Benedito Pedro Dorileo
Devíamos aliar a inteligência à criatividade para aprofundar o humanismo, pois, aquele tempo, mais do que o debate político, exigia doação e fervor. Não podia perecer a decisão do governo federal em instituir a Universidade Federal em Cuiabá, ainda no papel, para torná-la palpitante realidade – diante de fracassos de gestão em desperdiçar por incúria tantos programas advindos de Brasília. Enfrentando a empreitada, lembramos como âncora o escultor Augusto Rodin (França: 1840-1917), quando escreveu L’Art, em seu diálogo com Paul Gsell: ? ‘Hoje, a arte está ausente da vida cotidiana. Buscam a utilidade da vida moderna, esforçam-se para melhorar materialmente a existência, apenas’. Ao que Gsell rebateu: ‘Eu sei, mas desejo que este livro seja um protesto contra as ideias de hoje; que vossa voz desperte nossos contemporâneos para o amor à arte e à beleza’. Esta a inspiração: extirpar o marasmo e a bestealidade para produção do encanto do pensamento, robustecer os sentimentos para o serviço da implantação da Universidade, a pioneira. Precisávamos encontrar beleza até na cólera, como, na paisagem, a ave desfere o grito de guerra, para, desconhecendo a selvageria, identificar o belo.
Já se disse que Gabriel, o reitor da arrancada inaugural, tocava obra dia e noite, ensejando pensar que o trabalho só é bendito quando se realiza cantando. Dessa maneira, a vontade tinha dimensão acentuada no décimo ano da criação, em 1980. Urgia a cantante voz humana na desenvoltura dos esforços – dos laços que o amor arma brandamente (Camões). Foi que, na fremente colmeia, houve o alargar do voo em busca do banimento da descrença. – Felizes o povo, professores, técnicos e estudantes do Instituto de Ciências e Letras e da Faculdade Federal de Direito que acreditaram. Prevaleceu a premência do fazejamento pela angústia do tempo – fazer à toda brida.
A Orquestra Sinfônica Universitária iniciou os passos em 1974; muito cedo foram as suas raízes na banda sinfônica – resposta à desoladora baforada: ‘banda de música no interior é com prefeitura’. Com música erudita, em 1979, estava ela organizada, sob direção do maestro fundador, Konrad Wimmer, acolitado por Domingos Vieira de Assunção. Nenhuma ideologia ou escola literária exerceram influência, tampouco contribuíram, ainda que à distância na organização da OSU e do Coral Universitário. Foi arte pela arte.
Nasceu o Coral, em 29 de abril de 1980, visando à construção de um veículo de cultura musical do mais alto valor artístico, objetivando atuar como elemento de integração da universidade com a comunidade. Tanto Orquestra quanto Coral foram organizados pelo vice-reitor, autor deste texto, mediante delegação de competência.
Tempo de inigualável inventividade, nas décadas de 1970 e 80, com editora, cineclube, núcleo de documentação e história regional, museus, biblioteca, audiovisual, departamento de artes, esportes e teatro. Sôfregas tarefas à procura de recomposição de energias na música e na revivescência das atividades culturais.
Buscamos almas solícitas, sob as virtuosidades de Peter Ens e Lydia Ens, o primeiro, o maestro fundador, admitidos como professores visitantes, dados os admiráveis currículos na arte musical e experiência vivenciada em Estados da Federação. Organizar um Núcleo Permanente foi ato ímpar com membros da comunidade universitária e da sociedade cuiabana. Para tanto, criamos o quadro de Colaborador de Ensino, convertido depois em Agente Didático. Privilegiada improvisação que deu certo. Como Agentes, tivemos figuras ilustres: Rubens de Mendonça, Pedro Rocha Jucá, Dunga Rodrigues e outros, além dos coralistas. Logo o Coral atinge 130 componentes, ganhando os estudantes partícipes incentivos de créditos nos estudos.
Em 5 de maio de 1980, Dia Nacional da Comunicação, houve apresentação inaugural em homenagem à memória do patrono, o cuiabano, marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, um nome universal (nasceu em Mimoso, Santo Antônio, distrito na época, em 1865, do município de Cuiabá). O repertório avantajava-se progressivamente, cantando à ‘capella’ ou com a OSU. Ouvia-se o Hino de Mato Grosso, obrigatoriamente nos eventos cívicos. Também: O Coro dos caçadores, de Antônio Carlos Gomes; Jesus, alegria dos homens, de J. Sebastian Bach; Saudade de Matão, de Raul Torres e Galati. Ou Aleluia, de George F. Händel. E mais. Chegou-se ao Laboratório Coral em 1981, integrando instituições de ensino e cultura. Decorridos, neste 2015, os 35 anos de existência, o Coral Universitário da UFMT tem o condão de harmonizar trabalho e engenho artístico, integrar a formação do ‘homo totus’e liderar o canto coral em Mato Grosso, que muito tem expandido.
Benedito Pedro Dorileo é
Advogado e foi reitor da UFMT.