Fernando Nogueira de Lima
Quando decidi escrever este texto, imediatamente me veio à mente esse título aí em cima: Não li e não gostei. Ato contínuo pensei em descartá-lo e substituí-lo por outro que me tirasse do desconforto de utilizar uma frase muito conhecida – pela minha geração, que me remete a uma época em que a democracia não fazia parte do cotidiano do nosso país; tempos em que as decisões de governo objetivavam o poder pelo poder e, por consequência, a aniquilação de atitudes que estivessem na contra mão disso, com o propósito de estabelecer o pensamento único na política e manter a realidade, tolhendo o pensamento crítico de quem pretendia perseguir a liberdade.
Para que você caro leitor, de gerações mais jovens, entenda o que quero lhe dizer, e para reavivar a memória dos leitores que vivenciaram aqueles tempos, esclareço que essa frase foi dita por um general e ex-presidente da República que gostava de cavalos (nada contra os cavalos é que ele preferia o “cheirinho do cavalo” ao “cheiro do povo”) e que ao responder a um questionamento sobre o que ele achou de uma reportagem sobre as ações do governo, disparou: não li e não gostei.
Esclareço também, que desde aquela época não convivo passivamente com a defesa do pensamento único, nem com a prática política pautada na conquista do poder pelo poder. Isso porque, nesse contexto, os princípios são negociáveis e as regras, à mercê de propósitos, por vezes, inconfessáveis, são mutáveis. Contrário a isso, defendo que os princípios são inegociáveis, assim como defendo a diversidade de pensamento e mobilidade de opinião e informação.
Por isso é que, por mais de uma vez, manifestei minha insatisfação com essa consulta informal, conduzida pela ADUFMAT, SINTUF e DCE, com aquiescência dos Conselhos Superiores, para escolha do Reitor e Vice Reitor da UFMT. Essa consulta se dá na informalidade porque se fosse feita pelos Conselhos Superiores, o peso dos docentes na contabilização dos votos, por imposição legal, seria de 70%, ficando os demais 30% para os técnico-administrativos e alunos. Tal ponderação contraria a paridade defendida pela comunidade universitária, pelos Sindicatos e pelo DCE, ou seja que cada segmento deve ter igual ponderação, ou seja 33,33%. Nisso, reside a origem da consulta informal.
Além da paridade, adotou-se dois turnos nessas eleições como instrumento democrático capaz de legitimar, com maioria simples dos votos, os futuros dirigentes da instituição. E foi dessa forma que os primeiros processos informais de escolha de Reitor e Vice Reitor ocorreram na UFMT. Como consequência dessa decisão, a instituição já foi submetida a constrangimentos e dificuldades na nomeação dos seus dirigentes. Em uma das consultas, houve Ação Judicial com o objetivo de impedir que a lista tríplice elaborada pelo Colégio Eleitoral: CONSEPE, CONSUNI e CONSELHO DIRETOR fosse protocolizada no MEC. Noutra consulta, as urnas foram apreendidas pela Polícia Federal, de forma truculenta com direito a disparo de arma de fogo, por ocasião da contagem dos votos que se dava no Ginásio de Esportes.
Com o passar dos anos, em função de propósitos não necessariamente institucionais, as consultas tiveram critérios que se adaptavam à vontade de grupos com capacidade de mobilização para assegurar maioria nas assembleias deliberativas dos Sindicatos e do DCE, razão porque já ocorreram eleições em que não se contemplou o segundo turno e eleições em que a paridade foi desconsiderada. O Colégio Eleitoral, por sua vez, tem referendado o resultado dessas consultas, alheio, creio eu, ao fato de que, agindo dessa maneira, pode colocar em risco a defesa de uma instituição de excelência, haja vista que finalidades outras podem prevalecer nesses processos eleitorais.
Pois bem, recentemente foi divulgado o Edital da próxima consulta para Reitor e Vice Reitor da UFMT, elaborado pela comissão constituída por representantes dos Sindicatos e do DCE, legitimamente escolhidos pelas respectivas assembleias. Pelo que fui informado, para além de um calendário que estabeleceu, desnecessariamente, inscrições de chapas no período de 14 a 18 de dezembro, mais uma vez prevaleceu o interesse de grupos que contabilizam antecipadamente, a seu favor, os votos dos alunos, na medida em que a regra posta fere de morte o princípio da paridade entre os três segmentos: docentes, técnico-administrativos e discentes.
Ao considerar, no cálculo da ponderação de cada segmento, os votos válidos em vez do colégio eleitoral, a regra divulgada - sem o referendo das respectivas assembleias, ignora que a paridade deve garantir a igualdade entre os segmentos, não entre pessoas e privilegia a abstenção dos alunos que tem sido superior a três vezes a abstenção das demais categorias. Assim, quanto menos alunos votarem maior será o peso relativo dos discentes em relação aos docentes e técnico-administrativos na totalização dos votos, mesmo que todos os docentes e técnico-administrativos exerçam seu direito ao voto.
Tais regras, entendo eu, se prestam à caça do poder pelo poder e também se prestaram, quem sabe, para dificultar candidaturas outras, notadamente daquelas que entendem e defendem que essas eleições, embora relevantes, não podem ser mais importantes do que o cotidiano da instituição, devendo, na construção da excelência acadêmica, se limitarem o mais próximo possível ao período que se dá entre as inscrições de chapas e a proclamação do resultado das urnas.
Não li e não gostei dessas regras. Não tenho, pois, motivo algum para legitimá-las, submetendo-me a elas. Desta forma, reafirmo minha insatisfação com esse processo mutável e suscetível a casuísmos. É isso que tenho dito, ainda que não haja eco no Colégio Eleitoral e na Comunidade Universitária, porquanto minha consciência não me permite substituir convicções por conveniências. Simples assim.
Fernando Nogueira de Lima é professor e foi reitor da UFMT.
Em tempo: Desejo a todos um Feliz Natal e um ano novo repleto de realizações.