Quarta, 08 Maio 2019 15:15

 

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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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No Brasil, todos os políticos falam da importância de melhorar a educação. Todavia, há antagônicas propostas de como “resolver os problemas”.

No rol do que a educação abarca, o ensino superior também faz parte. Só para esse estágio, as divergências são abundantes, a começar pelo embate entre os defensores da universidade pública/gratuita contra os privatizantes.

Desse embate, só não deveriam valer as fake news, ainda mais se produzidas por agentes do governo. Há pouco, alguns integrantes do governo Bolsonaro, na mídia e em suas redes, produziram inverdades inadmissíveis sobre as federais.

Diante disso, como sempre defendi a universidade pública, gratuita e laica, passo a expor considerações justamente acerca desses três termos caracterizadores das federais. 

Na lógica da “pública”, está a referência primordial dessas instituições, pois elas devem ser socialmente referenciadas. Isso está na contramão da concepção mercadológica que impera nas particulares. O mercado tem pressa e fome de lucro, o que não combina com o percurso da excelência ao tripé “ensino/pesquisa/extensão”.

Na lógica da gratuidade embute-se a intenção de receber nas federais acadêmicos de todas as classes. Infelizmente, em alguns cursos, isso não ocorre, exceto pelas cotas. Motivo: o desmonte produzido nos níveis de ensino que antecedem ao superior. Portanto, há uma obrigação do Estado de resgatar o nível dos ensinos básico e fundamental, e não propor a retirada da gratuidade.

No tocante ao aspecto laico, nunca foi tão importante fazer essa marcação, intencionando manter e reforçar sua importância, pois o governo, embora aja desumanamente, tenta fazer crer que só atua sob o consentimento de Deus.

Dizer que a universidade é laica pressupõe afirmar que ela não se pauta pela fé, mas pelo conhecimento, pela pesquisa...

As federais, por si, são templos, mas da ciência, que não trilha na mesma perspectiva das religiões. Estas, até pela pluralidade de um povo diverso como o nosso, devem ser respeitadas, mas em seus espaços específicos. As federais não são o caminho de Santiago de Compostela e Cia.

É necessário deixar isso bem claro, pois, pelo viés religioso, portas têm sido abertas para a exposição de preconceitos e ataques de todos os tipos contra aqueles que são considerados agentes “ideológicos/doutrinadores”.

Nesse clima de delirante incitação, espíritos sorrateiros – como o do traidor Silvério dos Reis durante a Inconfidência Mineira – têm sido convocados para delatar professores, técnicos e estudantes que, supostamente, possam estar doutrinando alguém.

Portanto, o fato de as federais serem públicas, gratuitas e laicas é o que lhes têm garantido os primeiros lugares de quaisquer rankings nacionais; é a condição para, internacionalmente, colocar o Brasil no 13º posto, quando o assunto é pesquisa; aliás, 99% de todas as pesquisas estão nas federais.

No ensino de graduação, há atualmente 1.100mil matrículas distribuídas em cerca de 4.900 cursos.

Na extensão, há mais de 25 mil projetos que alcançam cerca de 20 milhões de brasileiros.

Nos Hospitais Universitários, além das 7.400 vagas para residência médica, realizam-se mais de 23 milhões de consultas/ano, bem como mais de 315 mil internações e 450 mil cirurgias/ano.

As federais ainda são pontos de cultura, por meio de museus, cinemas, bibliotecas e teatros.

Resumindo: sem as federais, este país seria infinitamente menor. Nem é bom pensar.

Sendo assim, provocar e/ou permitir sua desmoralização é das mais indignas atitudes em termos de cidadania.

 

Sexta, 03 Maio 2019 10:11

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Às vésperas do 1º de maio, perdemos Beth Carvalho, uma trabalhadora do meio musical.

Por conta da gravação de 1976 que Beth fizera de “As rosas não falam”, de Cartola, o jornalista Mauro Ferreira, para o G1, partindo do título “A rosa do povo”, que é um dos livros mais importantes de Drummond, registra que, “pelo repertório sempre escolhido com rigor, e sobretudo pela genuína vocação para ser uma rosa do povo, que Beth Carvalho floresceu e se transformou numa cantora da casa de todos os brasileiros, irmanando ricos e pobres no prazer de ouvi-la dar voz ao samba”.

Correto. Todavia, Beth cantou mais do que belos sambas. Fosse o ritmo que fosse,  ela cantou o que era preciso no tempo certo das coisas, mesmo, quando nesse tempo vigorava o sombrio; um tempo em que a humanidade já precisava ser alertada para a necessidade do cultivo do lado humano de nossa espécie, perigosa por natureza.

Por isso, para esta homenagem a essa cantora, que, antes de ser artista, era reconhecida como uma cidadã, que sabia que a luta pela dignidade das pessoas precedia a qualquer coisa, escolhi recordar – dentre um vasto leque de preciosidades musicais, uma gravação sua com Mercedes Sosa – “Eu só peço a Deus”, do argentino León Gieco, que fez e gravou aquela canção quando os ditadores Videla, da Argentina, e Pinochet, do Chile, no final de 1978, quase arrastaram seus países a uma guerra.

Quando Mercedes Sosa regressou à Argentina, após a redemocratrização de seu país, gravou essa canção com diferentes cantores do mundo. Beth Carvalho – uma voz constante contra a censura que prevaleceu durante os anos de vigência da ditadura militar no Brasil – foi uma dessas. A gravação, com versão de Raul Ellwanger, é de 1986.

Dada sua relevância, diante de tantas atrocidades pelas quais passa a humanidade, transcrevo a canção, cuja melodia é tão tocante quanto o seu conteúdo:

Eu só peço a Deus// Que a dor não me seja indiferente// Que a morte não me encontre um dia// Solitário sem ter feito o que eu devia// Eu só peço a Deus// Que a injustiça não me seja indiferente// Pois não posso dar a outra face// Se já fui machucado brutalmente// Eu só peço a Deus// Que a mentira não me seja indiferente// Se um só traidor tem mais poder que um povo// Que esse povo não esqueça facilmente// Eu só peço a Deus// Que o futuro não me seja indiferente// Sem ter que fugir desenganado// Pra viver uma cultura diferente// Eu só peço a Deus// Que a guerra não me seja indiferente// É um monstro grande e pisa forte// Toda a pobre inocência dessa gente”.

Diferentemente da lógica que molda a maioria dos que se dizem cristãos, como muitos de nossos governantes do passado e, principalmente, do presente, o eu-lírico do texto, repleto de preocupações com os rumos que a vida contemporânea vai apresentando, pede a Deus, na essência, o exercício constante de busca pelo império da humanidade que deve habitar o seu ser; logo, clama para não ser indiferente à dor alheia; para não ser socialmente inerte; para não se omitir perante mentiras e injustiças; para ter forças no enfrentamento com os traidores; para não se omitir perante o futuro das novas gerações; para ter capacidade de “viver uma cultura diferente”. O último de seus pedidos é para que a guerra não lhe seja indiferença, pois sua monstruosidade é “grande e pisa forte”.

A letra acima resume o que foi a existência de Beth Carvalho: uma artista brasileira que cantou a alma de seu povo, principalmente de sua parte mais explorada e marginalizada pelo sistema vigente.

 

Terça, 30 Abril 2019 17:57

 

 

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JUACY DA SILVA*
 

dia primeiro de Maio é dedicado ou conhecido como O DIA DO TRABALHO ou para outros como o DIA DO TRABALHADOR OU TRABALHADORES e, em diversos países, inclusive no Brasil é considerado um feriado nacional.


Sempre é bom relembrar e dar uma “olhadinha” na história para que passamos entender os fatos que marcam o calendário anual e que lições podemos “tirar” de tais fatos. Na data em questão, o DIA 01 DE MAIO surgiu a partir de uma grande greve e manifestação ocorrida em 1866 na cidade de Chicago, nos Estados Unidos, quando  mais de 500 mil  trabalhadores saíram às ruas em protestos contra as condições precárias de trabalho em que viviam, jornadas de trabalho diária de 14 ou mais horas, sem repouso semanal, sem férias, com remuneração abaixo das necessidades básicas de sobrevivência dos trabalhadores e de suas famílias, enfim, condições bem próximas ao do trabalho escravo que havia sido abolido naquele país há apenas 03 anos.


A abolição da escravidão nos EUA aconteceu em 1863, através de um Ato promulgado pelo então Presidente Abraham Lincoln, em plena Guerra civil e isto possibilitou a imigração de ex-escravos e suas famílias para as cidades do norte ou meio oeste americano, como Chicago e tantas outras.


Neste mesmo período, no Brasil ainda vigorava o trabalho escravo, um dos últimos países a abolir esta forma desumana, degradante e indigna de trabalho, mas que, na verdade está na raiz da formação econômica de nosso país e na acumulação de capital nas mãos dos donos dos meios de produção. Esta é a origem do capitalismo e da formação da burguesia brasileira, acumulação, riqueza e poder na esteira da exploração da força de trabalho, antes dos escravos e depois no trabalho assalariado aos níveis que ainda persistem na atualidade.


A história do trabalho escravo que ainda hoje persiste na forma de escravidão disfarçada ou aberta, em diversas partes do país e também nos níveis salariais e precárias condições de trabalho, as vezes em ambientes insalubres e degradantes, apesar de direitos constantes das diferentes constituições que já vigoraram ou ainda vigoram em nosso país e que não são respeitados, é um alerta para que este feriado nacional não seja apenas um dia festivo como muito o fazem, mas um momento de reflexão mais profunda sobre a dinâmica das relações de trabalho, principalmente quando tanto no Brasil quanto em outros países se busca a implantação de um liberalismo exacerbado que levará ainda mais a precarização dessas relações, aumentando sobremaneira a exploração da força de trabalho e os níveis de miserabilidade entre os trabalhadores.


Quem em sã  consciência imagina que um trabalhador que ganha apenas um salário mínimo de fome, em torno de 73% dos trabalhadores brasileiros ganham apenas um salário mínimo e índice semelhante de aposentados tem que sobreviver com este valor irrisório e ainda sujeitos a retirada de direitos através de reformas que atendem apenas ou mais beneficiam os donos do capital, como foi a reformas trabalhista de Temer ou esta reforma da Previdência cruel, injusta e enganosa do governo Bolsonaro que , se aprovada como foi encaminhada ao Congresso Nacional vai degradar em muito as condições de vida dos trabalhadores e futuros aposentados, os idosos do futuro próximo que estarão mais excluídos e penalizados.


Diante deste quadro sombrio, onde o desemprego aberto já atinge mais de 13,1 milhões de trabalhadores no Brasil e mais de 192 milhões no mundo inteiro, além de 26,4 milhões de subempregados em nosso país e mais de 315 milhões nesta condição ao redor do mundo, a desregulamentação total das relações de trabalho, incluindo a pressão que existe para a extinção da Justiça do Trabalho, com certeza será mais um golpe nas condições, já precárias, de trabalho.


Notícia recente indica que em torno de 65,7 milhões de trabalhadores estão fora da força de trabalho no Brasil, além daqueles que estão desempregados e subempregados, isto demonstra que mais de 105,2 milhões de trabalhadores estão vivendo ou sobrevivendo em condições de miserabilidade e precárias, pressionando inclusive para baixo,  o nível médio de remuneração dos trabalhadores.


É sabido que a força de trabalho é o único bem que o trabalhador tem para vender no mercado de trabalho e segundo a chamada “lei da oferta e da procura” que inclui também as relações de trabalho, o elo mais fraco desta cadeia, com certeza, é o trabalhador.


Em um meio com tanta gente desempregada, subempregada ou fora da força de trabalho, não havendo a proteção da Lei e a ação do governo para corrigir tais distorções, a tendência é para que o nível salarial seja corroído tanto pela inflação quanto pela pesada carga tributaria que onera desigualmente os trabalhadores, mais a pressão dos empregadores que tendem a dispensar trabalhadores que ganham salários mais elevados e procurem outros trabalhadores que aceitam vender sua força de trabalho por um preço mais baixo, enfim, milhões que se “contentam’ em ganhar até mesmo abaixo do salário mínimo, ou como dizem apenas por um prato de comida, como estratégia de sobrevivência e isto levará os níveis de remuneração à deterioração até se aproximarem do trabalho escravo ou semiescravo, reduzindo os custos da produção e aumentando o lucro dos empresários, que com a reforma do Governo Bolsonaro não estarão mais obrigados a contribuírem para a seguridade social, que inclui além da previdência social, também a saúde e a educação.


Existe uma frase cunhada pelo SOCIÓLOGO alemão MAX Weber, que afirma “o trabalho dignifica o ser humano”, mas dadas as condições atuais das relações de trabalho em diversos países, inclusive no Brasil, com certeza podemos discordar, em parte, desta afirmativa, afinal trabalho escravo, semiescravo ou com níveis salariais que beiram `a mera subsistência, a burla de direitos dos trabalhadores, seja no presente ou sua situação no futuro, ao envelhecer, com certeza este tipo de trabalho pode ser considerado degradante e jamais dignifica o ser humano.


Há alguns meses ouvi uma discussão onde um governante disse que em momentos de crises, como está acontecendo no Brasil, o trabalhador só tem duas escolhas: a) ter muitos direitos e ficar desempregado; b) ter menos ou poucos direitos e poder trabalhar. Esta discussão está na base da “carteira de trabalho verde amarela”, uma das propostas do Governo Bolsonaro, que vai institucionalizar a precariedade das relações de trabalho em nosso país.


Resumindo, neste DIA DO TRABALHDOR precisamos refletir sobre a situação atual e os rumos das relações de trabalho, tanto no setor publico quanto privado em nosso país, caso contrário poderemos estar enveredando por um grande retrocesso. Oxalá o atual governo não resolva abolir a Lei Áurea e reinstituir o trabalho escravo no Brasil, para gáudio e aplausos dos donos do capital, a quem, de fato, praticamente todos os governos estão a serviço, ao longo de nossa história, pois esses são realmente os verdadeiros donos do poder!


*JUACY DA SILVA, professor universitário titular e aposentado, mestre em sociologia, articulista de diversos meios de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.Twitter@profjuacy Blog www.professorjuacy.blogspot.com
 

 

Terça, 30 Abril 2019 10:04

 

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Por Aldi Nestor de Souza*
  

Maria estuda numa faculdade particular de Cuiabá e trabalha como garota de programa. Jovem, muito bonita, corpo sarado e culta, ela é o que, nos dias de hoje, chamam de acompanhante de luxo. Filha única, ela mora com os pais que fingem não saber da prostituição.
 
O cafetão é seu ex-professor do ensino médio. Trabalhar pra ele tem a vantagem de ter garantia de sigilo.
 
Os clientes, selecionados via cadastro, são pessoas da mais alta classe social da cidade: deputados, vereadores, políticos em geral, produtores de soja, além de várias outras autoridades, todos dispostos a pagar, e muito, por horas de prazer sexual.
 
Maria diz que se apresentar como universitária, no mundo da prostituição, é de grande valia e é apenas por isso que ela faz a faculdade. Além disso, ela lê bastante e fala inglês e espanhol.
 
Ela está com vinte anos e, além de malhar, costuma correr e participa intensamente das atividades culturais da cidade. Quando o tempo permite, compete na corrida de Reis, vai às festas de santo, visita a expoagro e também as exposições de artes plásticas. Maria conhece a obra de muitos artistas matogrossenses e curte, particularmente, Gervane de Paula, Humberto Espíndola e João Sebastião.
 
Maria diz que participar da vida social da cidade é uma forma estratégica de chamar a atenção de seus clientes. Antes de cada programa, procura se informar da pessoa e já chega nos encontros com a conversa pronta. Ela costuma dizer:
 
“ Se o cliente é desses metidos a intelectuais, falo de artes, dos museus. Tenho até aquela frase besta decorada: “a arte existe porque viver não basta”. Nem sei quem disse essa bobagem, mas quando digo isso qualquer pessoa pensa que eu levo arte a sério e cai na minha conversa”.
 
“Se é alguém que cheira a bosta de vaca, falo da expoagro, dos animais, das raças, dos rodeios, dos shows de música sertaneja, que eu odeio, mas sei fingir que gosto. Esse é um jeito de fazer qualquer trouxa virar cliente cativo e assíduo”.
 
“Se é alguém com cara de bobo, tipo um atleta ou essas pessoas que curtem esportes, falo de academia, de minhas participações na corrida de reis, de meus treinos, de outros esportes. Enfim, tento entrar no mundo da pessoa de forma a ela acreditar que eu a considero e a levo a sério.”
 
Maria pretende seguir na prostituição, pelo menos enquanto seu corpo e sua mente aguentarem. Suas amigas, que também fazem programa, por julgarem sua beleza muito acima da média, questionam o fato dela não querer fazer outra coisa, seguir outra profissão. Laura, uma das mais próximas, lhe pergunta.
 
— Por que você não tenta a carreira de modelo, Maria?
 
— Porque cada pessoa tem o direito de escolher como quer se prostituir, Laura.
 
Até conhecer Jaime, um produtor de soja que mora em Cuiabá e tem uma fazenda lá pras bandas de Campo Verde, Maria nunca havia se apegado afetivamente a nenhum de seus clientes. O que lhe atraiu em Jaime, logo na primeira vez que saíram, foi o fato dele só mijar num penico.
 
—Como assim, Jaime, você trouxe um penico pro motel?
 
— Sim, trouxe. Pra onde vou levo essa mochila com meu penico. Só gosto de mijar nele. É que não tenho muito boa pontaria e não gosto de sujar a borda do vaso sanitário.
 
Essa declaração fisgou a atenção e, ao que parece, o coração de Maria, que considerou esse gesto de rara sensibilidade nos homens.
 
—Nossa, Jaime, estou chocada! Não sabia que existia alguém tão sensível assim. Desde quando você usa penico?
 
—Desde a adolescência.
 
Mijar num penico marcou tanto Maria que agora, de vez em quando, ela se pega pensando em Jaime, assim como fazem os apaixonados,  e  aos poucos a relação foi se estreitando.
 
— Quer dizer que você curte feiras agropecuárias, Maria, e até frequenta a expoagro?
 
—Sim, curto e vou à feira de vez em quando. Gosto muito de ver aqueles animais bem cuidados.
 
— O que mais você costuma fazer em suas horas vagas? A gente poderia fazer uma viagem pro pantanal, passar um final de semana, o que você acha?
 
— Adoraria ir pro Pantanal, Jaime. Conheço pouco de lá, só fui até o comecinho, ali em Poconé.
 
— Então tá combinado. Vamos marcar depois a data.
 
Jaime foi também o primeiro cliente que Maria reviu por acaso, em seus passeios pela cidade. Foi numa noite de Bulixo, lá no Sesc Arsenal. Ele estava na fila pra comprar comida. Tinha no ombro sua inseparável mochila, com uma das mãos segurava o filho pequeno e com a outra abraçava a cintura da esposa.
 
Maria deu meia volta.
 
Jaime não a viu.
 
 
*Aldi Nestor de Souza

Professor do departamento de matemática da UFMT/Cuiabá
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Segunda, 29 Abril 2019 11:36

 

 

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JUACY DA SILVA*
 

Depois de “aceitar” a demissão ou demitir o Ministro da Educação, um colombiano que pouco ou nada entendia de educação brasileira, agora o novo ministro da educação, secundado pelo Presidente da República, “brindam” a opinião pública nacional com uma pérola que revela estupidez e uma ignorância sem limites.


Ambos advogam, conforme noticiário do final desta semana, que as universidades federais devam deixar de “gastar” dinheiro público com disciplinas e cursos que pouco proveito trazem para a formação dos alunos e cita, de cara, FILOSOFIA e SOCIOLOGIA.


Em nota divulgada pelo Twitter, imitando o presidente americano, que apenas comunica suas decisões imediatas por redes sociais, ao invés de dialogar, debater com a sociedade as politicas públicas que pretende implementar, enfim, decisões de governo, de forma autoritária, apenas informa a opinião pública suas decisões, disse o Presidente “O Ministro da Educação @abrahamWeinT estuda descentralizar investimento em faculdades de
filosofia e sociologia (humanas). Alunos já matriculados não serão afetados. O objetivo é focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, como: veterinária, engenharia e medicina.”.


Ao divulgarem semelhante comunicado, parece que tanto o Presidente da República quanto o Ministro da Educação desconhecem a importância que os diversos ramos do conhecimento como sociologia, filosofia, lógica, ciência politica, comunicação, economia, direito, história, antropologia, ecologia, teologia, artes, educação/pedagogia tem oferecido para a formação das pessoas, do senso crítico, da capacidade de raciocinar e entender a dinâmica das sociedades, das diferentes culturas e suas instituições.


Com certeza, decisão como esta, além de representar ignorância quanto ao papel da universidade, sua autonomia, tem como agenda oculta, que é a ideia de que esses cursos e disciplinas estão a serviço de alguma ideologia socialista ou comunista, como algumas pessoas podem acreditar. A continuar esta “batida” não vai demorar tanto o Presidente quanto seu ministro da educação vão definir que tipos de livros podem ou não ser lidos e debatidos nas universidades e ensino médio,  que tipos de visão de mundo podem ser discutidas na educação brasileira, impondo, de fato uma educação censurada e obsoleta, quando a liberdade de cátedra e a autonomia das universidades são os fundamentos do desenvolvimento do conhecimento e, por extensão, o desenvolvimento do país.


Seria o caso de se perguntar o que o Presidente da República e  seu ministro da educação pensam sobre o papel da Academia brasileira de Letras e de inúmeras academias de letras espalhadas pelo Brasil, o que pensam do papel e contribuição de poetas, músicos, artistas, cineastas, romancistas e filósofos tem oferecido ao desenvolvimento das letras, das artes e da cultura brasileira? Qual o retorno que esses personagem  que “militam ou militarem” nas áreas das ciências humana trazem ou trouxeram para o Brasil, já que não são médicos, nem veterinários e nem engenheiros ou outras profissões da área das ciências exatas?


Parece que o presidente e seu ministro da educação são os únicos sábios de plantão no país e os únicos que conhecem a realidade educacional brasileira e se metem a tomar decisões de forma autoritária, sem consultar sequer os setores que podem ser excluídos do financiamento da educação pública, ferindo de cara a autonomia das universidades e o próprio senso comum quanto à importância que cada área de conhecimento tem ou pode ter para a formação acadêmica, professional e a contribuição que cada área tem para o desenvolvimento do país.


Ao invés de se debruçar sobre os graves problemas que afetam a educação brasileira, como a baixa qualidade da mesma em todos os níveis e em todas as esferas, os índices vergonhosos de analfabetismo e analfabetismo funcionam que denigrem a imagem do país, a falta de uma carreira digna para professores, com perspectivas de progresso e remuneração decentes, encarar o fato das universidades federais, incluindo os hospitais universitários estarem todas/todos sucateados, vem o ministro com declarações extemporâneas, estapafúrdias e citando exemplos falsos como o que aconteceu no Japão, afrontando áreas de conhecimento, das quais com certeza pouco conhece, enfim, muita bobagem e estupidez para uma autoridade que deveria ter o devido cuidado, conhecimento de causa e critérios fundamentais para emitir opinião.


Com frequência o Presidente afirma que nada conhece da economia e deixa a cargo de seu guru e ministro da economia a tomada das decisões, Talvez fosse o caso de o mesmo também confessar que pouco ou quase nada entende da vida universitária e de educação e deixar a cargo de seu ministro decisões mais fundamentas e menos improvisadas nesta que é uma ou talvez a área de maior importância para o presente e o futuro da educação, exigindo que o mesmo estudasse com mais profundidade os temas sobre os quais precisa definir.


Como o ministro mencionou o caso do Japão, talvez seja importante que o mesmo estude melhor a revolução meiji que transformou profundamente a educação naquele país no final do século 19 e possibilitou que o Japão se transformasse em uma potência mundial, já nos anos quarenta do século passado. Ou como foram as revoluções na educação na China, em Taiwan e na Coréia do Sul, ou como é a educação em geral e superior na Alemanha, onde as ciências humanas e sociais caminham pari-passu com a revolução tecnológica. Ou então a experiência americana onde todas as áreas de conhecimento tem papel importante tanto em universidades públicas quanto privadas. Só o conhecimento liberta o ser humano da ignorância, da visão utilitarista e imediatista da educação.


É lamentável ver como o descaso, a forma apressada e distorcida podem servir de base para definir politicas públicas no Brasil. Educação não e mercadoria e ao desqualificar algumas áreas do conhecimento como filosofia e sociologia e, por extensão, todas as demais disciplinas, cursos e áreas do conhecimento do que chamamos de ciências humanas e sociais, como desnecessárias e que nenhum retorno traz ao contribuinte demonstra uma visão imediatista e alienada do papel das universidades.


Lamentável que a ignorância, o improviso, o preconceito e  a estupidez estejam a serviço de decisões governamentais de alta responsabilidade. Como sociólogo, mestre em sociologia e professor de universidade federal, mesmo aposentado, não posso me furtar e me  calar ante tamanha asneira vinda de pessoas com a responsabilidade para o presente e o futuro da educação brasileira.


Juacy da Silva, professor universitário, titular e aposentado UFMT, SOCIÓLOGO, mestre em sociologia, articulista e colaborador de diversos veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blog www.professorjuacy.blogspot.com Twitter@profjuacy
 

 

Quinta, 25 Abril 2019 10:17

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Em termos estruturais, poucas instituições são mais democráticas do que as nossas universidades, com destaque às federais, pois suas decisões são advindas dos espaços coletivos. Destes, os que mais se destacam são os seus colegiados: os de base e os superiores.

Aos primeiros, inserem-se os colegiados de cursos e de departamentos, onde eles ainda existem, pois tendem a ser extintos por conta da agilidade/otimização administrativa. 

No patamar dos colegiados superiores, há mais dois ou três espaços, conhecidos como conselhos. Em um deles, são debatidas as questões acadêmicas de ensino, pesquisa e extensão. Em outro, concentram-se as deliberações sobre a dinâmica administrativa. Há lugares em que existe ainda um tal Conselho Diretor. Em todos, o(a) reitor(a) é presidente nato.

Para presidir tais reuniões, há formalidades dispostas em estatutos, regimentos e outras disposições, sempre subjugadas àqueles. O fiel (e tranquilo) cumprimento dessas formalidades resguarda o exercício democrático nas instituições, preservando a convivência moldada pela lógica burguesa. Quanto mais fiel às regras vigentes, melhor para a saúde da democracia nas instituições; melhor também para a saúde dos corpos e das mentes de todos. 

Mas por que estou falando disso?

Porque, na UFMT, a democracia anda adoentada; por isso, mais do que as adversidades, que são normais e até salutares, vivemos crescente clima de animosidade, principalmente após a última greve estudantil.

Ao bem de uma verdade histórica, a UFMT, em poucos momentos pôde se dizer amplamente democrática, pois ela nasce dentro do regime autoritário, iniciado em 64.

Vencida a ditadura, civis com perfis conservadores continuaram a dar o tom na Instituição; todavia, pelo menos a mesura dos códigos burgueses – incluindo nestes o respeito às regras de reuniões – sempre foi preservada, tanto que, particularmente, nunca fui desrespeitado por quaisquer dos dirigentes da UFMT antes da virada do milênio; aliás, o respeito era mútuo, sobretudo quando presidi o Sindicato dos Docentes da UFMT entre 1993-94.

A partir dos anos 2000, praticamente coincidindo com a ascensão do PT ao governo federal (em 2002), reitores vistos como progressistas e sintonizados àquele partido e a outros do mesmo campo político, começaram a dirigir a UFMT. Daí em diante, aprofundaram-se as patologias de convivências. As reitorias passaram, sem pudor, a atropelar a democracia “como nunca antes na história”.

Dos atropelos, um foi apoteótico: uma reitora – por conta da oposição reinante à imposição de um dos programas do PT às universidades – levou um dos conselhos superiores da UFMT a se reunir na sede da OAB/MT, e lá fazer uma aprovação adversa aos interesses da maioria. Para o bem da nação, a ex-reitora não se elegeu senadora nas últimas eleições.

No entanto, como os autoritários se procriam, hoje, a UFMT continua a ser conduzida de forma nada democrática. A atual reitora, à menor adversidade, descontrola-se e joga o diálogo no lixo.

Seu recente descontrole em público, depois de inúmeros deles exibidos durante a última greve estudantil, foi contra dois membros de um dos conselhos superiores. Em reunião, a um acadêmico e a mim, foi negado o direito de solicitação de simples “questão de ordem” e uma “reconsideração de votação”.

Dessa forma, nossa reitora já antecipou, por aqui, o estilo belicoso de Bolsonaro mandar e desmandar. Imersos a esse cenário, é uma pena que ainda haja mandato demais para reitoria de menos na UFMT.

 

Terça, 23 Abril 2019 13:57

 

 

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JUACY DA SILVA*
 

Há quase 50 anos, exatamente no dia 22 de Abril de 1970, por iniciativa do então senador americano Gaylord Nelson, foi realizado o primeiro Fórum Ambiental, com dimensão nacional, nos EUA, que contou com a participação de mais de 20 milhões de pessoas, em milhares de universidades, escolas, igrejas e comunidades.


Nascia assim o DIA DA TERRA, que passou a ser comemorado anualmente desde então, como uma data especial com a finalidade de despertar a consciência das pessoas quanto aos problemas decorrentes da destruição e degradação do meio ambiente.


Começava assim uma verdadeira cruzada ambiental de âmbito internacional, que a cada ano ganha mais adeptos e hoje o DIA DA TERRA, a ser comemorado todos os anos no dia 22 DE ABRIL, já esta presente em 194 países, uns com mais intensidade e em outros ainda de forma incipiente, como é o caso do Brasil.


O primeiro DIA DA TERRA em 1970, foi seguido por um dos eventos mais importantes e impactantes na defesa do meio ambiente que foi a CONFERÊNCIA DO MEIO AMBIENTE DE ESTOCOLMO em 1972 , que pavimentou o caminho da defesa ambiental para o Relatório Brundtland ou o que passou a ser denominado, na forma de livro “NOSSO FUTURO COMUM”, publicado em 1987 e que também foi um marco significativo para o movimento ambientalista internacional.


Merece destaque algumas das propostas contidas neste relatório, indicando a necessidade de a ONU definir e estimular a implementação de um PROGRAMA INTERNACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, o que viria a ser concretizado em 2015, com a chamada AGENDA 2030, com os OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, que foi homologado praticamente por todos os países com assento na ONU, inclusive o Brasil, mas que, infelizmente ainda está longe de produzir efeitos mais palpáveis, principalmente pela sanha incontrolável e insaciável de grandes grupos e interesses econômicos, que teimam em destruir impiedosamente o maio ambiente e  que pouco ou nada fazem para evitar uma catástrofe já, de há muito anunciada, onde a degradação ambiental, a poluição do ar, dos oceanos, a desertificação, os desmatamentos, o uso abusivo de agrotóxicos, tudo levando às mudanças climáticas que temos e estamos presenciando a cada dia com suas consequências para o planeta e toda a biodiversidade da terra.


Essas propostas foram assim sintetizadas: a) redução do ritmo de crescimento populacional do mundo; b) garantia de acesso universal aos recursos básicos como água, alimentos, energia; c) preservação da biodiversidade, dos ecossistemas e dos biomas; d) redução do consumo/consumismo e desperdício de recursos naturais; e) desenvolvimento de fontes alternativas, renováveis e limpas de energia, como solar, eólica, geotermais e substituição até a eliminação do uso de combustíveis fósseis, como petróleo, gás natural e carvão mineral ou vegetal; f) mudança dos modelos de desenvolvimento, tanto nos países desenvolvidos quanto dos emergentes e subdesenvolvidos, através do uso progressivo de energias limpas e uso mais intensivo de tecnologias ecologicamente menos danosas ao meio ambiente; g) controle da urbanização desordenada; h) atendimento universal das necessidades básicas da população como saúde, educação, habitação, transporte e alimentação; i) maior proteção dos ecossistemas internacionais, com destaque para a Antártida, oceanos, rios internacionais, florestas e a Amazônia; j) banimento das guerras e dos conflitos nacionais armados que geram destruição do meio ambiente, do habitat e dos sistemas produtivos; k) implementação de um programa de desenvolvimento sustentável pela ONU e seus organismos especializados.


Todas essas recomendações, apresentadas na publicação NOSSO FUTURO COMUM, há 32 anos, ainda não foram totalmente absorvidas e transformadas em politicas públicas nacionais na grande maioria dos países, inclusive no Brasil, razão pela qual assistimos diariamente a destruição de ecossistemas e a degradação ambiental afetando cada vez mais um maior contingente populacional, seja através de uma maior incidência de desastres naturais seja através de crimes ambientais cometidos à luz do dia, ante o olhar passivo e conivente da maior parte das autoridades públicas, associadas ou corrompidas pelos criminosos ambientais, muitas vezes travestidos de empresários acima de qualquer suspeita.


A preocupação com a defesa do meio ambiente foi sendo ampliada, com destaque para os fóruns internacionais como A Conferência ECO 92 no Rio de Janeiro; a Rio 92 mais 10, também no Brasil, os protocolos de Kyoto e mais recentemente o Acordo do Clima de Paris e suas conferências internacionais realizadas a cada dois ou três anos.


No Brasil, apesar ou independente da omissão de sucessivos governos, parece que a cada dia a população esta percebendo que a questão ambiental, mesmo sendo relegada pelos diversos níveis de governo em nosso país, é um tema/assunto muito importante e que cabe a população indicar e pressionar os governantes para que definam politicas públicas e estratégias, destinem dotações orçamentárias, recursos financeiros, humanos e tecnológicos para fazer fazer `a gravidade que este desafio representa para a atualidade e o futuro das próximas gerações.


Isto, na verdade não tem sido um progresso fácil, porquanto diversos governantes, países e grupos econômicos internacionais poderosos tem se colocado contra as preocupações ambientais, tanto as conduzidas pela ONU quanto pela União Europeia. Países como os EUA e ultimamente o Brasil tem se colocado contra tais acordos, principalmente os acordos do clima, pouco ou quase nada fazendo para solucionar os problemas decorrentes da degradação ambiental.


A comunidade científica internacional, sob os auspícios da ONU e de diversas instituições de pesquisa tem apresentado estudos que alertam para a  destruição de ecossistemas, destruição da biodiversidade e as consequências que esta destruição vai acarretar sobre as condições de vida na terra. Nesta sanha destruidora, as primeiras vitimas são as espécies vegetais e animais, mas em última instância a grande vítima desta destruição da biodiversidade será o ser humano. Isto é apenas uma questão de tempo, quem viver verá.


Por tudo isso, este DIA DA TERRA 2019, estabeleceu como tema “SALVAR A BIODIVERSIDADE”, como o mais recente alerta quanto aos cuidados que devemos ter e a imperiosa necessidade de barramos a destruição de ecossistemas importantes para o equilíbrio do planeta existentes em todos os continentes, com destaque para o que está acontecendo no Brasil, onde o desmatamento esta destruindo a biodiversidade da Amazônia, do Cerrado, do Pantanal, da Caatinga e dos pampas. Alguns estudos indicam que se nada for feito para conter esta destruição, dentro em breve esses biomas vão ter a mesma sorte que a MATA ATLÂNTICA, praticamente o desaparecimento.


Além disso, não podemos esquecer que também a poluição do ar esta matando mais de dois milhões de pessoas por ano ao redor do mundo, decorrente das emissões de gases tóxicos oriundos do desmatamento; da frota de carros; das fábricas e da falta de saneamento básico, em diversos países, mas também e principalmente no Brasil.


A poluição urbana, onde rios, córregos, lagos e até o Oceano Atlântico, na costa brasileira, de há muito, são verdadeiros esgotos a céu aberto, impossibilitando, em alguns casos, como o que acontece no Rio Tietê, no litoral de SP, na Baia de Guanabara e outros pontos do país, qualquer tipo de vida. Mesmo aqui em Mato Grosso, o Rio Cuiabá e seus afluentes também estão sendo transformados em esgoto a céu aberto. Contribuindo para a degradação do Pantanal.


Essas são algumas das provas de como estamos destruindo nossa biodiversidade de forma impune e irresponsável.


No caso do Brasil parece, segundo algumas análises recentes, que a politica ambiental do  governo Bolsonaro é de simplesmente fazer vistas grossas e afrouxar a fiscalização em relação aos crimes ambientais. Crimes ambientais como de Barcarena, Brumadinho, Mariana, o uso abusivo de agrotóxicos e a impunidade para grilagem de terras públicas, áreas indígenas, áreas de proteção ambiental como o ocorrido mais recentemente pela ação das milicias no Rio de Janeiro, ante a omissão do ESTADO, que levou a morte 23 pessoas e a queda de um edifício na Barra da Tijuca, passarão a ser mera rotina, como tantos outros crimes ambientais pelo país afora.


Oxalá neste DIA DA TERRA em 2019, passamos reiniciar a discussão de uma politica ambiental para o Brasil, para todos os Estados e Municípios, única forma de salvar o planeta e salvar a biodiversidade que ainda resta.


*JUACY DA SILVA, professor universitário, mestre em sociologia, colaborador de  diversos veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blog www.professorjuacy.blogspot.com Twitter@profjuacy
 

 

Segunda, 22 Abril 2019 15:55

 

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Por Aldi Nestor de Souza*


 

Fabião das Queimadas viveu no século dezenove, no sertão do Rio Grande do Norte. Era negro, escravo, analfabeto, poeta e músico. Compunha versos de cordel e sabia tocar rabeca.  Ele tinha concessão, do dono da fazenda onde trabalhava, para, nos finais de semana, andar pelos povoados vizinhos a tocar, cantar e recitar seus poemas (Fonte:  Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira.)

Dizem que, com os trocados que recebia nessas incursões no mundo da arte, conseguiu juntar dinheiro e comprar sua alforria, a de sua mãe e a de sua sobrinha, com quem veio a se casar.

O cordel mais conhecido de Fabião é o Romance do Boi Mão de Pau, que foi adaptado por Ariano Suassuna e pode ser apreciado, em qualquer internet, tanto na forma de texto, quanto em vídeo, na voz solene do músico pernambucano Antônio Nóbrega.

Muito sucintamente falando, o romance conta a história de um boi muito valente que se negava a viver preso. Mão de Pau, como era conhecido, fugia de qualquer curral, pulava qualquer cerca, arrebentava qualquer corda, desafiava qualquer vaqueiro, qualquer patrão, qualquer ordem estabelecida.

Um dia o dono de Mão de Pau resolveu prendê-lo a qualquer custo. Chamou tropa grande de bons vaqueiros, providenciou cordas resistentes e rumou pro mato à sua procura. A tropa o encontrou nas proximidades de um alto rochedo, a famosa Serra Joana Gomes. Quando percebeu a tropa, Mão de Pau rumou em direção à serra. E quando se sentiu acossado e teve certeza da iminente prisão, subiu até o gume da serra e de lá se jogou rumo à morte.

Por esse dias me lembrei de Mão de Pau ao saber que o ex-presidente do Peru, Alan Garcia, que governou seu país por 10 anos, havia se matado para evitar a prisão.

Guardadas as devidas proporções, as causas e circunstâncias de um e de outro caso, a semelhante morte, inevitavelmente, aproximam cruamente a metáfora poética de Fabião com a realidade do ex presidente. Vida e morte, liberdade e prisão, fuga.

Na adaptação de Suassuna, o romance caminha pro fim através da seguinte estrofe:

“Silêncio. A serra calou-se no poente ensanguentado. Calou-se a voz dos aboios, cessou o troar dos cascos. E agora, só, no silêncio deste sertão assombrado, o touro sem sua vida, os homens em seus cavalos.”

E o tempo mostrou que não nascem mais bois como Mão.  Eles são amansados ainda na concepção. E já nascem confinados, regulados, com dia e hora marcados para morrer. Não tem mais pasto livre, campo solto, rochedo à vista, vaqueiros a desafiar. Mal mugem. São meras mercadorias. Mesma cor, mesmo comportamento, mesmo tamanho, mesmas arrobas, mesmo destino.  O abate!

Na tragédia peruana, um revólver se fez serra; uma bala, precipício; um disparo, um salto. Silêncio em todas as cordilheiras da América Latina. Calou-se a voz das denúncias? Cessou o troar dos repórteres?  O ex presidente sem sua vida; a polícia, amada ou não, com seus coturnos, suas fardas, suas armas, suas investigações, seus espetáculos.  

A morte do ex presidente nada mudará na história da América Latina.  Será apenas mais uma morte. E não contribuirá em nada para que o continente avance e venha a debater a “corrupção” com um mínimo de seriedade. Continuarão as caçadas policiais cinematográficas, em busca dos “culpados”, para gozo e delírio dos simplistas,  e continuaremos míopes no processo, sem entender nada, desejosos apenas de prisão, crentes na justiça, crentes no estado burguês.

Continuaremos condenando a América Latina, historicamente espoliada, ultrajada, vilipendiada, a seguir abastecendo, de matérias primas básicas e de mão de obra barata, o mundo “desenvolvido” e vamos nos contentando com as séries policiais televisionadas, que expõem os “ladrões locais”,  nos criam a sensação de justiça, nos iludem e nos fazem crer que, com esse comportamento, o capital e o livre mercado vão, um dia, livrar o nosso lombo do chicote.

Precisamos livrar a América Latina de ser como os bois que sucederam Mão: que já nascem confinados, regulados, com dia e hora marcados para morrer. Não tem mais pasto livre, campo solto, rochedo à vista, vaqueiros a desafiar. Mal mugem. São meras mercadorias. Mesma cor, mesmo comportamento, mesmo tamanho, mesmas arrobas, mesmo destino.  O abate!

 
*Aldi Nestor de Souza
Departamento de Matemática/UFMT-Cuiabá
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Quinta, 18 Abril 2019 10:19

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Há poucos dias, vimos as cores de nossa Bandeira serem manchadas de vermelho; e não era o vermelho de comunistas perseguidos por Bolsonaro e seus iguais. Era o sangue de um artista; de um músico; de um brasileiro anônimo que, com sua família, dirigia-se a uma festa infantil.

Oitenta tiros!!! Doze soldados do Exército!! Um “corpo estendido no chão...”

Lá estava o país de frente para mais um crime de morte, mas não um assassinato como é exposto, p. ex., na impactante música “De frente pro crime” de João Bosco e Aldir Blanc.

Infelizmente, o tipo de morte cantada naquela música já foi desumanamente banalizado. Hoje, ao vermos mais um “corpo estendido no chão”, nada se altera em nossa vã caminhada. Vida que segue: o camelô continua a “vender anel e perfume barato”; a baiana, a “fazer pastel e um bom churrasco de gato”; até “um santo na porta-bandeira” continua baixando, seja a hora que for.

Mas, agora, foram oitenta tiros! E pelas costas! E por gente do Exército!

Por isso, dessa vez, o país estava de frente para um dos crimes mais covardes que esta terra, de infindáveis cruzes de anônimos, já ficou sabendo. Tudo desproporcional. Tudo inaceitável, principalmente as declarações de Jair Bolsonaro. Para ele, apesar dos oitenta tiros, a execução foi um “incidente”; afinal, ele compreende que “o Exército não matou ninguém; o Exército é do povo”.

Alto lá, senhor presidente!

Eu também sou do povo; nem por isso dou aval à ação tão absurda como a cometida por integrantes do Exército. Ademais, ninguém precisa ter muitas leituras teóricas, ninguém precisa ser marxista e/ou comunista para saber que um grupo de doze soldados do Exército agiu covardemente ao disparar oitenta tiros em um trabalhador. Para compreender isso, talvez bastasse ser cristão, mas de verdade!

Portanto, ver, como “incidente” aquela explícita desumanidade pode até ser aceito como um direito de liberdade de expressão; todavia, é fazer mau uso desse caro direito. Logo, não sou obrigado a concordar com isso. Aliás, minimizar aquela covardia é dar provas cabais da mesma desumanidade que habita nesse tipo de gente menor. É ser desumano na mesma proporção daquela covardia.

Mas se expressar mal, repito, dentro do legítimo uso do direito à liberdade de expressão, começa a ser parte do cotidiano do presidente Bolsonaro. Agora, me refiro ao episódio da condenação do comediante Danilo Gentili.

Bolsonaro lhe prestou solidariedade, pois viu nas ações de Gentili contra a deputada Maria do Rosário (PT) apenas o exercício do “direito de livre expressão em sua profissão”.

Mas o que fez o comediante para ser condenado e, por isso, receber a solidariedade presidencial?

Dentre outras ofensas, em vídeo, ele associou a deputada ao termo puta, tapando as sílabas inicial e final da palavra “de/puta/da”. Depois, rasgou a notificação judicial. Inseriu os pedaços do documento dentro de sua calça, próximo ao órgão genital. Após, ridicularizando a notificação, pegou os pedaços e os colocou em um envelope, remetendo-o ao gabinete da deputada, que fica na Câmara.

Mais: mandou-a pegar os pedaços, sentir o cheirinho de seu saco, abrir a bunda e enfiar em seu meio tudo o que estava sendo enviado ali.

Pergunto: isso faz parte da profissão? É engraçado? É liberdade de expressão? A própria Justiça não foi desconsiderada?

Essas perguntas vêm de um ser que condena a censura e não tem a menor simpatia por quase ninguém do PT. Mas eu não poderia deixar de fazê-las. Ao fazê-las, me solidarizo com a deputada.

 

 

 
 
 
 
Quarta, 17 Abril 2019 08:45

 

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Paulo Wescley M. Pinheiro

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Manifesto

 

Não há canto

Para tanto 

Desencanto

 

Nem conto

Para esses

Desencontros...

 

E ponto.

 

5.1. Entre a reação, a resistência e a criação do novo: como sobreviver dentro da máquina?

 

         Nas seções anteriores deste ensaio refletimos sobre os fatores que orbitam as relações na acadêmica, influenciam o processo de produção e socialização do conhecimento e atingem nossa saúde mental. Por tudo que debatemos é certo que não há como não nos afetarmos com aquilo que vivenciamos, seja por nossas questões ou seja por experiências com outras pessoas oriundas das relações vividas no espaço de trabalho e que não há uma maneira de nos afastarmos desse tema mesmo que achemos que ele não nos cabe diretamente.

Sabemos também que há diversas formas de lidarmos com o sofrimento do outro e com o nosso próprio sofrimento e precisamos exercer diversas estratégias de não cairmos nos alçapões presentes nos pólos dessa questão, pois não podemos desconsiderar o sofrimento, assim como não podemos patologizar todo tipo sofrimento. É preciso não desconsiderar  a patologia, mas também não tratá-la de forma concentrada na esfera da medicalização e da estereotipização. É necessário buscar outras formas de tratamento sem cair numa perspectiva irracionalista e espontaneísta. 

Por fim, é inexorável que possamos exercer a sensibilidade com o tema sem cairmos numa absorção individualizada de responsabilidades, combatendo a potencialização da lógica adoecedora, buscando meios de enfrentamento das formas de sofrimento e dos modos como temos lidado com ele, sob pena de sucumbirmos em novos abismos de ultrarresponsabilizacão dos sujeitos ou de desresponsabilizamos completa deles, em perspectivas que passeiam entre os formalismos, o teor caritativo, ou mesmo militantista.

Por motivos óbvios, essa série de textos que aqui se encerra, não tem a pretensão de esgotar a temática e nem sequer consegue superar apenas uma visão panorâmica da saúde mental no ambiente universitário. A iniciativa de encararmos a profundidade do problema em seu sentido essencial, buscando a crítica que chegue à raiz, sem nos isentarmos de elaborar estratégias e táticas no âmbito particular é espinhosa e, para isso, é  fundamental que encaremos nossas contradições, inclusive, nos espaços que deveriam ser de  desconstrução dessa lógica.

É fundamental percebermos os problemas dos círculos de resistência, onde temos edificado majoritariamente lugares de potencialização de sofrimento. Os instrumentos fundamentais à luta reivindicatória diante da precarização da universidade  também tem se constituído pela concentração da pequena política, das meias palavras e instrumentalizações inteiras. Os espaços onde deveríamos conseguir nos reconhecer, multiplicar leituras de realidade para construir ações sobre ela, com o fortalecimento individual e coletivo para outros modos de educação, tem perpetuado bastidores de incoerências e acusações, além de palcos de insalubres performances. Fortalecer os sujeitos da contracorrente nesses lugares e somar esforços com os mesmos é o principal desafio imediato. 

O lócus do cotidiano denota suas características de ultrageneralização, heterogeneidade e imediaticidade,  fomentando grandes possibilidades de mergulharmos nele tomando sentimentos, sensações e experiências singulares como fins em si mesmas, quando são, na verdade, fruto de múltiplas determinações. O processo de sofrimento mental intenso e adoecimento crescente pulsa em nossas experiências diárias, catalisando em todos nós respostas muitos particulares e impactos distintos a depender de nossa relação com o espaço de trabalho e estudo, da estrutura de enfrentamento dessa questão e das alternativas individuais e coletivas para o suporte e o repertório adequado para lidar com  os elementos que estão para além do ambiente universitário.

Nesse sentido, frente aos problemas vivenciados nas universidades públicas e de sua histórica perpetuação de exclusão da maior parcela da população uma pergunta se fez pertinente: por que defendê-la? Se este espaço tem servido tão pouco para os sujeitos que a compõem como encontrar alternativas dentro dele? Seria a universidade um espaço ainda importante para a construção de uma alternativa emancipatória?

Por tudo que foi colocado até aqui é evidente que não é o caráter público que torna a universidade um espaço inóspito, mas o ataque a ele. A lógica privatizante ou mesmo a estrutura pública assumindo seu direcionamento via mercado tem, cada vez mais, distanciado a instituição de um cotidiano efetivamente orgânico aos sujeitos que produzem a riqueza social que financia tudo, inclusive esse complexo social de produção, socialização e formação no âmbito de conhecimento científico.

Se o espaço que sonhamos trabalhar, produzindo, pesquisando e criando formulações em nossos projetos individuais e coletivos, realizando didaticamente a socialização do conhecimento, planejando e executando ações interventivas, tem se manifestado num lugar onde somos engolidos por trabalhos administrativos, disputas, melindres, frustrações e competitividade temos que repensar esse lugar. Se o local onde sonhamos estudar, buscar uma formação para uma profissão que almejamos e viver novas experiências, tem sido palco de experiências tóxicas, de terror, sofrimento e falta de motivação é urgente que passemos a refletir sobre o nosso lugar nele, reconsiderar tudo aquilo que o circula.

Não é possível que continuemos apenas tomando remédios para dormir, para acordar, para permanecermos acordados, para conseguirmos ter concentração em nosso trabalho, para continuar suportando nosso sofrimento diário. Não é possível que continuemos buscando no ecletismo, no conservadorismo, nos discursos instrumentalizados, nos ineditismos superficiais ou no pensamento mágico os escapes para garantirmos fôlego diante da água que bate em nosso pescoço. Não é possível que continuemos a produzir formas de conhecimento que continuem a referendar essa lógica de vida.

Pelo projeto de sociedade em curso e a forma como tem se constituído, a universidade pública não sobreviverá e muito menos nós sobreviveremos a ela. As relações construídas por um viés estruturado no individualismo, no fatalismo e no empirismo tem nos aprofundado relações adoecedoras, a reprodução do conhecimento conservador e o fortalecimento de uma imagem caricata do espaço universitário como uma instituição encastelada e em-si-mesmada.

É necessário que apreendamos toda a forma de conhecimento científico para além das barreiras impostas na formalização da estrutura que transforma conhecimento em mercadoria. Galgar espaços no cotidiano de onde vivem as pessoas que ainda não conseguem acessar a universidade, espalhar possibilidades para além do território institucional, aprender com as práticas populares, com outras formas de saberes e impulsionar experiências democráticas é uma tarefa daqueles que pensam uma formação intelectual diferente.

Esse processo implica que cultivemos em nossos espaços o exercício da coerência, o apartamento constante de práticas que instrumentalizam pautas, bandeiras e questões fundamentais para fortalecer indivíduos e grupos em detrimento da palpável forma de agir coletivamente para a efetivação de respostas emancipatórias.

É preciso que exercitemos a capacidade de discutir e conviver com divergências, aprofundando a liberdade de cátedra, sem assimilar o relativismo e a banalização de discursos que reproduzam opressões, travestidos do teor científico, mas também sem perder a possibilidade de fazer esse descortinamento com o necessário rigor teórico e a capacidade pedagógica possível.

Diante do crescimento dos ataques às universidades, do processo de acirramento interno entre os sujeitos da comunidade acadêmica e da falta de forte organização coletiva é preciso reavivar o debate profundo de projeto de universidade e compreender as expressões cotidianas dos diversos problemas que nos acometem como algo que precisa ser questionado de modo amplo.

O que aparece como onda inexorável de diferentes manifestações da barbárie se consolidada na dualidade das tarefas funcionais ao estágio atual do capitalismo e se fortalece no recuo dos debates críticos, inclusive nos espaços científicos. Nesse sentido, analisarmos como tem se processado a disputa de hegemonia na batalha das ideias para a disputa da consciência da classe trabalhadora é um elemento fundamental.

Se temos consciência que não é no campo das ideias que modificaremos o atual estado de coisas é também fundamental perceber que, sendo a prática o critério da verdade, esta precisa vir direcionada por uma profunda leitura de realidade. O apelo ao pragmatismo é também um alçapão dos nossos tempos. Dito isto, é fundamental voltarmos para a célebre frase do pensador italiano Antônio Gramsci, silenciado em vida, deturpado pós-morte: é preciso unir o pessimismo da razão com o otimismo da vontade. Não se trata de um ode ao pragmatismo, de reduzir a construção racional a um processo menor, nem de fazer coro com determinados setores que qualificam todo tipo de estudo de academicismo.

A relação entre razão e vontade se revela como princípio dialético de unidade de contrários. Trata-se de perceber que qualquer prática coletiva que busca a efetiva transformação da realidade precisa vir alimentada por uma reflexão rigorosa sobre as determinações do real. É preciso, pois, que dentro da universidade pública possamos construir espaços de solidariedade e resistência, elementos que só serão garantidos com a articulação com os setores organizados da sociedade civil que desenvolvam uma perspectiva popular e estejam dispostos à construção de um outro projeto de sociedade.

No processo de proletarização das camadas médias assalariadas, no crescimento do caráter do precariado dos sujeitos que vivem do trabalho, na ampliação de todas as formas de agudização daquilo que transforma o cotidiano de nossos pares em um conjunto de relações hostis ou a universidade se enxerga dentro da sociedade, como um organismo ativo e propositivo, se posicionando, ampliando seu raio de ação para além dos formalismos e da reprodução sacerdotal voluntarista, ou caminharemos para o esfarelamento desse espaço, transformando os sujeitos em formuladores de tarefas meramente afeitas aos ditames do mercado.

O espaços universitário precisa ser o lugar onde possamos pensar o mundo em sua essência, compreender que somos sujeitos da história e desnaturalizar nossa condição atual. Esse deve ser um espaço fundamental diante da barbárie. Lutar por outra forma de conhecimento, construir isso cotidianamente, produzir uma vida com sentido, fortalecer laços, desatar nós, eliminar de nós as disputas vazias.

Nesse sentido, é preciso engrossar o coro daqueles que acreditam na construção de uma universidade popular, socialmente referenciada na classe trabalhadora e pedagogicamente séria, para que possamos perceber que o trabalho - ainda que dentro de um processo tão precarizado – pode gerar um ambiente de aprendizado e de edificação de uma parceria fraterna e respeitosa.

Que diante da barbárie possamos endurecer sem perder a ternura. Que diante do apelo pelo autoritarismo, pela assistencialização, pela patologização e pela militarização da educação sejamos a contracorrente real, coerente, para além das palavras, para além das salas de aula e dos corredores, para além! Assim, nosso sofrimento ainda estará aqui, mas o enfrentaremos muito mais fortes.

 

*As primeiras partes dessa reflexão estão no Espaço Aberto n.41/2019, no n.43/2019, no n.45/2019 e no n.47/2019​

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http://www.adufmat.org.br/portal/index.php/component/k2/item/3805-ensaio-sobre-a-magnifica-maquina-de-moer-gente-parte-4-paulo-wescley