Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
Ainda que tamborins e outros instrumentos que animam o carnaval já ecoem Brasil afora, continuo no artigo de hoje abordando o mesmo tema que me tem movido a escrever desde que 2016 chegou: a versão preliminar da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), lançada há pouco pelo MEC. E, agora, já não me sentindo tão solitário nesse embate.
Entre pierrôs e colombinas – todos já bem inebriados –, para além de dois ou três professores que já haviam botado a boca no trombone, dentre os quais me incluo, outros docentes – preparados também para as discussões políticas – começaram a se pronunciar em consolidados veículos de nossa mídia.
Em meu segundo artigo deste ano, dialogo com o professor João Batista Araújo e Oliveira, que publicou, na Folha de S.Paulo (12/01/16), o artigo “O debate que não houve”. Pelo título, o leitor já pode deduzir que o MEC, mais uma vez, tenta impor uma nova proposta de educação ao País, e sem debate algum.
Antes de Oliveira, quiçá de quaisquer outros, o professor Marco Antônio Villa, no final de 2015, antecipava alguns absurdos contidos na BNCC para a disciplina de História. Dela, está extraída, p. ex., a obrigatoriedade do ensino de histórias antiga e medieval. O mesmo ocorre com o tópico “Revolução Francesa”.
De minha parte, no artigo “O debate que não haverá” (Diário de Cuiabá: 14/01/16), antecipo a subtração da Literatura Portuguesa na BNCC. Logo, denuncio a desobrigação de apresentarmos aos estudantes do ensino médio escritores como Gil Vicente, Camões, Fernando Pessoa, Saramago et ali.
Para meu alento, dias depois, em “Tendências/Debates”, da Folha de São Paulo, de 28/01/16, Flora Bender Garcia e José Ruy Lozano fizeram a mesma denúncia por meio do artigo “Literatura Portuguesa naufraga no Brasil”. Suas inquietações são praticamente as mesmas por mim expostas.
Além dessas contestações individuais de que pude saber, o 35º Encontro Nacional do Sindicato Docentes do Ensino Superior (ANDES-SN), reunido durante a semana passada, em Curitiba, aprovou a elaboração de uma nota pública ao país, denunciando os principais problemas contidos na BNCC.
E os problemas não são poucos; tampouco superficiais. Todos são de profundidade. Todos visam redirecionar o cerne do ensino do país para o conforto da lógica ordenada por agentes internacionais do capital.
Tais agentes – sabedores da falência de nossa educação, fruto de experiências iniciadas ainda na ditadura militar – sentem-se confortáveis para impor novas experiências. Aliás, de experiência em experiência, vamos perdendo nossa inteligência.
Agora, as novidades do momento que os agentes internacionais estão nos impondo encontram-se ancoradas em pelo menos duas grandes linhas: 1ª) as novas tecnologias; 2ª) a necessidade de uma formação mais voltada para a realidade do estudante. Leia-se: para a necessidade do mercado, que requer apenas mão-de-obra, não seres pensantes que tenham alguma visão de universalidade.
De repente, desconhecer a acidez social de um Gil Vicente, p. ex., ajudaria na pavimentação dessa necessidade dos agentes do capital. Ignorar processos históricos, idem. Acoplados a essas subtrações de conteúdo, ainda vêm os discursos sedutores da primazia da subjetividade de nossos estudantes. É o império do umbigo, não do cérebro.
Penso que mais do que nunca é preciso termos a coragem do eu-poético do escritor português José Régio, que em “Cântico Negro”, nos dá uma lição de como recusar imposições, dizendo um sonoro:
“Não, não vou por aí.
Só vou por onde me levam meus próprios passos”.