cobalt Red, do pesquisador Siddharth Kara. Trabalhadores artesanais, incluindo crianças, escavam o mineral essencial para baterias de dispositivos eletrônicos portáteis, muitas vezes com as mãos nuas, sem equipamentos de proteção adequados e expostos a toxinas perigosas. O impacto na saúde é devastador, com relatos de abortos espontâneos, doenças respiratórias e até mortes, frequentemente não documentadas. As grandes empresas de tecnologia, embora afirmem adotar práticas responsáveis, são involuntariamente cúmplices desse sistema, já que o cobalto extraído sob tais condições flui para as cadeias de suprimento globais.
           Apesar de esforços como a Global Battery Alliance e a Responsible Minerals Initiative, as condições de mineração permanecem perigosas, com mineradores enfrentando colapsos de túneis, agressões físicas e sexuais, e vivendo em extrema pobreza. Kara destaca que, sem uma ação urgente para melhorar as condições de trabalho e a formalização do setor de mineração artesanal, a exploração e destruição ambiental continuarão a prejudicar o povo congolês.
           O mercado global de cobalto também está sujeito a grandes variações de preço, o que pode afetar o custo de produção de baterias. Nos últimos anos, o preço do cobalto tem mostrado volatilidade significativa, impulsionado principalmente por flutuações na oferta e por incertezas em relação ao controle das reservas no Congo e nas políticas de exportação chinesas. Portanto, é fundamental que países importadores, como Estados Unidos e membros da União Europeia, bem como os países em desenvolvimento do BRICS, invistam em estratégias para mitigar essa dependência, incluindo pesquisas para descobertas de novas reservas e a reciclagem de baterias usadas.
           Atualmente, a taxa de reciclagem do cobalto ainda é baixa em comparação a outros metais como o alumínio e o cobre. No entanto, com a crescente quantidade de baterias de veículos elétricos que atingem o final de sua vida útil, a reciclagem de cobalto deverá se tornar um componente fundamental para atender à demanda futura de forma sustentável. A reciclagem de cobalto no contexto da economia circular e outros minerais essenciais pode reduzir a necessidade de novas explorações em até 10% até 2040, aliviando parte da pressão sobre os recursos naturais e mitigando o impacto ambiental da mineração​​. Além disso, as pesquisas sobre novas tecnologias de baterias estão explorando maneiras de reduzir a quantidade de cobalto necessária sem comprometer o desempenho. Químicas alternativas, como o desenvolvimento de baterias com maior proporção de níquel ou que utilizam outros materiais, estão em fase de desenvolvimento, mas ainda não são viáveis em larga escala.

Outro aspecto importante do cobalto é o impacto ambiental de sua extração e processamento. Sua mineração tem sido associada a uma série de problemas ambientais, incluindo contaminação da água, desmatamento e altos níveis de emissões de carbono devido aos métodos de processamento. À medida que a demanda por cobalto aumenta, cresce também a pressão para que o setor se torne mais sustentável e adote práticas de processamento de baixo carbono. Iniciativas nas operações de mineração para reduzir o consumo de água e minimizar os resíduos devem ser o foco nos próximos anos.
           Nessa perspectiva, o cobalto desempenha um papel central na transição para um sistema energético de baixo carbono. Sua importância no armazenamento de energia e na eletrificação do transporte o coloca como um mineral estratégico para a mitigação das mudanças climáticas. No entanto, a dependência de fontes concentradas de fornecimento, os desafios ambientais e as limitações tecnológicas sugerem que serão necessárias grandes mudanças tanto no fornecimento quanto no consumo de cobalto. A reciclagem e a inovação tecnológica serão fundamentais para garantir que o cobalto continue a contribuir para a transição energética para uma matriz primária e usos finais de baixo carbono no ciclo de vida completo, ao mesmo tempo que a governança e os cuidados com o ambiente devem ser intensificados para reduzir os impactos negativos associados à extração e processamento desse mineral.

OBS: Coluna publicada mensalmente na revista - "O Setor Elétrico".

*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

 

Terça, 06 Agosto 2024 17:12

 

 

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Prof. Danilo de Souza*
 

 

            A ideia de transição energética que vem sendo construída, como processo crucial para mitigar as mudanças climáticas, depende fortemente de minerais estratégicos, entre os quais o cobre tem importância vital. Sua relevância é evidenciada pelo seu papel fundamental em diversas aplicações.
            De forma particular, o cobre exerce uma função importante em instalações elétricas de baixa tensão, devido à sua excepcional condutividade elétrica, superando o alumínio em cerca de 40% e ficando atrás apenas da prata. Além disso, suas propriedades, como alta maleabilidade, excelente ductilidade, grande durabilidade e alta resistência à corrosão, e custo acessível (quando comparado à prata) o tornam  indispensável em várias indústrias de transformação.
            Conforme ilustrado, o cobre é um elemento crítico para muitas tecnologias de energia que podem ser consideradas menos impactantes quando analisado o ciclo de vida. Em especial, ele tem uma importância alta para redes elétricas, veículos elétricos e sistemas de armazenamento de baterias, e uma relevância moderada para tecnologias como energia solar fotovoltaica, eólica e hidroelétrica. A diversidade de aplicações e a alta demanda para tecnologias emergentes reforçam ainda mais a sua importância. Dessa forma, esse metal torna-se essencial para a implementação e expansão das infraestruturas de produção/conversão de sistemas energéticos e os seus finais, sendo fundamental na transição energética para sistemas de baixo carbono.

            Vale lembrar que o cobre também está presente em tubos de condução de água, sistemas de aquecimento, refrigeração, telhas e placas da construção civil. Além disso, é amplamente utilizado explorando sua capacidade de condução eficiente de calor, reduzindo as perdas e contribuindo para eficiência energética de sistemas térmicos.
            Destaca-se ainda como matéria-prima essencial em diversas indústrias de transformação, sendo utilizado na fabricação de panelas, tubulações para aparelhos de ar-condicionado, encanamentos, estátuas, medalhas, adornos, eletroímãs, magnetrons de micro-ondas, motores elétricos, transformadores elétricos, interruptores e relés, tubos de vácuo e na cunhagem de moedas, entre outros. Por essa razão, a  previsão é que a demanda pelo metal aumentará entre 24% e 45% até 2040.​
            No contexto residencial, a eletrificação das coisas está transformando diversos aspectos do cotidiano, aumentando significativamente o uso de cobre. Sistemas de aquecimento, ventilação e ar-condicionado (HVAC) estão cada vez mais adotando tecnologias elétricas mais eficientes, como as bombas de calor elétricas, que utilizam cobre em seus sistemas de tubulação e unidades de condensação devido à sua excelente condutividade térmica e elétrica. Eletrodomésticos modernos, como geladeiras, máquinas de lavar, fornos elétricos e secadoras, dependem fortemente de componentes de cobre em seus motores elétricos, e o aumento da eficiência desses equipamentos passa pelo incremento da massa de cobre nos condutores internos. A instalação de painéis solares em residências também está se tornando mais comum, e o cobre é amplamente utilizado nos seus cabos e sistemas de conexão, facilitando a transmissão eficiente de energia solar gerada para uso doméstico.

 

            Adicionalmente, o cobre é um componente essêncial em ligas metálicas populares, como o latão, que é uma combinação de cobre e zinco, e o bronze, que é composto de cobre e estanho.  Existem evidências de que o cobre foi o primeiro metal trabalhado pelo Homo sapiens. A transição da Idade da Pedra Polida para a Idade do Bronze foi marcada pela substituição das ferramentas de pedra por aquelas feitas de cobre e suas ligas, dando início a um novo período histórico.
            De se notar que o cobre desempenha um papel estratégico na intensificação da industrialização. Recentemente, tornou-se um insumo essencial no avanço da mobilidade elétrica. Motores de combustão interna utilizam, em média, 25 quilos de cobre, enquanto carros híbridos utilizam cerca de 40 quilos, e veículos totalmente elétricos podem requerer até 70 quilos. Esse aumento na demanda motivou que o preço do minério subisse drasticamente nos últimos anos, passando de 4,4 USD/kg em março de 2020 para 11 USD/kg em março de 2022.
            No mesmo período, o dólar também se valorizou, subindo de R$ 4,8 para R$ 5,4, e nos últimos 20 anos, a moeda norte-americana teve um incremento de mais de 300% em relação ao real. Esse cenário resultou em um aumento significativo do preço do cobre no mercado brasileiro, que passou de R$ 28.000,00/tonelada para R$ 52.000,00/tonelada. Esse fator contribuiu para a alta nos casos de furto do metal, que tem crescido nos últimos anos.
            Historicamente, o Chile tem sido o maior produtor de cobre do mundo, representando cerca de 30% da produção global. Apesar de sua proximidade geográfica com o Brasil, o Chile tem a China como seu principal mercado consumidor. Isso se deve não apenas ao voraz apetite chinês por commodities, mas também à rota marítima facilitada pelo Oceano Pacífico.

 

            O "Corredor Minero" é uma importante região de mineração no Peru, conhecida por concentrar diversas operações de extração de minerais, especialmente cobre. Existem graves denúncias de violações de direitos humanos e impactos ambientais severos associados à mineração na região. As comunidades locais têm sofrido com a contaminação de recursos hídricos, além de enfrentarem conflitos com empresas mineradoras devido à falta de consulta e compensação considerada justa.
            A extração e o processamento do cobre requerem grandes volumes de água, o que se torna um problema crítico em regiões áridas e semiáridas onde muitas das minas estão localizadas, como no Chile e no Peru. Além disso, a diminuição da qualidade do minério de cobre implica a necessidade de processar maiores volumes de rocha para obter a mesma quantidade de metal, o que aumenta a geração de resíduos e eleva o consumo de energia e as emissões de gases de efeito estufa. A gestão inadequada de resíduos, incluindo a contenção de elementos perigosos como o arsênio, pode causar contaminação de solo e água, afetando negativamente as comunidades locais e os ecossistemas.
            O processo de descoberta e implementação de novas jazidas de cobre é geralmente lento, podendo levar mais de uma década, especialmente em grandes minerações. Esse período inclui pesquisa geológica, identificação e estruturação da jazida. Mesmo com a descoberta de boas jazidas, tornar um local produtivo pode demorar anos. Tem-se como exemplo o caso de Aripuanã-MT, onde um depósito de cobre conhecido desde a década de 1990 só agora está entrando em operação. Além disso, há o desafio geológico da escassez de depósitos naturais de cobre, pois os superdepósitos estão se esgotando e os novos geralmente têm menor teor de cobre e são menores, aumentando o custo de extração.
            Paradoxalmente, o cobre é encontrado em alguns dos países de média e baixa renda, menos industrializados, que, no entanto, estão entre os mais vulneráveis às mudanças climáticas. Nações como a República Democrática do Congo e a Zâmbia, que possuem significativas reservas de cobre, enfrentam desafios econômicos e sociais profundos, agravados pelos impactos ambientais e climáticos, como secas e inundações. Além disso, a alta concentração de atividades de mineração em áreas ecologicamente sensíveis eleva o risco de degradação ambiental, intensificando ainda mais os efeitos adversos das mudanças climáticas nessas regiões.
            Nesse contexto, o papel estratégico do cobre na transição energética é inegável, destacando-se como um mineral necessário para a ampliação dos sistemas de baixo carbono. Sua ampla aplicação, que abrange desde a infraestrutura elétrica até veículos elétricos, reflete sua importância em diversas indústrias. A crescente demanda por cobre, impulsionada pelo avanço tecnológico, também evidencia a necessidade de se compreenderem os desafios ambientais e geopolíticos relacionados à sua extração e processamento.


*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

 

Terça, 25 Junho 2024 14:41

 

 

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Por Danilo de Souza*

 
Nesta coluna, exploramos o papel crucial do lítio na transição energética. Considerado um mineral essencial para a transição energética, é utilizado principalmente fabricação de baterias, especialmente para veículos elétricos e para armazenamento estacionário de energia. Abordamos aqui o panorama da extração do lítio no Brasil, onde o mineral é encontrado em áreas como o Vale do Jequitinhonha, e discutimos a distribuição global das reservas, majoritariamente localizadas na China, Austrália e Chile. Além disso, são examinados os desafios ambientais e sociais relacionados à extração do lítio, bem como as características e benefícios das baterias de íon-lítio, essenciais para a evolução tecnológica e sustentabilidade energética.


 

Aproximadamente 90% do lítio mundial produzido provém da China, Austrália e Chile. A Bolívia, individualmente, possui uma das maiores reservas globais de lítio, mas enfrenta limitações de produção, tornando-se um ponto de disputa entre empresas chinesas e estadunidenses. Cerca de 75% das reservas mundiais conhecidas de lítio estão localizadas no Triângulo Andino, que abrange o Salar de Atacama, no Chile, o Salar de Uyuni, na Bolívia, e as Salinas Grandes, na Argentina.

No caso brasileiro, pode ser extraído de espodumênio em áreas como o Vale do Jequitinhonha e a província de Borborema, onde o mineral encontrado é de alta pureza. Além das baterias, o lítio é usado na produção de cerâmicas, vidros, lubrificantes e nas indústrias elétrica, eletrônica, farmacêutica e metalúrgica.

No Chile, a extração de lítio a partir de salinas, bombeando salmoura para a superfície, tem reduzido os níveis de água em uma região dos Andes já afetada recentemente por uma seca extrema, prejudicando a agricultura e a pecuária locais. Na China, a mineração de lítio na região de Yichun, responsável por 12% da produção mundial, foi suspensa em dezembro de 2022 devido à contaminação do rio que fornece água para várias cidades. Portugal registrou em 2022 e 2023 dezenas de protestos contra a prospecção de lítio em diversas aldeias do país.


De se destacar que as técnicas de extração de lítio de rochas, salmouras e argilas evoluíram pouco desde o século passado, e ainda dependem de processos mecânicos e químicos caros que demandam grandes quantidades de energia e água. Para extrair lítio, os minérios rochosos precisam ser aquecidos a até 1.100 °C e, em seguida, tratados com ácido a 250 °C. Depois, passam por seis reações químicas adicionais que requerem mais calor, reagentes e água. Dependendo da matéria-prima, a produção de uma tonelada de lítio consome 70 mil litros de água e emite entre 3 e 17 toneladas de dióxido de carbono – de 2 a 11 vezes mais do que a produção de uma tonelada de aço. Além disso, produz os resíduos do processamento acumulados em lagoas de evaporação, que contêm metais pesados como arsênio, tálio e cromo, bem como urânio e tório, que são elementos radioativos naturais encontrados nos minérios de lítio.

Em usos de armazenamento de energia, o lítio é fundamental para a produção da bateria de íon lítio, as atuais no mercado, que conseguem armazenar a maior quantidade de energia em um menor volume. O que nos faz voltar mais uma vez nesta coluna à noção-chave desta nossa trajetória – a densidade energética.

As baterias de íon-lítio se destacam em várias características cruciais. Com alta densidade energética, elas armazenam mais energia por unidade de volume e peso, prolongando o tempo de uso entre recargas e permitindo designs mais compactos e leves. Elas também possuem um ciclo de vida longo, oferecendo mais ciclos de carga e descarga antes de uma queda significativa na capacidade, o que resulta em maior durabilidade e economia.

Atualmente existe um esforço de pesquisa para mitigar os riscos de incêndio e explosão das baterias de íon de lítio. As taxas rápidas de carga e descarga dessas baterias são ideais para veículos elétricos e dispositivos que demandam alta potência instantânea. Além disso, elas têm alta eficiência energética, perdendo menos energia em forma de calor, e operam eficientemente em uma ampla faixa de temperaturas. A baixa taxa de autodescarga é especialmente útil para dispositivos de backup e armazenamento de energia, enquanto o custo, embora ainda significativo, tem diminuído com o avanço da tecnologia.


O Gráfico de Ragone é uma ferramenta importante para comparar o desempenho de diferentes tecnologias de armazenamento de energia, plotando a densidade de energia versus a densidade de potência. Este gráfico ilustra como as baterias de íon-lítio se destacam ao oferecer uma combinação excepcional de alta densidade energética e densidade de potência. Enquanto algumas tecnologias de armazenamento, como as baterias de chumbo-ácido, podem fornecer alta densidade de potência, elas falham em densidade energética, resultando em menor duração. As baterias de íon-lítio, por outro lado, equilibram eficientemente ambos os aspectos, proporcionando longa duração e capacidade de fornecer energia rapidamente quando necessário. Isso as torna ideais para uma ampla gama de aplicações, desde dispositivos eletrônicos portáteis, dos quais esta sociedade é cada vez mais dependente, até veículos elétricos e sistemas de armazenamento de energia em larga escala no contexto da tentativa de transição das fontes de estoque (carvão, petróleo e gás), para as fontes de fluxo que são intermitentes (eólica, solar, etc.) e, em alguns casos, precisam de complementariedade pelo armazenamento.

Assim, embora o lítio seja um elemento vital para a transição energética, impulsionando avanços significativos na tecnologia de baterias e contribuindo para a sustentabilidade, é essencial refletir criticamente sobre os desafios e impactos associados à sua extração e uso. A transição energética não é um caminho simples; continuamos a depender de minerais estratégicos como o lítio, cuja distribuição na crosta terrestre é desigual. Essa desigualdade perpetua questões geopolíticas complexas, já que poucos países controlam a maior parte das reservas globais, o que pode levar a tensões e disputas econômicas e políticas. Além disso, a exploração do lítio enfrenta questões ambientais e sociais significativas, como a possibilidade de degradação dos recursos hídricos, a contaminação ambiental e os conflitos locais. A dependência de técnicas de extração intensivas em energia e água levanta preocupações sobre a sustentabilidade a longo prazo desse mineral, e a necessidade de desenvolvimento de rotas de reciclagem eficientes. Portanto, é imperativo também que nos empenhemos em desenvolver métodos de extração e processamento eficientes e menos impactantes, e em explorar alternativas que possam mitigar os impactos negativos. A reflexão sobre esses aspectos, analisando todo o ciclo de vida das tecnologias, deve guiar as políticas e investimentos futuros, atuando no sentido da redução da dependência dos fósseis.



*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

Segunda, 20 Maio 2024 10:25

 

 

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Por Danilo de Souza*


            Na manhã do dia 1º de fevereiro de 1974, em uma sexta-feira nublada, São Paulo foi palco de um desastre sem precedentes. Por volta das 8h30, um curto-circuito nos cabos elétricos que alimentavam um ar-condicionado desencadeou o incêndio devastador no Edifício Joelma, localizado no coração da cidade. A tragédia foi uma das mais severas já registradas na metrópole, tendo como causas raízes a falta de manutenção e o não cumprimento das normas técnicas da época referentes às instalações elétricas.


           

            As faíscas oriundas do curto-circuito encontraram um terreno fértil no 12º andar do Joelma, um ambiente repleto de materiais inflamáveis como carpetes, forros de espuma e divisórias de madeira. Situado na rua Santo Antônio, 140, no bairro da Bela Vista, o edifício não possuía infraestrutura de segurança contra incêndios, como paredes corta-fogo entre os andares, que são mandatórias atualmente. Em poucos minutos, as chamas obstruíram a única rota de fuga e avançaram rapidamente para os andares superiores, alcançando o 23º andar em aproximadamente 30 minutos. No momento do incêndio, cerca de 750 pessoas estavam no prédio; destas, mais de 300 sofreram ferimentos e, lamentavelmente, ao menos 187 vidas foram perdidas.
            Para evitar a repetição de tragédias como a do Edifício Joelma, duas questões cruciais são colocadas: i) o que já foi feito; e ii) o que ainda podemos fazer. Nos últimos 50 anos, testemunhamos avanços significativos em tecnologias de combate a incêndios e na proteção de instalações elétricas, além de melhorias nos procedimentos do Corpo de Bombeiros e das brigadas internas, bem como nas normas técnicas de instalações elétricas. No entanto, analisando o cenário da catástrofe do Joelma, fica evidente que, mesmo na década de 70, o desastre poderia ter sido evitado com as tecnologias, normas e procedimentos existentes no Brasil naquela época. O problema residia na falta de cumprimento das normas, de inspeções e de manutenção das instalações elétricas, além da ausência de dispositivos de proteção contra sobrecorrentes.
            Uma análise atual das instalações elétricas revela cenários preocupantes em que desastres como o ocorrido no edifício Joelma possam se repetir. Visando reduzir as probabilidades de eventos dessa natureza, a Associação Brasileira para Conscientização dos Perigos da Eletricidade (Abracopel) conduz pesquisas sobre a qualidade das instalações elétricas no Brasil. Um equipamento essencial na prevenção de fugas de corrente elétrica, choques e incêndios é o Dispositivo Diferencial Residual (DR), obrigatório desde 1997 pela NBR 5410 - Norma Brasileira de Instalações Elétricas de Baixa Tensão. Contudo, de acordo com o estudo “Raio X das Instalações Elétricas Residenciais e Comerciais Brasileiras”, publicado pela Abracopel em 2024, cerca de 79% das residências e 60% das edificações comerciais e públicas no Brasil ainda não estão equipadas com o DR em suas instalações elétricas, e mais da metade dos incêndios urbanos têm origem em falhas nessas instalações.
            Outro elemento necessário para a segurança dessas instalações é o sistema de aterramento, identificado pelo condutor verde de proteção. No Brasil, a realidade é preocupante: mais de 48% das residências e 41% dos estabelecimentos comerciais carecem desse recurso essencial. Além disso, toda instalação elétrica deve ser projetada e executada por profissionais habilitados, mas, infelizmente, verifica-se que 71% das residências e 54% dos comércios não possuem sequer um projeto elétrico definido.


 

             Uma das grandes causas dos incêndios de origem elétrica são os cabos “desbitolados” ou irregulares, que possuem menor quantidade de cobre que o necessário. Em 2021, nas inspeções realizadas pelo Instituto de Pesos e Medidas de Mato Grosso (Ipem/MT – Inmetro), com o apoio da Associação Brasileira pela Qualidade dos Fios e Cabos Elétricos (Qualifio) e do Sindicato da Indústria de Condutores Elétricos, Trefilação e Laminação de Metais Não-Ferrosos do Estado de São Paulo (Sindicel), chegaram ao infeliz recorde nacional do cabo mais “desbitolado” em Cuiabá, que tinha apenas 25% da massa de cobre necessária.
            Nesse cenário, esses dados alarmantes nos desafiam a promover mudanças urgentes para evitar tragédias como a do edifício Joelma. Pode-se inferir que, devido à qualidade das instalações elétricas brasileiras, por sorte acidentes similares ao do Joelma não ocorram com maior frequência no Brasil. Entretanto, esta é uma falsa percepção. Embora o Joelma tenha sido um caso extremo de incêndio de origem elétrica com inúmeras vítimas, o número total de incêndios e vítimas vem crescendo assustadoramente. Em seis anos, houve um aumento de quase 100% nos casos, saltando de 451 registros em 2016 para 874 em 2022. Esses números refletem uma realidade que não pode ser negligenciada.
            Segundo o Anuário Estatístico de Acidentes de Origem Elétrica da Abracopel publicado em abril de 2024, Mato Grosso é o oitavo estado brasileiro com mais incêndios de origem elétrica. E assim como o incêndio no Edifício Joelma, que se iniciou no circuito do condicionador de ar, Cuiabá é considerada a capital mais quente do país, e o uso do condicionamento ambiental é obrigatório. Esse contexto reforça a necessidade da atenção especial com a manutenção e inspeção das instalações elétricas, para que outros casos como o do Joelma não ocorram novamente.


*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

Terça, 07 Maio 2024 09:12

 

 

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Por Danilo de Souza*

 No cenário atual de discussões acerca da transição energética, os recursos eólicos aparecem com destaque dentre as possibilidades viáveis de complementariedade para produção de eletricidade. A apropriação da energia dos ventos é caracterizada por sua natureza intermitente o que coloca desafios à sua adoção, diferentemente das tradicionais fontes disponíveis de resevas naturais (carvão, gás, petróleo). Para complementar os sistemas de geração de energia elétrica existentes, a energia eólica se apresenta como um vetor importante, sendo considerada promissora no processo de transição energética global, pois utiliza o vento — um recurso natural inesgotável e amplamente disponível — para gerar eletricidade sem emitir gases de efeito estufa.

Atualmente, a integração da energia eólica nas redes elétricas tem se mostrado viável devido a avanços tecnológicos que permitem uma operação mais estável e eficiente. Esses avanços tecnológicos dos sistemas de armazenamento de energia (baterias) e melhorias na previsão meteorológica, tem facilitado a gestão da variabilidade natural da produção de energia eólica.


A principal tecnologia usada para geração de energia eólica são os geradores de imãs permanentes. O elemento químico neodímio é crucial para a fabricação dos ímãs permanentes empregados nos geradores eólicos devido à sua habilidade em manter fortes campos magnéticos, aumentando a eficiência na conversão da energia cinética do vento em eletricidade.


 Ressalta-se que o setor industrial depende fortemente de eletricidade, abrangendo uma ampla variedade de aplicações, como motores elétricos (para movimento de fluidos, processamento de materiais, manuseio, compressores de ar, refrigeração e operações auxiliares de caldeiras), aquecimento e iluminação. Em 2021, os sistemas de motores elétricos representavam cerca de 70% da demanda por eletricidade no setor industrial. Portanto, é crucial implementar estratégias para melhorar a eficiência energética desses sistemas. Além de contribuir para uma indústria mais competitiva, essa abordagem pode reduzir a demanda de eletricidade na rede, aumentando assim a capacidade disponível e oferecendo uma alternativa à criação de novas infraestruturas, que são caras e demandam tempo para implantação.


Os Motores de Indução de Gaiola de Esquilo (MIT), que representam mais de 95% de todas as aplicações de acionamento no setor industrial, apresentam perdas significativas inerentes no seu rotor. Com objetivo de aprimoramento da eficiência dos MIT forma criados índices de eficiência energética adotados em diversos países e no Brasil; estes índices iniciam no numeral 1 e à medida que se alcança a eficiência esperada cria-se um novo índice. Portanto, alcançar o nível de eficiência IE5 é um desafio. Reconhecendo essa limitação dos MITs tradicionais, os Motores Síncronos de Ímãs Permanentes (MSIP) surgiram como alternativas viáveis, oferecendo a possibilidade de aumentar significativamente a eficiência energética e alcançar potencialmente o nível de eficiência IE5, e mais recentemente, IE6. Os MSIP não apresentam perdas de energia no rotor, o que aumenta significativamente a eficiência energética, devido aos ímãs permanentes feitos de neodímio, ferro e boro (NdFeB) em seus rotores.


Nesse sentido, outro uso final de energia em que os motores elétricos são fundamentais, é na mobilidade elétrica. Os motores elétricos de carros podem ser de diversos tipos, mas, os motores de ímãs, produzidos principalmente a partir de neodímio, representam uma parcela significativa do mercado de veículos elétricos. Aproximadamente 90% dos motores de carros elétricos de hoje utilizam ímãs de neodímio devido à maior densidade de potência, reduzindo assim o seu volume, o que é essencial para os requisitos de espaço e peso dos veículos elétricos.


Nos três casos citados: i) aerogeradores; ii) motores elétricos para mobilidade; e iii) indústria (força motriz estacionária), a função dos ímãs permanentes é a mesma: produzir campo magnético de elevada intensidade, a partir do menor volume de material fonte. E nesse sentido, o gráfico mostra que o Neodímio-Ferro-Boro [NdFeB] apresenta produto energético de 60 Mega-Gauss Oersteds (MGOe), sendo o seu melhor concorrente o Samário-Cobalto [SmCo], que com o mesmo volume de material produz praticamente a metade do campo produzido pelo NdFeB.


Destaca-se que as barras na parte superior esquerda da figura indicam de forma visual o volume de material necessário para produzir a mesma intensidade de campo magnético.


Outras observações relevantes sobre a disponibilidade, acesso, uso e descarte de ímãs permanentes que utilizam neodímio são fundamentais, tanto para a indústria quanto para a formulação de estratégias de desenvolvimento regionais e globais. A produção dos ímãs permanentes causa impactos ambientais significativos ao longo do tempo. As etapas de extração e processamento desses minerais são intensivas em energia e resultam em altas emissões de gases de efeito estufa, além de perturbarem os ecossistemas locais com problemas como erosão do solo, contaminação da água e destruição de habitats naturais.


Além destes impactos ambientais, a falta de rotas de reciclagem ou possibilidades de reuso para os imãs permanentes de terras raras pioram significativamente a sua pegada ecológica. Questões de natureza técnica também são fatores importantes a serem analisados. A temperatura de Curie pode ser facilmente superada por alguma condição adversa na utilização do motor, por exemplo. Pulsos de corrente elevada também podem levar à desmagnetização dos imãs, como por exemplo, em um eventual curto-circuito interno na máquina. Estes casos podem levar, a inutilização da máquina com elevados custos de reposição.


Um outro aspecto bastante relevante é a concentração da produção de imãs de terras raras na China, que detém cerca de 90% da capacidade de produção global. Deste modo, existe uma tensão geopolítica sobretudo no ocidente, acerca da dependência chinesa nesse aspecto. Já no início da década passada a China impôs sobretaxas à exportação dos imãs de NeFeB buscando o estímulo à exportação de máquinas prontas, o que é interessante para a economia doméstica chinesa. Essa situação ensejou uma resposta dos países ocidentais que procuraram estimular a pesquisa de máquinas elétricas de alta eficiência que não usem imãs de terras raras. Pode-se destacar ações da União Européia, do Japão e dos Estados Unidos, na busca por motores elétricos de alta eficiência “livre” de metais de terras-raras.


No Brasil, foram mapeados grandes depósitos de minerais de terras-raras em locais como Araxá-MG, Serra Verde-GO, Catalão-GO e Pitinga-AM. As ocorrências brasileiras de terras-raras são predominantemente de monazita, que contém uma alta concentração de terras-raras leves, como neodímio e praseodímio, enquanto em Pitinga-AM se encontram quantidades maiores de terras-raras pesadas, como o disprósio. Essas descobertas são importantes para o desenvolvimento de políticas e estratégias que possam mitigar os impactos negativos e maximizar os benefícios da exploração desses recursos.


Dessa forma, a transição energética para fontes e usos finais mais sustentáveis é um processo complexo, demorado e desafiador, entrelaçado com questões geopolíticas profundas que se assemelham às dinâmicas observadas nos mercados de produtores de petróleo. Essa transição não apenas depende da disponibilidade de questões tecnológicas, mas do desenvolvimento de infraestruturas adequadas, e está profundamente influenciada pelas relações políticas e econômicas globais, especialmente em relação aos países detentores das terras-raras.

 

*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP. E-mail: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

Terça, 09 Abril 2024 16:09

 

 

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Danilo de Souza*


A prática de compra de produtos pela internet (e-commerce) tornou-se rotineira no mundo globalizado. Atualmente, a China tem se destacado na liderança das vendas desse tipo de comércio, representando mais de 50% de toda a comercialização no varejo em todo o mundo.

Não só o e-commerce, mas aproximadamente 80% das mercadorias comercializadas globalmente são transportadas em navios. Esse transporte representa, atualmente, cerca de 14% das emissões anuais (incluindo gases não-CO2) e aproximadamente um quarto das emissões de CO2 provenientes da queima de óleo diesel.  Então, quais são os maiores desafios para descarbonizar o transporte marítimo?

Tendo em vista que a eletrificação dos meios de transporte terrestres surge como a melhor forma de descarbonização do setor, uma pergunta quase óbvia emerge em um primeiro momento: por que não adotamos navios contêineres elétricos? A ideia parece promissora à primeira vista, especialmente quando consideramos os avanços significativos alcançados em outros meios de transporte, como trens, metrôs, ônibus e carros. A expectativa cresceu ainda mais desde que o Yara Birkeland lançou um navio autônomo de porta-contêineres de mesmo nome, com capacidade para 1,7 mil toneladas, especializado no transporte de fertilizantes, navegando entre os portos noruegueses de Herøya e Brevik. O Yara Birkeland, além de ser o primeiro navio contêiner elétrico do mundo, também pode ser considerado o primeiro veículo comercial autônomo nesta modalidade.


      

Contudo, esse navio contêiner elétrico ainda possui uma série de limitações. Por exemplo, os navios de carga médios tradicionais podem carregar mais de 290 mil toneladas, cruzando os oceanos com velocidades de aproximadamente 28 km/h, enquanto o Yara Birkeland viaja a 11 km/h.

Avançando para a matemática da questão nos deparamos com números ainda mais desanimadores. Os modernos navios a diesel, em uma única viagem transcontinental, consomem uma quantidade de combustível que carrega uma densidade energética quase 40 vezes maior do que as melhores baterias de lítio disponíveis hoje. Para um navio elétrico cobrir a mesma distância com a mesma carga, ele precisaria transportar uma quantidade de baterias que ocuparia uma parcela significativa de sua capacidade de carga, tornando a operação economicamente inviável.

Essa realidade nos leva a uma conclusão inescapável: para que os navios elétricos possam competir de igual para igual com os gigantes a diesel de hoje, precisamos de uma revolução tecnológica nas baterias que as torne capazes de armazenar energia numa densidade mais de dez vezes superior à atual. Tal proeza, embora desejável, enfrenta o duro teste da viabilidade técnica, considerando que a densidade energética das melhores baterias comerciais que, mesmo aumentando 8x nos últimos 15 anos, apesar de todos os nossos esforços, ainda assim, estão muito longe de serem o suficiente para a navegação de carga.

Assim sendo, esse panorama nos coloca diante de um paradoxo: embora o desejo por uma indústria marítima mais limpa e sustentável seja grande, as limitações tecnológicas atuais nos obrigam a navegar com cautela rumo a esse futuro ideal. O caminho à frente exige não apenas inovação em baterias, mas também uma reconstrução das práticas e estruturas que sustentam o comércio global marítimo. À medida que buscamos soluções, o Yara Birkeland surge como um exemplo de que talvez o caminho não seja por aí.

Dessa forma, a questão continua colocada: Qual pode ser a alternativa para descarbonizar a navegação?

A ideia de navios nucleares navegando os mares do mundo não é mais uma visão restrita aos poderosos arsenais das marinhas militares (apenas submarinos, porta-aviões e alguns navios quebra-gelo possuem propulsão nuclear). Um estudo conduzido recentemente pela American Bureau of Shipping (ABS) e pela Herbert Engineering Corp. (HEC) se aprofundou na pauta da propulsão nuclear em navios comerciais.

Nesse contexto, a pesquisa explorou o impacto da implementação de reatores modernos de alta tecnologia em dois tipos de embarcações: um navio porta-contêineres de 300 mil toneladas e um petroleiro Suezmax. A descoberta de que tais embarcações, quando equipadas com propulsão nuclear, não só poderiam de baixa emissão de CO2 na etapa de uso, mas também aumentar a capacidade de carga e a velocidade operacional, ressalta o potencial transformador da tecnologia nuclear. Esses benefícios vão além das questões ambientais, abordando eficiências operacionais e reduzindo a necessidade de reabastecimento, o que pode significar uma revolução na logística marítima global.

Entretanto, o caminho para a adoção generalizada da propulsão nuclear em navios comerciais está longe de ser direto. Desafios significativos permanecem, tanto em termos de aceitação pública quanto de regulamentações. A utilização de fissão nuclear para produção de energia para usos finais, apesar de suas vantagens em termos de capacidade de geração de energia de baixa emissão, ainda enfrenta preocupações significativas relacionadas à segurança, ao tratamento de resíduos nucleares e aos custos iniciais de implementação.

Além disso, para que essa visão de navios comerciais nucleares se torne uma realidade prática, são necessários um apoio significativo do setor público e um compromisso contínuo da indústria marítima. Isso inclui não apenas investimentos em pesquisa e desenvolvimento, mas também a criação de um quadro regulatório internacional que possa acomodar a operação segura dessas embarcações em águas globais. A colaboração internacional será essencial, dadas a natureza transfronteiriça da navegação marítima e a necessidade de normas consistentes que regulem a segurança, a operação e o descarte de resíduos.


A iniciativa da ABS, reconhecida pelo Departamento de Energia dos EUA (DOE) através de contratos para investigar as barreiras à adoção da propulsão nuclear, representa um passo promissor nessa direção. A parceria com instituições acadêmicas, como a Universidade do Texas, para pesquisar a integração termoelétrica de sistemas de propulsão nuclear em embarcações comerciais é um exemplo de associação entre indústria e universidade para aumento da produtividade do trabalho que pode resultar em ganhos coletivos.

Outras soluções para redução das emissões na navegação também estão em pauta, como por exemplo, o Gás Natural (seriam emitidos entre 70% e 85% menos poluentes que a gasolina e a diesel) como combustível de transição, Hidrogênio a partir de fontes renováveis, biocombustíveis etc. Todas estas soluções possuem seus desafios intrínsecos, sendo que no caso da propulsão nuclear para a navegação, já existe uma indústria desenvolvida para fins militares.

A possibilidade de navios comerciais navegarem com baixa emissão de CO2 graças à propulsão nuclear não é apenas uma oportunidade para a indústria marítima reduzir sua pegada de carbono; é uma declaração audaciosa de compromisso com um futuro menos impactante, até o desenvolvimento de tecnologias que culminarão na fusão nuclear.

 
*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.
Terça, 19 Março 2024 14:46

 

 

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Por Danilo de Souza*
 

            A expressão "Hard to Abate Sectors" (Setores de Descarbonização Desafiadora) descreve os ramos de atividade para os quais a transição rumo a uma economia de baixa emissão de carbono apresenta obstáculos significativos. Essa mudança não se resume a uma simples substituição dos atuais fornecedores de energia por alternativas que não emitam diretamente carbono para operar suas atividades. Ademais, para alguns setores, a substituição está longe de ser um processo fácil. Os segmentos com essa característica de descarbonização enfrentam o desafio de desmontar e reconstruir complexas interdependências industriais estabelecidas por décadas, além da necessidade de aplicar tecnologias — muitas ainda em fase de desenvolvimento ou com custos exorbitantes. Um deles é a aviação.
           Vale citar que, embora a aviação contribua com aproximadamente 3% das emissões globais de carbono e cerca de 14% das emissões do setor de transporte, a transição para tecnologias capazes de eletrificação se mostra particularmente complexa para aeronaves, em comparação com veículos terrestres, como carros e trens.

 

            Nos aviões, a energia mecânica necessária para produzir o empuxo suficiente para fazê-los voar vem majoritariamente de três combustíveis: gasolina (AVGAS), querosene (JetA1) e diesel. Portanto, todos de origem fóssil. O JetA1 oferece benefícios significativos, como sua alta densidade energética de aproximadamente 40 megajoules por kg, a capacidade de se manter líquido em temperaturas tão baixas quanto -45 °C, além de vantagens em termos de custo, minimização de perdas por evaporação em altas altitudes e um menor risco de incêndio. Por isso, substituir esse combustível por outro com as mesmas características mostra-se um grande desafio. Por exemplo, usar sistemas de armazenamento, como baterias, capazes de sustentar voos intercontinentais com centenas de passageiros, até o presente momento (2024), ainda pertence ao campo da ficção científica, e a possibilidade de aviões comerciais movidos a hidrogênio líquido parece distante.
           Ainda, outro problema reside nos motores dos aviões. Esse dispositivo, que é o “coração” das aeronaves, não passa de uma turbina de gás, na qual o JetA1 vaporizado é queimado, para movimentar as pás da turbina. O hidrogênio poderia ser utilizado na turbinas atuais adaptadas, mas seria necessário quatro vezes o espaço de armazenamento do JetA1. Lembrando que, nesse volume o hidrogênio precisa estar liquefeito e mantido a -250º C. E os criogênicos para armazenamento de hidrogênio líquido devem resistir à pressão e, para tal, é importante que tenham forma cilíndrica ou esférica. Assim, eles não poderiam ser colocados nas asas, como é feito atualmente com os combustíveis líquidos.
           Uma solução alternativa surge com a possibilidade do uso de combustíveis com baixa emissão de gás, que possam ser utilizados nos motores aeronáuticos já existentes, contando com toda a infraestrutura de distribuição fora e dentro das aeronaves já disponíveis com o mínimo de modificação. Portanto, a solução pode estar no desenvolvimento de biocombustíveis produzidos a partir de matéria vegetal ou resíduos orgânicos, que potencialmente não emitiriam mais CO2 durante sua combustão do que o capturado pelas plantas em seu crescimento. E podemos afirmar que já houve progressos nessa direção, com voos de teste utilizando misturas de JetA1 e BioJet mostrando resultados possivelmente promissores.
           Contudo, mesmo com diversas iniciativas, o biocombustível representa apenas uma ínfima fração do consumo anual de combustível das companhias aéreas, evidenciando o monumental desafio de substituição que enfrentamos. Embora a eficiência energética dos aviões modernos tenha aumentado significativamente, consumindo cerca de 50% menos combustível por passageiro/km do que nos anos 60, a expansão constante da demanda por viagens aéreas tem elevado sistematicamente o consumo global de combustível de aviação – a cada 15 anos, o número de passageiros transportados dobra.
           Além disso, a produção desses biocombustíveis também apresenta desafios intrínsecos. Por exemplo: para atender à demanda por biocombustível de aviação, a exploração de culturas oleaginosas, além dos resíduos orgânicos, seria necessária, o que acarretaria outros desafios ambientais. A soja, com baixo rendimento para a produção de BioJet por hectare, exigiria que os EUA cultivassem uma área vasta, quase quatro vezes maior do que a dedicada à cultura em 2016. Até mesmo uma das opções de BioJet de maior rendimento - o dendezeiro – que produz em média quatro toneladas de BioJet por hectare, ainda exigiria mais de 60 milhões de hectares de floresta tropical ou de áreas degradadas recuperadas para abastecer a demanda atual.
           Em contrapartida, uma alternativa que pode soar cinematográfica já foi explorada – a utilização de algas para produção de BioJet. Elas, que possuem alta produtividade e menor exigência de espaço, já foram consideradas uma alternativa promissora. No entanto, a Exxon Mobil, que investiu pesadamente na pesquisa de algas como fonte de biocombustível, reconhece os imensos desafios técnicos e financeiros de escalar essa solução para atender às necessidades globais.


            Outra entre diversas áreas que se colocam como aliadas do processo de descarbonização é a produção de combustíveis sintéticos. Estes seriam desenvolvidos por meio de processos químicos de transformação de matérias-primas, como dióxido de carbono capturado diretamente do ar, em querosene sintética, que teriam propriedade físico-químicas semelhantes à produzida nas refinarias de petróleo, mas com uma pegada de carbono significativamente reduzida, contribuindo para os esforços de descarbonização do setor de transporte aéreo. Apesar das dificuldades da produção em escala dos sintéticos, por outro lado, é uma solução compatível com a infraestrutura existente de motores e distribuição, ao mesmo tempo que reduz a dependência de fontes de energia não renováveis e diminui o impacto ambiental associado às emissões de gases de efeito estufa.
           Naturalmente, o caminho rumo à substituição energética se tornaria mais acessível se adotássemos medidas para reduzir o número de viagens internacionais “desnecessárias”, por exemplo, utilizando mais os recursos de reuniões on-line em alguns casos.
           Recentemente, a França proibiu voos domésticos curtos que possam ser substituídos por viagens de trem de até duas horas e meia. Essa decisão impacta rotas populares, como as viagens de avião entre Paris e cidades como Nantes, Lyon e Bordeaux, excluindo voos de conexão.
           Contudo, as projeções indicam uma expansão significativa do tráfego aéreo, com um aumento notável especialmente na Ásia, mais proximamente, e na África, posteriormente, sugerindo que a demanda por viagens aéreas continuará a crescer, desafiando os esforços para mitigar o consumo de energia.

*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

Quarta, 31 Janeiro 2024 11:05

 

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Por Danilo de Souza*

 

 
O cimento, essencial na composição do concreto, destaca-se como o segundo recurso mais consumido no mundo, atrás apenas da água. Isso se deve em grande parte à sua durabilidade, versatilidade e fabricação com materiais baratos e prontamente disponíveis. Contudo, é importante notar que a produção desse produto tão fundamental para a construção civil tem uma característica menos favorável: o ciclo de vida completo do cimento e do concreto, desde a produção até a disposição final, é responsável por quase 10% das emissões globais de CO2 relacionadas à energia, sendo a maioria delas produzida a partir de cimento, que é o material de ligação que mantém o concreto. 

Destaca-se que, para cada tonelada de cimento produzida, em média, é emitida 0,6 tonelada de CO2, um fato que ressalta a relevância ambiental desse processo produtivo. 

Vale citar que a fabricação do cimento ocorre principalmente pelo método do forno a seco, que se desenvolve em quatro etapas principais: 

  1. Extração e preparação das matérias-primas: as matérias-primas, com destaque para o calcário e a argila, são inicialmente extraídas. Em seguida, esses materiais são submetidos a processos de trituração e moagem e são alimentados em grandes fornos cilíndricos rotativos. 
  2. Aquecimento e formação do clínquer: nesse estágio, o material é aquecido a uma temperatura aproximada de 1450 °C, utilizando uma mistura de combustíveis. Durante o aquecimento, ocorre a liberação de CO2 do carbonato de cálcio (CaCO3), um processo chave que leva à formação do clínquer, elemento central do cimento. Nesta se encontra a maior parte das emissões. 
  3. Resfriamento e moagem do clínquer: após a formação do clínquer, ele é resfriado e em seguida moído. Posteriormente, é misturado com gesso e calcário. Essa etapa é crucial para determinar as propriedades finais do cimento, como a resistência e o tempo de secagem. 
  4. Ensacamento e expedição: o cimento é ensacado e preparado para a expedição, concluindo o processo de produção e tornando o produto pronto para ser utilizado na construção civil.

     

  1. Na indústria do cimento, a geração de CO2 é um aspecto incontornável e significativo, dividindo-se em duas principais fontes: 60% das emissões oriundas de reações químicas e 40% do processo de aquecimento necessário para a produção de clínquer. Este último é um processo intensivo em termos de consumo de energia, envolvendo tanto a energia térmica, utilizada principalmente para aquecer os fornos rotativos, quanto a energia elétrica, necessária para operar máquinas, movimentar os fornos e os moinhos. O gasto mais substancial de energia, no entanto, advém da energia térmica durante a queima dos combustíveis, sublinhando a complexa relação entre a produção de cimento e o impacto ambiental decorrente, principalmente no que diz respeito às emissões de gases de efeito estufa e ao uso intensivo de recursos energéticos.


Importa lembrar que os fornos utilizados na produção de cimento atualmente são dependentes de combustíveis provenientes de fontes não renováveis, destacando-se o petróleo e o carvão. Entre os combustíveis mais comuns estão o coque de petróleo e a gasolina, além de gás natural e outros derivados do carvão mineral. O coque de petróleo, em particular, é o mais utilizado na indústria cimenteira como combustível dos fornos rotativos de clínquer. Esse material, de aparência granular, negro e brilhante, é composto majoritariamente por carbono (90 a 95%) e possui um teor significativo de enxofre (aproximadamente 5%). Sua ampla utilização se deve ao seu alto poder calorífico e ao custo relativamente baixo. Além desses combustíveis convencionais, a indústria também explora alternativas mais sustentáveis, como resíduos e rejeitos industriais, biomassa, carvão vegetal, pneus inservíveis e resíduos agrícolas para alimentar os fornos, buscando opções mais ecológicas e eficientes.


Em razão do crescente desafio de sustentabilidade na indústria do cimento, algumas alternativas estão sendo exploradas para mitigar as emissões de CO2. Isso se torna imperativo diante da previsão de aumento na produção de cimento e, consequentemente, das emissões globais de CO2. Para redirecionar esse cenário, o setor precisa de mudanças significativas no processo produtivo. Algumas delas incluem a alteração das plantas fabris para capturar o carbono emitido, a adoção exclusiva da via seca na produção, que demanda menos combustível, e o reaproveitamento de resíduos industriais e agrícolas no forno em vez de combustíveis fósseis. Além disso, a substituição parcial do cimento por outros materiais em construções e a reformulação do cimento para que libere menos CO2 são medidas fundamentais.



Nesse cenário, as fabricantes de cimento devem adotar essas práticas e estratégias para se alinhar com uma produção mais sustentável. A adoção desses novos modelos de material e a pressão exercida sobre o governo e as empresas para a criação de legislações sustentáveis são caminhos cruciais para mudar o atual panorama da indústria. Reconhecendo a importância do cimento na construção da sociedade moderna, é essencial não o vilanizar, mas buscar ativamente alternativas sustentáveis em larga escala para diminuir seus impactos ambientais e desenvolver soluções menos impactantes. 

*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

Quarta, 22 Novembro 2023 09:36

 

 

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Dependência de veículos significativamente para o aumento na emissão de gases de efeito estufa, como dióxido de carbono (CO O setor de transporte é um dos principais responsáveis pelo agravamento do aquecimento global devido ao seu intenso consumo de combustíveis fósseis. A  movidos à gasolina e diesel contribui2) e óxidos de nitrogênio (NOX). Essas emissões colaboram diretamente para o acréscimo da concentração desses gases na atmosfera, intensificando o efeito estufa e causando alterações climáticas.

Rodoviários navegação e transporte de mercadorias. Visando amenizar esse quadro, a mobilidade elétrica é tema presente nos principais fóruns de discussão da sustentabilidade. Sozinho, o setor de transporte foi responsável por aproximadamente 32% do consumo mundial de energia em 2020. Isso inclui o consumo de energia em veículos  (dominando com mais de 50% do total), ferrovias, aviação.

Um mesmo modelo de carro elétrico pode apresentar diferentes impactos de emissões em distintos países, pois depende fundamentalmente da matriz de energia primária de cada local. Em 2021, no Brasil, 78,1% da matriz primária de energia elétrica foi renovável, enquanto a média mundial no mesmo ano ficou em 28,6%. Dessa forma, significa dizer que um veículo elétrico rodando 100 km na matriz energética brasileira emite três vezes menos que o mesmo veículo rodando com recarga baseada na matriz energética da primária de eletricidade da média mundial. A matriz energética da América Latina e do Caribe é bastante semelhante à brasileira.

Por isso, compreender o ciclo de vida de um veículo elétrico é de extrema importância, pois vai além de simplesmente considerar o seu desempenho durante o uso, abrange desde a extração de matérias-primas para a fabricação até o descarte adequado ao final da sua vida útil. Ao entender todas as etapas desse ciclo, é possível avaliar de forma mais precisa e abrangente o impacto ambiental e a sustentabilidade dos veículos elétricos, levando em consideração a emissão de gases de efeito estufa, o consumo de recursos naturais e o manejo adequado de resíduos.


Os veículos elétricos são construídos com uma variedade de materiais que desempenham funções diferentes em seu design e desempenho, tais como: aço de alta resistência, alumínio e ligas de magnésio, usados para a estrutura e carroceria, proporcionando leveza e resistência; polímeros e plásticos reforçados com fibra de carbono, empregados em componentes internos e externos, reduzindo o peso total do veículo; baterias de íon-lítio, compostas por metais como lítio, cobalto e níquel, e são essenciais para armazenar a energia elétrica; cobre, para os sistemas elétricos do veículo e o motor elétrico propriamente dito.

Dentre os itens citados, basicamente os três destacados são os principais responsáveis por diferenciar o carro elétrico de um veículo à combustão interna.

Os carros tracionados por motores de combustão interna usam, em média, 25 quilos de cobre. Os carros híbridos utilizam em média 40 quilos, enquanto veículos totalmente elétricos podem usar até 70 quilos.

Historicamente, o maior produtor mundial de cobre é o Chile, que representa aproximadamente 30% de toda a produção mundial. Destaca-se em segundo lugar o Peru, que produziu em 2020 o equivalente a 10% de todo o consumo mundial.

Outro metal importante para a mobilidade elétrica é o alumínio, amplamente utilizado na fabricação de carros elétricos devido à sua leveza e resistência. Ele ajuda a reduzir o peso total do veículo, melhorando a eficiência e a autonomia da bateria. O Brasil é o país que mais recicla lata de alumínio no mundo, e dentre os 40 países que produzem o metal está na 13ª posição.

O lítio desempenha um papel fundamental na eletrificação de várias áreas, incluindo veículos elétricos, dispositivos eletrônicos portáteis (smartphones, laptops e tablets) e armazenamento de energia - fornecendo energia duradoura em um formato compacto. Sua importância reside nas propriedades únicas desse metal, que permite a produção de baterias de alta capacidade e desempenho. As baterias de íon-lítio são leves, têm alta densidade de energia e podem ser recarregadas várias vezes. Chile, Bolívia e Argentina, juntos, representam aproximadamente 46% das reservas mundiais de lítio.

O motor elétrico é o equipamento que concentra os principais ganhos de eficiência energética no processo. Os mais eficientes são conhecidos como Motor síncrono de ímã permanente (sigla em inglês PMSM). Esses motores possuem ímãs de terras raras no seu rotor, que geralmente são constituídos de neodímio-ferro-boro (NdFeB). Os ímãs de terras raras apresentam propriedades magnéticas excepcionais que permitem uma alta densidade de fluxo magnético. Esse é o principal diferencial na eficiência dos motores PMSM.

As mais importantes reservas de neodímio, um dos elementos-chave na fabricação de ímãs de terras raras, estão localizadas principalmente na China. Esse país asiático é responsável por cerca de 85% a 90% da produção global de neodímio e possui uma grande quantidade de reservas desse elemento, que traz considerações geopolíticas, no que se refere à dependência. A exploração de neodímio, assim como outros elementos de terras raras, pode apresentar diversos problemas ambientais: i) poluição da água - durante o processo de extração do neodímio, substâncias químicas tóxicas podem ser utilizadas, como ácido sulfúrico, ácido clorídrico e ácido nítrico; ii) geração de resíduos tóxicos: a produção de neodímio também resulta na geração de resíduos tóxicos, como rejeitos de mineração e resíduos de processamento químico; e  iii) uso intensivo de recursos naturais: a mineração de neodímio requer a remoção de grandes quantidades de solo e rochas, resultando na destruição de habitats e na perda de biodiversidade. Além disso, a extração de terras raras geralmente requer o uso de grandes quantidades de água e energia, o que contribui para o consumo intensivo de recursos naturais.

Existem substitutos para o neodímio, mas não apresentam a mesma eficiência para a aplicação. Os ímãs de neodímio-ferro-boro (NdFeB) podem ter uma energia de produto magnético superior a 50 MGOe – (Mega Gauss Oersted). Isso os torna extremamente fortes em comparação com outros tipos de ímãs, como: samário-cobalto (entre 20 e 30 MGOe), alnico (~5 MGOe) ou de ferrite (entre 1 e 4 MGOe).

Como alternativa na construção do carro elétrico, é possível utilizar Motores Elétricos Síncronos de Relutância (sigla em inglês SynRM), que empregam materiais presentes nos países da América Latina e Caribe, e possuem elevada eficiência e menor impacto ambiental em todo o ciclo de vida quando comparados aos PMSM.

Os carros elétricos autoguiados e compartilhados podem representar uma solução promissora para melhorar a eficiência do transporte e reduzir engarrafamentos, ao mesmo tempo que mitigam os impactos ambientais. Ao combinarem a tecnologia autônoma com o modelo de compartilhamento de veículos, esses carros podem ser utilizados de maneira mais eficiente, reduzindo a quantidade de veículos nas estradas e otimizando o uso dos recursos disponíveis.

Nesse cenário, a América Latina e o Caribe reúnem todas as características necessárias (recursos minerais, energéticos, humanos e mercado consumidor) para a construção de um projeto estratégico de desenvolvimento regional, pautado na construção de uma indústria da mobilidade elétrica tanto para o transporte individual, como coletivo. Essa é uma possibilidade de geração de emprego e renda em uma indústria que se ancora fortemente nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas.

*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

 

Segunda, 13 Novembro 2023 16:54

 

 

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Professor Danilo de Souza*

  

O planejamento energético sempre funcionou sob uma premissa quase inabalável: o crescimento econômico constante é inevitável. Tradicionalmente, os tomadores de decisão preveem, com otimismo, um futuro próspero, e isso guia a expansão da geração e transmissão de energia. No entanto, essa abordagem, extremamente útil e necessária, foi alvo de grandes questionamentos nos anos 70. E é aqui que a visão de Nicholas Georgescu-Roegen, um economista romeno-americano, torna-se pertinente.

Georgescu-Roegen alertou sobre os perigos de uma visão econômica que ignora os limites naturais, utilizando a lei da entropia como sua principal ferramenta argumentativa. Em sua obra icônica, The Entropy Law and the Economic Process, ele ressalta que a termodinâmica não é apenas uma teoria abstrata, mas uma realidade que permeia todos os aspectos de nossa existência, incluindo a economia. Segundo o autor, a atividade econômica, assim como qualquer outro processo no universo, aumenta a entropia, ou seja, a desordem e a energia indisponível para o trabalho.

 

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Esse entendimento leva-nos a questionar a sustentabilidade do crescimento econômico incessante a partir do uso de energia e matéria. Se todas as atividades econômicas inevitavelmente aumentam a entropia, há um limite para o quanto podemos crescer sem exceder a capacidade da Terra de nos sustentar. Mais cedo ou mais tarde, vamos nos deparar com as fronteiras naturais que delimitam nosso crescimento, seja em termos de recursos naturais, capacidade de absorção de resíduos ou mesmo a viabilidade de sistemas ecológicos.

O que isso significa para o planejamento energético? Primeiramente, precisamos reavaliar a premissa do crescimento eterno. Os recursos naturais, incluindo aqueles usados para gerar até o momento a maior parte de energia mundial, são finitos. Assumir que sempre teremos recursos suficientes para sustentar o crescimento contínuo é, no mínimo, imprudente. Em vez disso, a partir da leitura de Georgescu-Roegen, o planejamento energético deve considerar um cenário de estabilização ou até mesmo de contração. Isso não sob uma perspectiva negativa, interpretado como crise ou estagnação. Entretanto, o economista propõe uma forma diferente de ver a economia, que não implica necessariamente um declínio na qualidade de vida. Contrariamente, ao reconhecermos e respeitarmos os limites naturais, podemos buscar formas mais eficientes e sustentáveis de produzir e consumir energia. A difícil tarefa da transição para fontes renováveis de energia e a ênfase na eficiência energética são passos cruciais nessa direção.

Em segundo lugar, é vital incorporar uma perspectiva de longo prazo no planejamento energético. Em vez de focar apenas nas demandas imediatas, devemos considerar como nossas decisões hoje afetarão as gerações futuras. A obra de Georgescu-Roegen alerta-nos para o fato de que a sustentabilidade não é apenas um conceito moderno, mas um imperativo ecológico para garantir as possibilidades de reprodução material da humanidade, e, portanto, a manutenção da vida humana.

Finalmente, a interdisciplinaridade deve se tornar a norma, não a exceção. O planejamento energético não pode ser feito isoladamente pelos campos da ecologia, biologia e termodinâmica. A visão integrada proposta por Georgescu-Roegen, a bioeconomia, sugere que a economia não pode ser separada dos processos biológicos e termodinâmicos que a sustentam.

 

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A discussão sobre os "limites do crescimento econômico" é definitivamente mais relevante para países desenvolvidos, que já se beneficiaram de expansões econômicas intensivas. Entretanto, países em desenvolvimento, que visam ao progresso socioeconômico, têm a oportunidade de aprender com os erros anteriores, integrando desde o início práticas que buscam a industrialização e a produção de riqueza com menor impacto antrópico na biosfera (sustentáveis). Ignorar a sustentabilidade pode resultar em custos elevados a longo prazo, como degradação ambiental e vulnerabilidades geopolíticas, enquanto o foco na sustentabilidade pode gerar inovação e resiliência para as gerações futuras, sem esquecermos que muitos da geração presente estão excluídos das possibilidades mínimas de consumo para uma existência digna.

A utilização de fontes de energia renovável e reciclagem pode atenuar a aceleração da entropia ambiental, resultante da tendência dos sistemas naturais de moverem-se para um estado de maior desordem, especialmente quando perturbados por atividades humanas. Embora essas práticas reduzam a poluição e a necessidade de novos recursos, elas não eliminam completamente o problema da entropia. A combinação de energias renováveis, reciclagem, redução do consumo e design sustentável é crucial para uma gestão mais eficaz dos recursos globais.

Pelo fato de o crescimento econômico ter sido a pedra angular do planejamento energético por décadas, faz-se necessário, agora, reavaliar essa abordagem, buscando integrar o objetivo do crescimento econômico a outros, tais como a sustentabilidade socioambiental. Ignorar os limites naturais é, em última análise, um caminho insustentável.

 

*Danilo de Souza é professor da FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP