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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Roberto Boaventura da Silva Sá
Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP
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“De repente, não mais do que de repente”, um mundo doente. Um mundo “malade”. Um mundo “malato”. Um mundo “pocho”. Um mundo “sick”. Um mundo “krank”. Um mundo “Болен” (bolen). Um mundo “病気です”(Byōkidesu)... um mundo “病人” (bìng rén).
No princípio, em Wuhan, embora invisível, um ser bem vivo fez-se presente. E na terra de meu deus, e também na de Yu Huang Shang-ti, como tudo tem de ter nome, os humanos, mesmo atônitos, batizaram-no de COVID-19.
Não olvidando a existência de seus virulentos ancestrais, o recém-nascido “19”, que já poderia ser incorporado às demais “Pragas do Egito”, só é novo porque é 19; porque surgiu no ano da graça (ou nem tanta...) de 2019.
O nascimento desse ser invisível tem servido para muitas coisas, inclusive para desnudar a arrogância dos seres – por excelência – da aparência, que se sentem sempre superiores aos demais víveres do Planeta.
Chegando até aqui, registro que poucas vezes tive tanta dificuldade de escrever um texto. Motivo: nunca tive tanto tempo para apreciar uma avalanche de criatividade em torno de um tema (o COVID-19) e de um momento específico (a quarentena). Muitas vezes, rio; em outras, me emociono.
Dito isto, longe de pretender ser inédito, resgato a música “O mundo”, de André Abujamra, que até o momento, pelo menos em meu celular, ainda não chegou como algo que pudesse servir a reflexões.
“O mundo” coube no álbum “Vagabundo”, gravado em 2004 por Ney Matogrosso e Pedro Luís e A Parede. Desde que o conheci, tive a certeza de que se tratava de um daqueles textos que sabem dialogar com o seu tempo: um tempo difícil de ser compreendido e vivido.
A você, leitor, “O mundo”:
“O mundo é pequeno pra caramba/ Tem alemão, italiano, italiana/ O mundo filé milanesa/ Tem coreano, japonês, japonesa// O mundo é uma salada russa/ Tem nego da Pérsia/ Tem nego da Prússia// O mundo é uma esfiha de carne/ Tem nego do Zâmbia,/ Tem nego do Zaire/ O mundo é azul lá de cima// O mundo é vermelho na China/ O mundo tá muito gripado/ O açúcar é doce/ O sal é salgado// O mundo caquinho de vidro// Tá cego do olho/, tá surdo do ouvido// O mundo tá muito doente/ O homem que mata/ O homem que mente// Por que você me trata mal
se eu te trato bem?/ Por que você me faz o mal
se eu só te faço o bem?// O mundo é pequeno pra caramba.../ Todos somos filhos de deus/ Só não falamos a mesma língua”.
Deste poema-musicado, destaco, primeiro, o acaso da junção poética de dois versos: “O mundo é vermelho na China/ O mundo tá muito gripado”.
Paradoxalmente, que (in)feliz coincidência! Em termos poéticos, essa construção é um daqueles achados estonteantes.
Por fim, depois da certeza de que “o mundo tá muito doente”, destaco a obviedade de que “O mundo é pequeno pra caramba”. Por isso, a debacle poderá ser tão generalizada quanto abrangente. Se for, pior do que a ação do COVID-19 poderá ser algo próximo do que canta Paulinho da Viola, em “Pecado capital”: “...quando o jeito é se virar// Cada um trata de si// Irmão desconhece irmão...”
PS.: Depois do pronunciamento do presidente Bolsonaro (24/03), registro que ele já iniciou a sentença da música “Pecado Capital”: ignorou o valor da vida humana em prol da saúde, mas da saúde econômica do país, pois, já pensando em reeleição, e com medo de sua popularidade despencar ainda mais, incitou o povo a não respeitar o isolamento social.
A partir dessa postura, que opta pela ignorância em vez da ciência, uma frase que li em um cartaz – “O Brasil não elegeu um mito; elegeu uma lenda: a mula sem cabeça” – parece ganhar muito sentido.