Nessa sexta-feira (22), docentes de diversas instituições do país e do exterior participaram do segundo dia do Seminário Nacional “60 anos do Golpe de 1964 - Memória, Verdade, Justiça e Reparação”, na Faculdade de Educação (Faced), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre (RS).
O evento, organizado pelos Grupos de Trabalho de História do Movimento Docente (GTHMD) e de Política de Formação Sindical (GTPFS) em parceria com a Comissão da Verdade do ANDES-SN, iniciou os trabalhos com a mesa “A luta por memória, verdade, justiça e reparação no Cone Sul da América Latina”.
Federico Tatter, membro do Comitê Executivo da Federação de Associações de Familiares de Detidos Desaparecidos da América Latina (Fedefam), foi integrante da Comissão da Verdade e Justiça do Paraguai, criada em 2006, e destacou as graves violações dos direitos humanos durante a ditadura cívico-militar paraguaia (1954-1989). O relatório, entregue com mais de 2 mil testemunhos e arquivos históricos, revelou conexões entre o regime paraguaio e outras ditaduras sul-americanas, além da influência dos Estados Unidos nesse período.
Federico é filho de Jorge Federico Tatter, militante do Partido Comunista Paraguaio, que teve que deixar o país, estabelecendo-se em Buenos Aires. Na Argentina, Tatter continuou sua participação na militância e desapareceu em 1976.
O representante da Fedefam, em sua exposição, destacou como a ditadura paraguaia consolidou uma aliança entre forças militares, empresariais e políticas. Nesse período, conforme ele, a repressão foi sistemática e reprimiu também grupos oprimidos por raça e gênero, além de impactar territórios ancestrais com grandes obras, como a Usina Hidrelétrica de Itaipu.
Tatter contou ainda que as recomendações da Comissão de Verdade tiveram baixa implementação, com apenas 5% das 177 propostas concluídas. Ele destacou a importância dos movimentos sociais e sindicatos na preservação da memória histórica e na luta por verdade e justiça. “O Estado atual é de desmemória. Em 35 anos de ditadura, apenas quatro pessoas foram condenadas, três policiais e um civil, todos por homicídio, não por desaparecimento forçado", lamentou.
José Pedro Olivera, representante da Associação de Ex-Presos e Presas do Uruguai (Crysol), destacou que a ditadura no Uruguai perseguiu as opositoras e os opositores do regime e beneficiou as elites. No período, houve resistência popular, culminando em eventos como a greve geral e o plebiscito de 1980, o qual rejeitou a ditadura.
No entanto, a consulta popular não acabou com a ditadura militar no país (1973-1985), que matou oficialmente mais de 200 pessoas. 197 pessoas continuam desaparecidas e, conforme ele, a estimativa é que 25 mil pessoas foram presas sem julgamento e cerca de 20 mil professoras e professores foram expulsos dos seus empregos. Olivera também relatou a participação do Uruguai na Operação Condor, uma aliança de ditaduras sul-americanas, com apoio dos EUA, para reprimir opositoras e opositores ao regime.
Ele mencionou os danos econômicos da ditadura, como a corrosão dos salários e a submissão ao Fundo Monetário Internacional (FMI). "A ditadura no Uruguai foi uma luta por dinheiro e poder, como aconteceu no Brasil", comparou. Apesar de avanços em leis de reparação desde 2005, ele criticou a Lei de Caducidade de 1986, que impediu a investigação de crimes da ditadura, atrasando a responsabilização por 20 anos.
José concluiu destacando a luta contínua da Crysol por memória e justiça, apesar das ameaças de setores reacionários. “Nós, como sobreviventes do horror, temos o compromisso moral de denunciar que aqueles que cometeram estes crimes sejam identificados, julgados e condenados. Não somente por nós, que estamos vivos, mas principalmente pela geração atual e pelas que virão”, disse.
María Alejandra Esponda, professora da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais da Argentina (Flacso), abordou as consequências das ditaduras militares na Argentina, com uma análise crítica sobre a repressão e a exploração da classe trabalhadora. Ela é filha de um estudante de 24 anos que desapareceu na ditadura, e sua mãe sobreviveu aos centros clandestinos de detenção no país.
Em sua apresentação, Esponda fez um histórico que situou a derrota de Juan Domingo Perón, em 1955, até o regime de Juan Carlos Onganía, instaurado em 1966. Durante esse período, manifestações estudantis e mobilizações da classe trabalhadora emergiram em várias cidades, resistindo à opressão e denunciando as políticas antipopulares impostas pelos regimes autoritários.
Um marco simbólico da resistência foi a Carta Aberta de um Escritor à Junta Militar, de Rodolfo Walsh, que expôs a brutalidade econômica e social da última ditadura argentina (1976-1983), com a redução de 40% no salário real das trabalhadoras e dos trabalhadores, o aumento da jornada de trabalho necessária para pagar a cesta básica de 6 para 18 horas, e a reintrodução de formas de trabalho forçado. A professora destacou que essas medidas revelaram a cumplicidade entre o autoritarismo e a exploração capitalista, que precarizou a vida da maioria da população argentina.
Ela também abordou a repressão contra estudantes e docentes universitários, mencionando a Noite dos Botões Longos e a repressão à revolta institucional de 1969, o “Cordobazo”, que uniu estudantes, trabalhadoras e trabalhadores. “Foi uma grande potencialidade, uma revolta institucional em uma das principais cidades da Argentina, Córdoba, que, além disso, unificou a luta de estudantes e trabalhadores”, afirmou. Para Esponda, diante do que foi discutido na mesa de debates, não se pode pensar nos processos de ditadura nos países de forma isolada, mas sim como parte de um todo.
Em seguida, foi exibido o vídeo documentário “Adufrgs e Andes: história de um golpe”, da Seção Sindical ANDES-UFRGS, que abordou o golpe ocorrido em dezembro de 2008, quando a seção sindical e seu patrimônio foram usurpados em uma assembleia com menos de 40 participantes e 359 procurações dadas a 17 pessoas. O resultado foi a criação de um sindicato municipal e o desligamento do ANDES-SN. O vídeo mostra que esse golpe foi parte do processo de tentativa de destruição do movimento sindical docente classista.
Responsabilidade empresarial e violência
À tarde, foi realizada a mesa "Responsabilidade empresarial com a ditadura". Alessandra Gasparotto, docente da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), apresentou uma pesquisa que investigou o envolvimento direto da Josapar — uma das maiores empresas alimentícias do Brasil, originária do Rio Grande do Sul, e conhecida pela produção do arroz Tio João — nas violações de direitos humanos contra camponeses na região do Guamá, no estado do Pará. A pesquisa revelou como a empresa se beneficiou do regime ditatorial.
Esse trabalho faz parte das investigações de Gasparotto, que é integrante da Comissão Camponesa da Verdade, criada em 2012 para reconstituir a história da repressão e violência no campo durante o período da ditadura. A pesquisa detalha o envolvimento da Josapar no maior caso de grilagem de terras paraenses, que afetou 10 mil famílias camponesas. A empresa usou seguranças armados para reprimir a resistência local, com o apoio do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e da polícia militar, e casos de violência extrema, incluindo crimes contra mulheres.
A docente da Ufpel também destacou o financiamento público e os incentivos fiscais recebidos por empresas beneficiadas pelo regime, como a Josapar, e o envolvimento de figuras do alto escalão do governo ditatorial. "A Josapar foi listada pela revista Forbes como uma das maiores empresas do agronegócio brasileiro em 2022. Nossa pesquisa mostra como a Josapar se envolveu diretamente em violações de direitos humanos e foi beneficiada pelo regime ditatorial", afirmou Gasparotto. Ela também levantou questões sobre o financiamento por grandes empresas de eventos como a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.
Alejandra Estevez, docente da Universidade Federal Fluminense (UFF), apresentou o caso da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), fundada durante o governo de Getúlio Vargas como símbolo do desenvolvimento industrial, mas com uma história marcada por repressão, exploração e racismo institucional, como a proibição de pessoas negras frequentarem seus clubes sociais.
A empresa também praticava demissões em massa para silenciar qualquer tentativa de organização coletiva, como ocorreu após a paralisação de 1º de abril de 1964 e o Ato Institucional nº 1. Nos anos 1980, as greves nas unidades da CSN e suas terceirizadas enfrentaram intensa repressão, culminando em assassinatos e despejos forçados de trabalhadores e suas famílias.
“Foram identificadas 11 condutas ilícitas e violações contra os trabalhadores relacionadas à CSN, incluindo fornecimento de informações para repressão, prisões arbitrárias de lideranças sindicais e trabalhadores, repressão a greves, torturas, demissões em massa, assassinatos, despejos forçados de operários demitidos, intervenções sindicais, invasão da sede sindical, adoecimento e mortes por benzenismo e acidentes de trabalho, além de crimes ambientais”, elencou.
A docente destacou a inauguração do Museu do Trabalho e dos Direitos Humanos, no local do 1º Batalhão de Infantaria Blindada, usado para reprimir as mobilizações operárias da CSN. Para ela, é um marco no reconhecimento das vítimas da ditadura, sendo o primeiro espaço de memória relacionado à ditadura no Rio de Janeiro e em uma comunidade militar.
Gustavo Seferian, presidente do ANDES-SN e membro da Comissão da Verdade do sindicato, destacou que a Comissão Nacional da Verdade, criada em 2012, foi um marco na luta pela memória, verdade e justiça no Brasil. No entanto, criticou a falta de um grupo de trabalho (GT) específico para investigar a repressão às trabalhadoras e aos trabalhadores do movimento sindical.
Em 2013, foi criado o GT13, formado por centrais sindicais, entidades e organizações de trabalhadoras e trabalhadores ex-presos políticos, que teve um papel crucial na construção de acúmulos históricos e resoluções sobre essas questões. Um dos avanços desse grupo foi consolidar a compreensão de que a ditadura brasileira (1964-1985) foi não apenas militar, ainda que as mediações da CNV tenham sido insuficientes para alcançar a natureza de classe da ditadura.
Seferian também ressaltou o papel do empresariado na manutenção do regime, observando que o Estado, sob a forma empresarial, acelerou a mercantilização de várias dimensões da vida social. Essa "empresarialização" afetou diretamente trabalhadoras, trabalhadores e suas organizações, além de influenciar instituições públicas como as universidades, que passaram por um processo de adaptação ao modelo capitalista. Para Seferian, é fundamental compreender a ditadura como parte de um modelo político-econômico voltado à consolidação do poder burguês.
O presidente do Sindicato Nacional afirmou que discutir a ditadura brasileira sob a ótica da classe é essencial para compreender as contradições e os desafios do movimento sindical na atualidade. Além disso, o processo de empresarialização das universidades públicas e outros setores reforça a importância de debater, dentro do movimento sindical, formas de enfrentamento que recuperem a autonomia e fortaleçam as condições políticas e materiais da classe trabalhadora. “O resgate crítico do período ditatorial, portanto, deve ser um instrumento para projetar caminhos de luta contra as ofensivas do capital”, afirmou.
Ditadura e a repressão
Na mesa “A ditadura e a repressão contra populações trabalhadoras, negras, periféricas, indígenas, quilombolas e LGBTI+”, Elaine Bispo Paixão, articuladora da Frente Estadual pelo Desencarceramento da Bahia, apontou a repressão ao movimento negro, às universidades e às comunidades quilombolas, além de perseguição e marginalização de populações LGBTI+ e indígenas durante a ditadura empresarial-militar no país.
Bispo destacou a continuidade das violências e os retrocessos sociais herdados do regime ditatorial, evidenciando a persistente relação entre empresas privadas e governos, que perpetua desigualdades e exploração. A ativista apontou que práticas autoritárias do passado se refletem em problemas contemporâneos, como o encarceramento em massa, a violência policial, a especulação imobiliária e a devastação ambiental, reforçando o legado de opressão e exclusão social.
“Na Bahia, por exemplo, temos um governo extremamente cruel, que está se perpetuando há 18 anos, implementando a cogestão nos presídios [empresas que administram os presídios baianos], sem dialogar com a gente e transformando, a cada dia, a educação em um campo de negócio. Nossa polícia é a que mais mata, e eu afirmo que o sistema prisional representa a perpetuação desse genocídio contra a população negra”, denunciou.
Gilberto Marques, docente da Universidade Federal do Pará (Ufpa), abordou os genocídios históricos enfrentados pelos povos indígenas e outros grupos marginalizados no Brasil durante o período ditatorial. Ele destacou casos emblemáticos de massacres contra os povos indígenas, enfatizando o impacto de projetos de infraestrutura de “integração nacional”, como a Transamazônica.
“As estradas construídas no Brasil durante a ditadura, especialmente na Amazônia, são estradas de sangue, rastros de genocídio. A rodovia Transamazônica atravessou várias aldeias. A principal empreiteira, Paranapanema, passou com a estrada sobre territórios e cemitérios indígenas, sem sequer remover os corpos que lá estavam”, ressaltou.
Marques denunciou as violações promovidas por empresas e pelo Estado, como bombardeios, disseminação de doenças para dizimar comunidades, trabalho escravo e abusos sexuais. Ele criticou a invisibilidade desses atos e a indiferença, inclusive da esquerda, ao sofrimento dos povos indígenas.
O docente da Ufpa comparou o genocídio indígena à violência nas periferias urbanas e ao contexto internacional, como os ataques à população palestina na Faixa de Gaza. Ele concluiu enfatizando a resistência indígena e a necessidade de reconhecer e combater essas injustiças históricas e atuais.
Renan Quinalha, docente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), questionou as e os presentes se haveria uma "ditadura hétero-cis-militar". Ele relatou a sua experiência nas Comissões da Verdade de São Paulo e na Nacional, enfatizando as dificuldades em incluir questões de sexualidade, gênero, raça e populações indígenas nos relatórios.
O professor da Unifesp destacou que a ditadura não apenas reprimiu opositores políticos, mas também perseguiu dissidências de gênero e sexualidade, institucionalizando a LGBTI+fobia com censura cultural, violência policial e repressão moral. Quinalha citou exemplos de censura de músicas, livros e manifestações culturais que desafiavam os padrões conservadores da época.
“Não é para fazer um ranking para ver quem sofreu mais ou menos, mas para entender que todo mundo sofreu com a ditadura, a seu modo, e que a ditadura teve um alcance e um sentido muito maiores na subjetividade, nas nossas vidas, na nossa sociedade, do que, aparentemente, ela teve”, afirmou.
Renan Quinalha comparou as práticas repressivas da ditadura com o conservadorismo moral contemporâneo, afirmando que o autoritarismo brasileiro tem raízes na desigualdade e nas relações de poder, que continuam a reproduzir violências estruturais.
Após as mesas, o Coletivo de Professores da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre compartilhou as experiências de práticas pedagógicas de Vicente Schneider e Fernando Nunes sobre o ensino do golpe empresarial-militar de 1964.
Fonte: Andes-SN
O ANDES-SN inaugurou em sua sede, em Brasília (DF), o espaço "Memorial da Resistência Docente", para lembrar e honrar docentes vítimas da ditadura empresarial-militar. Neste ano de 2024, o golpe que completou 60 anos em abril.
O espaço é resultado de um trabalho coletivo, que envolveu o Centro de Documentação do ANDES-SN (Cedoc) e as seções sindicais, para recuperação das lutas da categoria durante esse período sombrio do passado recente do Brasil. Além de resgatar e preservar a história do movimento docente, o memorial homenageia as lutadoras e lutadores que enfrentaram a repressão e também reforça a resistência atual contra os legados autoritários da ditadura.
O "Memorial da Resistência Docente" integra o Espaço Memória do ANDES-SN, localizado no Setor Comercial Sul, Quadra 2, Edifício Cedro 2, no terceiro andar, e pode ser visitado mediante agendamento pelo telefone 61 3962.8400.
Confira, clicando aqui, o vídeo com Gisvaldo Oliveira e José Sávio Maia, diretores do Sindicato Nacional.
“60 anos do Golpe de 1964 - Memória, Verdade, Justiça e Reparação”
Entre os dias 21 e 23 de novembro de 2024, o ANDES-SN realiza o Seminário Nacional “60 anos do Golpe de 1964 - Memória, Verdade, Justiça e Reparação”, na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre (RS). O evento, que teve início nesta quinta-feira (21), é promovido pelos Grupos de Trabalho de História do Movimento Docente (GTHMD) e de Política de Formação Sindical (GTPFS), em parceria com a Comissão da Verdade do ANDES-SN. Dentro da programação do seminário ocorrerá o módulo nacional do Curso de Formação Sindical “60 anos da ditadura empresarial-militar e o movimento docente”.
Fonte: Andes-SN
A Câmara dos Deputados aprovou, na quarta-feira (19), o Projeto de Lei 1958/21, do Senado, que reserva às pessoas pretas e pardas, indígenas e quilombolas 30% das vagas em concursos públicos federais. Como o projeto foi alterado na Câmara, o texto volta ao Senado.
De autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), a medida pretende substituir a Lei de Cotas no Serviço Público (Lei 12.990/2014), que perdeu a vigência em junho deste ano. A lei previa a reserva de 20% das vagas em concursos públicos para negras e negros.
Conforme a nova proposta, a regra de cotas abrangerá, além de concursos públicos, os processos seletivos simplificados e contratações temporárias, e envolverá a administração pública direta, autarquias, fundações, empresas e sociedades de economia mista controladas pela União.
Um estudo de 2023, citado no parecer da relatora da proposta na Câmara, deputada Carol Dartora (PT/PR), destaca que, com a cota atual de 20%, a representatividade proporcional de pessoas pretas e pardas no funcionalismo público só seria alcançada em 2060. Com a ampliação para 30% e a inclusão de indígenas, a meta seria antecipada para 2047.
O texto foi aprovado pelas deputadas e pelos deputados após duas alterações e, por isso, retornará ao Senado para nova votação. A primeira foi a redução de 10 para 5 anos no tempo de revisão da política. A outra foi a retirada, após acordo entre parlamentares, da previsão de procedimentos de confirmação complementar à autodeclaração com participação de especialistas.
Reparação histórica
O ANDES-SN classifica a ampliação das cotas como um avanço na luta por uma sociedade mais justa e equitativa. “A reserva de cotas em concursos públicos representa uma conquista dos movimentos negros visando reparar as desigualdades raciais que marcam profundamente a sociedade brasileira. Nosso sindicato defende de forma intransigente essa conquista, pois compreende não ser possível construir uma educação pública, gratuita e socialmente referenciada sem políticas de enfrentamento ao racismo em todas as suas formas de manifestação”, afirma a entidade, na carta entregue a parlamentares.
O Sindicato Nacional também destaca que o PL 1958/2021 é mais um passo significativo na construção de uma educação antirracista, que é um compromisso essencial para o fortalecimento da democracia e da inclusão social no Brasil.
Fonte: Andes-SN
O Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia nos Países Baixos, emitiu nesta quinta-feira (21) mandados de prisão contra Benjamin Netanyahu e Yoav Gallant. A Primeira Câmara de Instrução do TPI, na sua composição para analisar a situação no Estado da Palestina, também rejeitou, por unanimidade, dois desafios apresentados pelo Estado de Israel, com base nos artigos 18 e 19 do Estatuto de Roma.
Benjamin Netanyahu, Primeiro-ministro de Israel, e Yoav Gallant, ex-ministro de Defesa de Israel, são acusados de crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos entre 8 de outubro de 2023 e 20 de maio de 2024. Os crimes incluem o uso de fome como método de guerra; assassinato; perseguição; atos desumanos, como privação de bens essenciais e impedimento de ajuda humanitária.
De acordo com nota emitida pelo TPI, o Tribunal encontrou provas razoáveis de que Netanyahu e Gallant, em suas posições de liderança, participaram de ações que causaram grande sofrimento à população civil de Gaza, incluindo privação de alimentos, água, medicamentos e energia. Essas ações foram consideradas violações graves do direito internacional humanitário.
Contestações do Estado de Israel
Israel contestou a jurisdição do TPI sobre a Palestina e sobre cidadãos israelenses, com base no artigo 19 do Estatuto de Roma – que rege o tribunal internacional. O argumento foi rejeitado, pois a jurisdição do Tribunal é baseada no território da Palestina, conforme determinado anteriormente. A Câmara destacou, ainda, que a aceitação de Israel não é necessária e que Estados só podem questionar a jurisdição da corte, sob o artigo 19, após a emissão de mandados de prisão.
No segundo pedido, Israel solicitou que o TPI emitisse uma nova notificação de início de investigação às autoridades israelenses, de acordo com o artigo 18 do Estatuto. Além disso, pediu que a Câmara suspendesse qualquer procedimento relacionado à situação, incluindo a análise dos pedidos de mandados de prisão contra Benjamin Netanyahu e Yoav Gallant apresentados pela Promotoria em 20 de maio de 2024. No entanto, o Tribunal concluiu que Israel foi devidamente notificado em 2021 e optou por não pedir o adiamento da investigação. Portanto, não havia necessidade de uma nova notificação, nem razão para suspender a análise dos mandados de prisão.
Contexto
Desde 2015, a Palestina é signatária do Estatuto de Roma, permitindo que o Tribunal Penal Internacional exerça jurisdição sobre crimes ocorridos em seu território desde 2014.
Em 22 de maio de 2018, de acordo com os artigos 13 e 14 do Estatuto de Roma, o Estado da Palestina submeteu à Promotoria do TPI uma referência sobre a Situação na Palestina desde 13 de junho de 2014, sem uma data final especificada.
Em março de 2021, a Promotoria anunciou a abertura de investigação sobre a situação no Estado da Palestina, após a decisão da Câmara, em um pré-julgamento, de que a corte poderia exercer sua jurisdição criminal na situação, com jurisdição territorial abrangendo Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental.
Em novembro de 2023, a África do Sul, Bangladesh, Bolívia, Comores e Djibouti e, em janeiro de 2024, Chile e México encaminharam submissões adicionais ao escritório da Promotoria do TPI referente à situação no Estado da Palestina, solicitando a investigação de crimes de guerra e contra a humanidade.
Fonte: TPI (com tradução e edição do ANDES-SN)
O ex-presidente de extrema direita Jair Bolsonaro (PL) e outras 36 pessoas, que atuaram em seu governo, foram indiciados pela Polícia Federal, nesta quinta-feira (21) por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. Dos 37 indiciados, 25 são militares.
Constam na lista de indiciados o general da reserva do Exército Walter Braga Netto, que chefiava a Casa Civil; o general da reserva Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); e Valdemar Costa Neto, presidente do PL.
De acordo com a Polícia Federal, o indiciamento é resultado da investigação que apurou a existência de uma organização criminosa, que atuou de forma coordenada, em 2022, na tentativa de manutenção do então presidente da República no poder. Durante a investigação, foram descobertos planos de assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice Geraldo Alckmin, antes de 31 de dezembro de 2022, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.
O relatório final, com mais de 800 páginas, foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal. Agora, cabe à Procuradoria-Geral da República (PGR) analisar as provas apuradas pela polícia e decidir se os acusados devem ser denunciados. A PGR pode ainda pedir mais diligências.
Caso considere que as provas de crime são suficientes, a PGR apresentará uma denúncia ao STF. Caso a Suprema Corte acate as denúncias, os indiciados se tornam réus e começam a responder processo judicial. Há, então, várias etapas do processo, até a sua conclusão que pode condenar ou absolver os julgados.
Conforme nota divulgada pela PF, as provas foram obtidas por meio de diversas diligências policiais realizadas ao longo de quase dois anos, com base em quebra de sigilos telemático, telefônico, bancário, fiscal, colaboração premiada, buscas e apreensões, entre outras medidas devidamente autorizadas pelo poder Judiciário.
As investigações apontaram que os investigados se estruturaram em seis núcleos, por meio de divisão de tarefas, o que permitiu a individualização das condutas. Foram identificados os núcleos de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral; Responsável por Incitar Militares à Aderirem ao Golpe de Estado; Jurídico; Operacional de Apoio às Ações Golpistas; de Inteligência Paralela; e Operacional para Cumprimento de Medidas Coercitivas.
Confira a lista de indiciados:
Ailton Gonçalves Moraes Barros - capitão reformado do Exército;
Alexandre Castilho Bitencourt da Silva - coronel do Exército;
Alexandre Ramagem, deputado federal - ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e delegado da Polícia Federal;
Almir Garnier Santos - almirante da reserva e ex-comandante da Marinha;
Amauri Feres Saad – advogado;
Anderson Torres - ex-ministro da Justiça;
Anderson Lima de Moura - coronel do Exército;
Angelo Martins Denicoli - major da reserva do Exército;
Augusto Heleno Ribeiro Pereira - ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional e general da reserva do Exército;
Bernardo Romão Correa Netto - coronel do Exército;
Carlos Cesar Moretzsohn Rocha – engenheiro;
Carlos Giovani Delevati Pasini, coronel do Exército;
Cleverson Ney Magalhães - coronel da reserva do Exército;
Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira - general da reserva do Exército;
Fabrício Moreira de Bastos - coronel do Exército;
Filipe Garcia Martins - ex-assessor da Presidência da República;
Fernando Cerimedo - empresário argentino;
Giancarlo Gomes Rodrigues - subtenente do Exército;
Guilherme Marques de Almeida - tenente-coronel do Exército;
Hélio Ferreira Lima, tenente-coronel do Exército;
Jair Bolsonaro - ex-presidente da República e capitão da reserva do Exército;
José Eduardo de Oliveira e Silva - padre da diocese de Osasco (SP);
Laercio Vergililo - general da reserva do Exército;
Marcelo Bormevet - policial federal;
Marcelo Costa Câmara - coronel da reserva do Exército e ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro;
Mario Fernandes – ex-integrante da Secretaria-Geral da Presidência e general da reserva do Exército
Mauro Cid - ex-ajudante de ordens da Presidência, tenente-coronel do Exército;
Nilton Diniz Rodrigues - general do Exército;
Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho – empresário;
Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira - ex-ministro da Defesa, general da reserva do Exército;
Rafael Martins de Oliveira - tenente-coronel do Exército;
Ronald Ferreira de Araujo Junior - tenente-coronel do Exército
Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros - tenente-coronel do Exército;
Tércio Arnaud Tomaz - ex-assessor de Bolsonaro;
Valdemar Costa Neto - presidente do PL;
Walter Souza Braga Netto - ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro em 2022, general da reserva do Exército;
Wladimir Matos Soares - policial federal.
Fonte: Andes-SN (com informações da PF e G1)
Mais de 100 pessoas participaram do primeiro dia do Seminário Nacional “60 anos do Golpe de 1964 - Memória, Verdade, Justiça e Reparação”, na Faculdade de Educação (Faced), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre (RS). O evento, promovido pelos Grupos de Trabalho de História do Movimento Docente (GTHMD) e de Política de Formação Sindical (GTPFS), em parceria com a Comissão da Verdade do ANDES-SN, teve início nessa quinta-feira (21) e seguirá até o sábado (23).
A mesa de abertura contou com a participação de Gustavo Seferian, presidente do Sindicato Nacional e membro da Comissão da Verdade da entidade. Ele iniciou a sua fala evocando o marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes, que recebeu 250 chibatadas na frente de toda a tripulação do navio e desencadeou, em 1910, a Revolta da Chibata, que exigia o fim dos castigos corporais e melhores condições de trabalho. Seferian destacou que foi um marco importante na luta dos militares rebeldes e do povo negro brasileiro, em resposta às políticas de opressão durante a Primeira República.
O presidente do ANDES-SN também ressaltou o papel fundamental da população trabalhadora do Rio Grande do Sul, que se recuperou das dificuldades causadas por eventos climáticos extremos, e a necessidade de discutir as questões sociais e ambientais que afetam as trabalhadoras e os trabalhadores, especialmente negros, indígenas e mulheres. O Seminário, inicialmente previsto para maio, foi adiado para junho por conta da grave crise social e ambiental no Rio Grande do Sul e, posteriormente, remarcado para novembro devido à persistência dos danos.
Seferian reforçou ainda que lutar por uma sociedade mais justa não deve ser considerado um crime. Para ele, os verdadeiros criminosos são aqueles que atentam contra as liberdades democráticas e as condições de vida da população trabalhadora. "Lutar não é crime. E se é que a gente pode reconhecer a construção histórica e social, não apenas jurídico, político e penal, do que é o crime, por certo não somos nós, que lutamos por uma outra vida, por uma forma de organização social mais justa e igualitária, em que a vida humana e outras formas de vida possam se periodizar em harmonia, que devemos ser criminalizados", destacou.
Roberta Baggio, da coordenação do Grupo de Trabalho pela implementação da Comissão da Verdade na UFRGS, refletiu sobre a resiliência de sua comunidade após a enchente em todo o estado e expressou emoção ao ver a participação no evento. A docente enfatizou a relevância da memória e do enfrentamento ao legado autoritário da ditadura militar de 1964, que alimentou o impeachment de Dilma Rousseff 2016 e os atos antidemocráticos nos anos subsequentes. “A nossa tradição autoritária alimentou e tem alimentado a extrema direita brasileira", disse.
Baggio reforçou o papel essencial das universidades na resistência à ditadura e a responsabilidade de garantir que as novas gerações conheçam essa história. "A UFRGS, que contou com estudantes e professores com papel significativo na resistência à ditadura, nunca instituiu uma Comissão da Verdade. Agora, daremos esse passo crucial no dia 10 de dezembro, para reescrever essa página da história e garantir que as novas gerações conheçam o que de fato aconteceu”, afirmou. Ela convidou as pessoas presentes no seminário a se engajarem neste processo, incentivando a comunidade universitária e sindical a apoiar a iniciativa e fortalecer a participação no evento inaugural.
Liliane Giordani, diretora da Faced, alertou que há uma geração de docentes que “precisa se sentir parte de uma comunidade, trabalhar em conjunto, pois muitos estão solitários enfrentando demandas de trabalho de até 60 horas semanais". “Potencializar espaços como este, de debate e troca, é essencial. Este seminário, realizado em meio à recuperação do pós-pandemia, representa uma grande oportunidade de aprendizado, um retorno à presencialidade que traz consigo a recuperação de nossas dores”, afirmou. Segundo Giordani, a faculdade tem investido no Centro de Memória para resgatar a história das professoras e dos professores e das gerações passadas.
Maria Ceci Misoczky, 2ª vice-presidenta da Regional Rio Grande do Sul e do Grupo de Trabalho de História do Movimento Docente (GTHMD), destacou a importância simbólica do espaço onde ocorre o evento, um local que acolhe as assembleias do ANDES-SN, frequentemente lotado em momentos históricos, e o registro de marcos históricos como os 180 anos da traição e do massacre dos Porongos, em novembro, que rememora a traição e assassinato de lanceiros negros durante a Revolução Farroupilha.
A diretora do Sindicato Nacional, que também integra a Comissão da Verdade do ANDES-SN, fez uma menção às e aos sindicalistas técnicos da UFRGS, falecidos em um acidente de ônibus há 30 anos, reconhecendo o impacto dessa tragédia no movimento sindical.
“Eu não posso deixar de saudar também, nessa abertura, o GT de História do Movimento Docente do ANDES-SN e a Comissão da Verdade do ANDES-SN, que representam esse espaço no qual recuperamos a memória, além de registrar esse processo intenso que tem ocorrido nos últimos anos de revogação de homenagens a perpetradores de crimes durante a ditadura, processo que é, em grande parte, impulsionado por GTs e por sindicalizados em seções do ANDES-SN", afirmou.
Troca de experiências
Logo em seguida, foi realizada uma oficina dedicada ao compartilhamento de experiências e à formulação de ações práticas para fortalecer a criação de comissões da verdade e a retirada de homenagens a apoiadores do regime militar em universidades e institutos federais.
A oficina destacou exemplos de universidades que avançaram na recuperação da memória histórica, como a Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), que revogou títulos honoríficos concedidos a figuras como o ex-presidente Emílio Médici e o ex-ministro da Educação Jarbas Passarinho.
A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) também foi citada por ter promovido desomenagens a Médici. Foram abordados, ainda, casos de resistência, como o da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde a comissão da verdade local não pôde prosseguir devido à interferência militar e questões políticas. Em outras universidades existem ainda iniciativas como a diplomação simbólica de estudantes mortos durante a ditadura, que têm reafirmado o compromisso dessas instituições com a memória e com a democracia.
O evento reforçou a importância de preservar documentos históricos e depoimentos, como os acervos das Associação dos Docentes da Universidade Estadual de Campinas (Adunicamp Seção Sindical do ANDES-SN) e da Seção Sindical dos Docentes da Universidade do Rio Grande (Aprofurg), destacando a necessidade de estratégias conjuntas entre sindicatos, universidades e movimentos sociais para promover a justiça de transição. Foram apresentadas propostas práticas, incluindo a elaboração de memoriais para marcar locais de repressão e resistência, e o fortalecimento das ações baseadas no relatório da Comissão Nacional da Verdade.
O caso da Universidade Federal do Acre (Ufac) também chamou atenção das e dos presentes. Com o apoio do Ministério Público Federal, a comunidade acadêmica conseguiu realizar mais de 20 desomenagens a pessoas ligadas, direta ou indiretamente, ao período de ditadura.
A oficina também ressaltou a importância de enfrentar desafios atuais, como a militarização de escolas e práticas autoritárias, e enfatizou o papel da luta sindical na construção de uma sociedade democrática. As discussões e encaminhamentos serão levados à reunião do GTHMD e à Comissão da Verdade do ANDES-SN, que será realizada na tarde de sábado (23).
Memória, Verdade, Justiça e Reparação
No período da tarde, ocorreu a mesa “Memória, Verdade, Justiça e Reparação: ontem e hoje”. Milton Pinheiro, docente da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), refletiu sobre legado e a impunidade da ditadura empresarial-militar no país, que em quase 20 anos resultou na morte de 434 pessoas, além de prisões, torturas, exílios e processos contra milhares de pessoas.
Segundo Milton Pinheiro, a ascensão do regime não foi apenas fruto de uma "cultura autoritária", mas da articulação entre frações da burguesia interna, representada por entidades como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e organizações de latifundiários, em aliança com o capital internacional. Esse bloco controlava a política por meio de parlamentares e partidos que garantiam a defesa dos interesses da classe dominante.
Pinheiro destacou o papel histórico do ANDES-SN na preservação da memória, incluindo levantamentos sobre as e os docentes assassinados pelo regime. Ele critica a mídia corporativa por tentar suavizar a violência da ditadura e ocultar seu caráter de classe. Reflete ainda sobre o "intervalo democrático" de 1947 a 1964, um período de intensa luta de classes, encerrado pelo golpe de Estado que reprimiu movimentos populares, como camponeses e sindicatos.
A transição democrática, segundo o docente, foi marcada pela manutenção de estruturas autoritárias, com a Lei da Anistia garantindo impunidade aos torturadores. Também denunciou os resquícios autoritários na política atual, como o uso do artigo 142 da Constituição para justificar intervenções militares. “O movimento da anistia é ímpar no contexto brasileiro. Aqui, o assassino e o assassinado foram colocados como iguais diante da lei. Aquele que foi torturado e aquele que foi torturador estão em paridade, e isso precisa ser rediscutido.”
O docente da Uneb concluiu afirmando que a reparação histórica só será completa com o enfrentamento das estruturas de poder que sustentam essa impunidade, evitando que as violações de direitos humanos sejam normalizadas e que as bases democráticas do país continuem fragilizadas.
Suzana Keniger Lisboa, natural de Porto Alegre (RS), foi integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e enfrentou a repressão da ditadura empresarial-militar de forma pessoal e política. Em 1972, seu companheiro, Luiz Eurico Tejera Lisboa, foi assassinado pelo regime. Após anos de luta, Suzana conseguiu localizar o corpo de Luiz Eurico, enterrado em São Paulo. Sua descoberta, em 1979, marcou o primeiro resgate de um desaparecido político ainda durante a ditadura.
Suzana criticou a omissão de governos democráticos, incluindo os governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, que, segundo ela, falharam em acolher os familiares e enfrentar o passado autoritário. Ela lamenta que os familiares, que foram essenciais para revelar dados sobre os mortos e desaparecidos, enfrentaram isolamento e resistência, inclusive de setores da esquerda, que temiam comprometer o processo de redemocratização.
Ela destacou os avanços limitados, como a Lei 9.140/1995, sancionada por Fernando Henrique Cardoso, que reconheceu mortes pela ditadura e criou uma comissão para analisar novos casos. Este trabalho, base para a Comissão Nacional da Verdade (CNV), ajudou a desmentir a narrativa oficial de que as mortes foram resultado de suicídios ou conflitos internos. Ela, porém, saiu da comissão em 2005, criticando a falta de acesso a arquivos e o descaso em preservar a memória histórica.
A ativista cobra respostas às perguntas que permanecem sem solução: “Onde estão os corpos? Quem matou?”. Para Suzana, não há democracia enquanto houver desaparecidos, e a luta por memória, verdade e justiça segue essencial.
Lucas Pedretti, professor da rede pública municipal de Maricá (RJ), enfatizou necessidade de expandir os debates históricos para incluir questões de classe, raça, gênero e território. Ele situa a ditadura militar brasileira como parte de uma longa tradição de violências estruturais herdadas do colonialismo e do racismo, destacando que essas práticas de repressão foram direcionadas contra populações marginalizadas, como negros, indígenas e pessoas que moram nas periferias.
Citando o filme brasileiro “Ainda Estou Aqui” (2024), Pedretti ressaltou como a narrativa da película humanizou as vítimas da ditadura e evidenciou que a violência estatal não se restringia às elites políticas, mas era, na verdade, uma continuidade das práticas já utilizadas contra as periferias. Ele lembra que episódios emblemáticos, como o assassinato do ex-deputado Rubens Paiva, só ocorreram porque os militares já estavam habituados a torturar e interrogar presos nas favelas.
Segundo o professor, as incinerações de corpos de militantes políticos nos fornos da Usina Cambahyba, no Rio de Janeiro, só foram possíveis por ser um espaço já utilizado para desova de corpos de “criminosos comuns”. Pedretti ressaltou que essas táticas de repressão e eliminação foram desenvolvidas e normalizadas ao longo de séculos, baseando-se em recortes de raça, território e classe, e posteriormente apagadas da historiografia oficial.
"A ditadura só é capaz de assassinar Rubens Paiva impunemente porque, historicamente, o Estado brasileiro assassinou impunemente moradores de favelas, moradores de periferias, a população negra, os povos indígenas, os trabalhadores do campo", disse.
Sentido de classe do golpe de 1964 e da ditadura
Após a realização da mesa, ocorreu a conferência "O sentido de classe do golpe de 1964 e da ditadura: um debate necessário, em tempos de neofascismo". Gilberto Calil, 1º vice-presidente da Regional Sul e integrante da coordenação do GTHMD do ANDES-SN, contextualizou o período ditatorial abordando o intervalo entre 1930 e 1964, caracterizando-o como um projeto burguês nacional de democracia restrita, marcado por limitações às liberdades democráticas.
A hipótese central apresentada pelo docente, alinhada a diversos autores, é a de que o golpe de 1964 no Brasil foi resultado de uma articulação ampla e sistemática entre setores civis e militares, associações da sociedade civil e entidades de classe representativas dos interesses da burguesia. Essa articulação visava viabilizar uma nova etapa do capitalismo brasileiro, marcada por transformações profundas, e não apenas pela preservação da situação vigente.
De acordo com Gilberto Calil, o golpe de 1964 foi impulsionado pela crise do populismo e pelas tensões geradas por reivindicações trabalhistas, reforma agrária e mobilizações sociais que ameaçavam os interesses das classes dominantes. A solução escolhida foi a imposição de um modelo econômico dependente de capitais externos, com repressão às trabalhadoras e aos trabalhadores e o desmonte de conquistas sociais, algo que só seria viável sob uma ordem repressiva.
Em sua apresentação, Calil questionou a ênfase exclusiva no número de 434 pessoas mortas e desaparecidas, oficialmente reconhecidos pela Comissão Nacional da Verdade, reivindicando que se denuncie também os 1.196 camponesas e camponeses assassinados e os mais de 8.000 indígenas mortos, além de avaliar que o impacto da ditadura se expressa também nas cerca de 50 mil pessoas presas por motivos políticos apenas nos primeiros meses do regime, das quais 20 mil foram torturadas, além de centenas de processos judiciais instaurados.
O diretor do Sindicato Nacional fez um alerta sobre as publicações que minimizam as ações repressivas, transferindo responsabilidades para a esquerda ou tratando a ditadura como resposta a um "golpe iminente" da esquerda, além de criticar o revisionismo histórico que descreve a ditadura como improvisada e com apoio popular.
Para ele, a análise crítica do período é essencial para compreender o legado autoritário no Brasil.
Como parte da programação oficial do seminário, docentes prestigiaram o espetáculo musical de Nei Lisboa, uma das maiores referências da música do Rio Grande do Sul e que conta com uma trajetória de mais de 40 anos de música.
Fonte: Andes-SN
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A Câmara dos Deputados aprovou na última quarta-feira (13) o regime de urgência para a tramitação do Projeto de Lei (PL) 1958/21, que reserva às pessoas pretas e pardas, indígenas e quilombolas 30% das vagas oferecidas nos concursos públicos e processos seletivos simplificados no âmbito da administração pública federal. O regime de urgência acelera a análise de uma proposição, dispensando prazos e formalidades, para que ela seja decidida mais rapidamente.
De autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), o PL já foi aprovado no Senado Federal no primeiro semestre deste ano. A proposta estava na Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais da Câmara, onde recebeu parecer favorável da relatora, deputada Carol Dartora (PT-PR), e agora ela está pronta para ir ao Plenário. Um estudo de 2023, citado no parecer, destaca que, com a cota atual de 20%, a representatividade proporcional de pessoas pretas e pardas no funcionalismo público só seria alcançada em 2060. Com a ampliação para 30% e a inclusão de indígenas, a meta seria antecipada para 2047.
No final de outubro, representantes da diretoria do ANDES-SN estiveram na Câmara dos Deputados para pedir a aprovação do projeto. Durante a visita, o Sindicato Nacional entregou uma carta a parlamentares em que manifesta seu apoio à ampliação das cotas. O documento também foi enviado às seções sindicais para que encaminhem o texto às assembleias legislativas estaduais, enfatizando a importância da mobilização em defesa da proposta.
Reparação histórica
O ANDES-SN classifica a ampliação das cotas como um avanço na luta por uma sociedade mais justa e equitativa. “A reserva de cotas em concursos públicos representa uma conquista dos movimentos negros visando reparar as desigualdades raciais que marcam profundamente a sociedade brasileira. Nosso sindicato defende de forma intransigente essa conquista, pois compreende não ser possível construir uma educação pública, gratuita e socialmente referenciada sem políticas de enfrentamento ao racismo em todas as suas formas de manifestação”, afirma a entidade, na carta entregue a parlamentares.
O Sindicato Nacional também destaca que o PL 1958/2021 é mais um passo significativo na construção de uma educação antirracista, que é um compromisso essencial para o fortalecimento da democracia e da inclusão social no Brasil.
Fonte: Andes-SN
Após quatro dias de debates intensos, profundas trocas e compartilhamentos de experiências e dores na luta em defesa da classe trabalhadora e da juventude contra os ataques do Capital, chegou ao fim na quinta-feira (14) o III Congresso Mundial contra o neoliberalismo na Educação. O Congresso foi realizado no Rio de Janeiro de 11 a 14 de novembro, mas manteve atividades até o dia 16, quando aconteceram visitas a movimento sociais e comunidades do Rio de Janeiro.
Nas declarações finais, foi reafirmada a urgência na construção da unidade entre os movimentos sindical, estudantil, sociais e de toda a classe trabalhadora no enfrentamento aos ataques do neoliberalismo – em suas mais diversas formas – sobre a Educação.
Em sua fala final, o presidente do ANDES-SN, Gustavo Seferian celebrou as participações vindas das mais diversas partes do Brasil e das Américas, bem como da Europa. “Saímos certos de que temos muito a construir de forma unitária. É fundamental balizar nossas ações pelos pontos comuns, respeitando a diversidade de tradições políticas, sociais e culturais. A riqueza dessas diferenças fortalece nossa luta por uma educação emancipatória, internacionalista e anticapitalista”, apontou Seferian.
O presidente do ANDES-SN continuou. “A luta educa e cada experiência nos prepara para os desafios futuros. As tarefas apontadas serão cumpridas por cada entidade, movimento e organização. Pelo Sindicato Nacional, destacamos avanços qualitativos em relação ao segundo congresso, especialmente com a presença do movimento estudantil, que, mesmo com diferenças nas disputas internas, construiu aqui um caminho comum”, acrescentou.
Como resultado dos debates, o Congresso aprovou uma Declaração Final na qual destaca a discussão sobre a importância das questões raciais, de gênero e de classe na construção de uma educação emancipadora, na qual os sindicatos dos trabalhadores e das trabalhadoras da educação e o movimento estudantil organizado desempenham um papel central.
O documento aponta ainda os riscos da digitalização acelerada dos sistemas escolares e universitários, que não é acompanhada de equidade social e de um aumento do financiamento público para a educação. A avaliação é que uma educação híbrida sem que o Estado financie a conexão à internet e forneça equipamentos adequados, para trabalhadoras e trabalhadores da educação e estudantes, constitui um novo modelo de privatização educacional.
A declaração assevera ainda que a defesa da laicidade, da liberdade de ideias, da educação sexual integral, do direito de decidir livremente sobre nossos corpos e do reconhecimento da diversidade sexual, étnica e das negritudes está seriamente ameaçada pelo neoconservadorismo educacional.
Para conhecer a íntegra da Declaração Final do III Congresso Mundial contra o Neoliberalismo na Educação, clique aqui.
Apelo mundial à resistência
O III Congresso Mundial também aprovou um apelo para impulsionar um processo internacional de articulação sindical e gremial dos trabalhadores e trabalhadoras da educação junto ao movimento pedagógico, das educações populares e estudantil na construção conjunta de resistências antineoliberais e anticapitalistas.
O chamado propõe a convergência de perspectivas entre sindicatos, organizações gremiais, movimentos estudantis e de juventudes, coletivos de educações populares e pedagogias críticas, setores organizadores da educação não formal e autônoma, movimentos sociais da educação, grupos de educadores e educadoras indígenas, organizações com perspectiva de gênero e diversidades sexuais, que compreendem a importância de consensuar posições e coordenar esforços em defesa da educação pública e contra o neoliberalismo na Educação, bem como a ofensiva capitalista sobre os sistemas escolares e universitários.
O documento se apresenta como proposta às entidades e organizações das resistências educacionais que participaram do III Congresso Mundial contra o Neoliberalismo na Educação, assim como a todos os coletivos ao redor do mundo que lutam pelo direito à educação pública presencial. "Fazemos isso com o pedido expresso para ser avaliada a adesão à iniciativa nos próximos meses, antes da Conferência Internacional de abril de 2025, que será realizada no México, onde avançaremos na construção de um plano de ação", afirma o texto.
A íntegra do chamado pode ser lida aqui.
Resoluções, manifestos e declarações
O III Congresso Mundial também aprovou, ainda, resoluções, moções, declarações e manifesto, que podem ser acessados a seguir:
- Manifesto contra a criminalização da luta pela educação no Rio de Janeiro
- Comunicado Solidário III Congresso Mundial com o SIMTA
- Manifesto em solidariedade ao Professor Adriano Gomes da Silva
- Manifesto do III Congresso Mundial contra o Neoliberalismo na Educação sobre a reunião do G20
IV Congresso Mundial contra o Neoliberalismo na Educação
Outra importante deliberação aprovada pelo plenário foi a construção do IV Congresso Mundial contra o Neoliberalismo na Educação, para 2026. Já em abril do próximo ano ocorrerá, no México, a Conferência Organizativa que viabilizará o IV Congresso.
Assista aqui todo o debate da última mesa do III Congresso Mundial contra o Neoliberalismo na Educação.
Fonte: Andes-SN