Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
Este é o meu primeiro artigo de 2016. Por isso, falarei sobre meus anseios para o ano, enfatizando o resgate da humanidade já quase perdida em nosso país. De nada nos adiantará tanta tecnologia se não formos realmente humanos. Em minha leitura, estamos caminhando céleres demais à desumanização. Diante de sucessivas tragédias, estamos começando a nos acostumar com elas.
Como seria esse dificílimo resgate?
Por meio de um conjunto de elementos indispensáveis, como emprego e salário dignos, respeito nos espaços da saúde, transportes públicos seguros e confortáveis, condições para boa alimentação diária a todas as pessoas, moradias com sólidas estruturas etc., mas acima de todas, a garantia de acesso à educação de qualidade aos brasileiros que quisessem estudar de fato.
Por falar em educação de qualidade, a pauta do momento é a “Base Nacional Comum Curricular” (BNCC), que está sendo preparada por uma equipe de “especialistas” convidados pelo MEC.
A primeira versão do documento está disponível em sites. As críticas à proposta, principalmente por parte de historiadores, já vinham ocorrendo mesmo antes dessa apresentação. Nela, confirmam-se as aberrações, como, p. ex., a desobrigação de estudar as histórias antiga e medieval do Ocidente, com destaque à Grécia e Roma. Inclui-se nessa exclusão de conteúdos o surgimento do cristianismo, elemento norteador do nosso modus vivendi. Simples assim.
De minha parte, acabo de ler o que está sendo proposto para a Área de Linguagens, com destaque ao Ensino Médio (EM). No geral, não há grandes novidades, infelizmente.
O documento – desorganizando sequências de conteúdo – apenas bagunçará ainda mais o caos já instaurado. Ele carimba e tenta organizar os erros com os quais já estamos convivendo há algum tempo. Erros que nos têm levado a vexames internacionais. Se em matemática, nossos estudantes não sabem efetuar operações elementares e, em História, poucos não confundem a Independência com a Proclamação da República, nas tais “Linguagens”, a maioria não sabe ler nem escrever.
Todavia, quando surgem as novidades, elas seguem a mesma lógica da desconstrução proposta para os estudos de História.
Exemplifico o que estou afirmando, tomando o caso específico dos estudos literários. Neles, a literatura de Portugal foi suprimida; ou seja, no EM, os estudantes estarão desobrigados, p. ex., de conhecer Gil Vicente, Camões e Fernando Pessoa. Para compensar essa subtração, a BNCC insere as literaturas de países africanos e de povos indígenas. Nada contra isso. Tudo contra a subtração referida.
Para nossa literatura, propõe-se uma inversão sequencial dos estudos das estéticas literárias: da literatura contemporânea (séculos XXI e XX) ao século XVI. Quanto a isso, não tenho discordância. Ao contrário. Em 2014, relancei pela Editora Ideias (Tangará da Serra) o livro “Gradação de Leituras no Ensino Literário”. Todavia, para a eficácia desse difícil tipo de trabalho se requer um preparo sequencialmente organizadíssimo por parte do estudante de Letras. Se não ocorrer isso, o caos também se insere nesses estudos.
Enfim, afirmo sem receios: essa BNCC será a pá de cal que faltava no longo processo de nossa produzida ignorância coletiva. Essa ignorância só será suplantada quando prepararmos, com rigor acadêmico, nossos futuros professores e tivermos a coragem de voltar, respeitosamente, a cobrar responsabilidade nas absorções de conteúdos por parte de nossos estudantes. Fora disso, tudo é lorota dos ditos “especialistas”.