Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
No final dos anos 70, Caetano Veloso, em uma de suas canções, falava que “...Alguém cantando muito/ Alguém cantando bem/ Alguém cantando é bom de se ouvir...”
Isso era quase irrefutável no tempo da composição de “Alguém cantando” (1978). Hoje, raramente, é verdade, mesmo quando “a voz de alguém vem do coração” daquilo que ainda se inscreve como MPB. Tudo piora quando se transita nos espaços do ecletismo musical.
Há algum tempo, os que apreciam músicas de qualidade poética vêm sofrendo com a descida de tom de nossas composições; e isso acontecendo justamente conosco, que de saída temos dois tons maiores: o Jobim e o irreverente Tom Zé. Além deles, temos outros (Mil)tons, como os Chicos, tanto o Buarque quanto o César, o Gonzaguinha, o Gil, o Djavan, o João Bosco...
Essa descida tem marcos identificáveis. Geraldo Vandré nos ajuda a compreendê-los por meio de uma entrevista à GloboNews (2010), relembrada por Bruno Pavan, no artigo “Vandré: vendo a morte sem chorar” (Brasil de Fato: 14/10/2015).
Na ocasião, o compositor falara do momento da mudança em sua carreira e em sua vida: “foi no Maracanãzinho que houve uma passagem do que eu (ele) fazia para um público de teatro, 700 pessoas, no máximo 1.200 pessoas, para um ginásio de 30 mil. Ali foi a massificação”.
Na conclusão de Pavan, “Após “Caminhando”, nem Vandré nem o Brasil seriam mais os mesmos”.
De minha parte, digo que, nos anos 80, mesmo já bem massificados, ainda (ou)vimos composições feitas com qualidade poética. Já dos anos 90 para cá, a massa vem asfixiando a nobreza do popular. O resultado é trágico para a própria noção de nossa nacionalidade que a música sempre ajudou a produzir.
Para Vladimir Safatle, no artigo “O fim da música” (Folha de S.Paulo: 09/10/2015), “A música brasileira se transformou na trilha de fundo da literalidade de nossos horizontes”.
O mesmo autor fala que, “A despeito de experiências musicais inovadoras nestas últimas décadas, é certo que elas foram deslocadas para as margens, deixando o centro da circulação tomado por uma produção que louva a simplicidade formal, a estereotipia dos afetos, a segurança do já visto, isso quando não é a pura louvação da inserção social conformada e conformista”.
Diferentemente da hodierna pobreza imposta pela indústria da música, no que se pode abarcar todos os tipos do que se diz ser “universitário” (sertanejo, forró...), além de outros ritmos, na virada dos anos 60 para 70, o público – predominantemente universitário, mas sem a pauperização que o termo “universitário” traz agora, fruto da perda da qualidade de nosso ensino superior – debatia o farto conteúdo de nossas canções.
Nesse sentido, Vitor Nuzzi, um dos biógrafos de Vandré, registra o depoimento do jornalista Alberto Helena Jr., que, por conta do ânimo dos grandes festivais da MPB, fala sobre o clima cultural da virada dos anos 60 para os 70:
“Foi a única vez que eu vi o Brasil discutir cultura, e discutiam mesmo: sou 'Banda' (música de C. Buarque) porque remete às marchinhas, a um Brasil mais ingênuo, mais cordial. Sou 'Disparada' (de Vandré) porque é uma nova forma de criar música; a letra é mais complicada... Discutiam estética e cultura, e brigavam como se fosse uma disputa de campeonato de futebol...”
Hoje, a disputa é outra. Ela se encontra nas mãos de empresários que apadrinham artistas sem qualidade alguma para um púbico que vai se desqualificando cada vez mais, embora muita gente esteja nos espaços ditos “universitários”. Mais uma contradição “nunca antes vista...”.