Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
Novamente estamos envoltos ao clima do Natal, a festa cristã que mais vem se paganizando – ou se capitalizando – a cada momento.
Do processo já antigo de paganização/capitalização, Papai Noel talvez seja a maior de suas representações. Verdade seja dita: o intruso ancião – que adora se vestir de vermelho e branco, sempre com o saco cheio de presentes e vindo dos confins da Europa ocidental, onde a neve não para nunca de cair – tem roubado a cena daquele bebê pobre, nascido em algum lugar perdido do Oriente, dentro de uma manjedoura e cercado por bichos campestres.
Depois de Noel, as luzes que enfeitam as cidades nesta época, quiçá, querendo lembrar o brilho da estrela que teria guiado os magos até o lugar onde Jesus teria nascido, vem na sequência do mesmo processo de paganização/capitalização da festa natalina.
Mas no Brasil, neste ano que literalmente já agoniza, muito mais do que as luzes, em geral, vindas da China, vimos o pisca-pisca sem-fim de giroflex. Aliás, tenho a impressão de ter visto esse pisca-pisca sem-fim todos os dias de 2015. Seria isso alucinação minha?
Para quem não sabe, o “giroflex”, conforme nos ensina o internauta paraense Reinaldo Barros, é o “jogo de lâmpadas que piscam de forma intermitente dentro de proteções em acrílico, de cores que variam entre o vermelho e o azul. Elas ficam na parte superior de viaturas de emergência, como ambulâncias e viaturas de polícia”.
Uma vez identificado um giroflex, talvez minha “alucinação” não seja mais solitária. É bem possível que muitos leitores tenham a mesma sensação, ou seja, a ter visto giroflex girando alucinadamente o tempo todo em 2015.
E das inúmeras giradas que um giroflex dá, as semanas que antecederam a do Natal foram ainda mais abundantes do que outras tantas. Houve luzes vermelhas e azuis girando para alguns dos políticos mais importantes do país. Houve giro na casa oficial de Cunha, o presidente do Congresso Nacional. Giroflex também em frente ao diretório do PMDB em Alagoas, onde Renan – presidente do Senado – reina soberano há tanto tempo. As casas de alguns ex-ministros de Estado não ficaram sem as cores de um giroflex. Isso sem falar de giroflex a grandes empresários, em geral da construção. Que ironia!
Enfim, “nunca como antes na história deste país”, como sentenciara o velho Luís Inácio Lula da Silva, que também já tem um filho (o Lulinha) sendo investigado em operações policiais, o brasileiro pôde ver tanto giroflex na cara de tanta “gente transformada em importante”; algumas, aliás, de uma hora para outra, como se fossem partícipes escolhidos para usufruir das divinas e generosas tetas do Estado.
Por trás de cada piscada de cada giroflex a cada criatura buscada para esclarecimentos, informações, prisões preventivas, coercitivas e outras modalidades que o espaço policial comporta está a subtração de condições básicas de vida de um povo inteiro. Está, portanto, na contramão tanto das intenções de Cristo quanto das do próprio Noel, que busca se mostrar bondoso e igualitário – sem conseguir, é óbvio – na distribuição de seus presentes.
Enfim, neste clima de Natal, é bom saber que a cada girada de um giroflex esteve a prova da subtração dos reais presentes de que um povo precisa, e não só no Natal, mas o tempo todo: educação, cultura/arte de qualidade, saúde digna, moradias confortáveis, transportes públicos respeitosos, alimentação diária adequada e suficiente, salários decentes...
Diante de tantas subtrações, desejo a todos muita força neste Natal!