Terça, 02 Fevereiro 2016 11:41

Estilística II

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 Benedito Pedro Dorileo 

Este ano de 2016 assinala jubileus marcantes da intelectualidade, como os 150 anos de nascimento de Euclides da Cunha, em 20 de janeiro de 1866. Outros, tal como o centenário de nascimento de uma inteligência fulgurante, em 19 de junho de 1916, de Gervásio Leite. Jurista e poeta, associado do Instituto Histórico e Geográfico e da Academia Mato-Grossense de Letras, da qual foi presidente. Nessa, empossado em 1945, fora recepcionado pelo acadêmico Otávio Cunha que discursou: “viestes, Gervásio, colaborar num capítulo do volume deste século com os poetas desta Casa. Além de outros, são teus companheiros de labor neste cenáculo: Maria de Arruda Müller – a poetisa de Mato Grosso. ” (In Egéria Cuiabana). Homenageando este crânio privilegiado, cultor da língua portuguesa, fisguemos do assunto a flexão genérica do substantivo poeta.

Cioso das gramáticas tradicionais, flexionei sempre para mulher – a poetisa.  Estudiosos atuais como o professor Claudio Moreno, professor na UFRGS, lembra que o feminino foi sempre poetisa. Todavia historia que: “na primeira metade do século XX brotaram academias femininas de letras e que essas novas entidades, reforçando a crença chauvinista de que tais instituições originalmente eram privilégios dos homens, começaram a usar, por exemplo – Cecília Meirelles, uma grande poeta”. Acentue-se que a moda pegou, admitindo tratar-se de substantivo comum-de-dois, tal como: estudante, pianista.

O professor Adalberto J. Kaspary, também da mesma universidade gaúcha, preleciona: “a forma poeta para o feminino tem caráter mais profissional, ao passo que poetisa identifica, atualmente, mais a mulher que faz versos eventualmente, até por diletantismo. Tem certa conotação pejorativa, passando a ideia de sentimentalismo versejado. ” Socorre-nos o mestre Domingos Paschoal Cegalla, em seu Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa: poeta, aplica-se a homem; para mulher – poetisa. Com autoridade sustenta: “por ignorância ou desprezo pela tradição da língua, há quem use poeta em vez de poetisa”, como a frase – “a poeta Cecília Meirelles era, ao mesmo tempo, leitora e analista minuciosa da poesia de Mário de Andrade”. E decreta: “poetisa não encerra nenhuma conotação depreciativa. Chamar de poeta a mulher que escreve poemas é que a deprecia. ” Quando se reporta à essa festejada escritora, Carlos Drummond de Andrade, sobre o Romanceiro da Inconfidência, patenteou: “a poetisa traz-nos seu primeiro livro, porém não o entrega logo”.

Como dissera ao atento professor Germano, resguardo-me em Napoleão Mendes e no professor Antenor Nascentes, emérito do Colégio Pedro II, que autorizam a flexão genérica de poetisa. Naturalmente a observar a dinâmica linguística com os seus diligentes cultores. Aliás, o gramático dos nossos dias, professor Luiz Antônio Sacconi, em Nossa Gramática, afirma: o poeta, a poetisa. E acrescenta: “De modo nenhum use a poeta”. Então, não há saudosismo ou mesmo ato de emperrar-se na cátedra empoeirada. É de bom gosto, doçura prosódica, trato delicado da mulher intelectual para presenteá-la de maneira sonorosa com a flexão – poetisa. Lindo, soa cantante, artístico.

Ah, Gervásio, como era bom dialogar com a sua inteligência. Lembro-me de uma passagem quando tratávamos do vocábulo poeta e sua flexão genérica, ouvindo a beleza harmoniosa de poetisa. E com sua sagacidade comentava sobre a variabilidade da presença do adjetivo na frase, a demonstrar propriedade imaginativa e sonhadora. Era uma lição de estilística, pois se trata de um processo lírico, como se exemplifica – o amargo cálice da poetisa. A língua portuguesa, as neolatinas facultam a colocação díspar do rigor anglo-saxônico com uniformização antecipada do adjetivo, como no inglês ou no alemão. O certo é que o emprego das palavras atende a duas operações: a percepção e o sentimento. Na prática há objetos ou noções que despertam mais a nossa inteligência, outras ferem mais a nossa sensibilidade. A carga sentimental é determinante. 

Benedito Pedro Dorileo é advogado e

foi reitor da UFMT

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