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Quinta, 25 Setembro 2025 15:12

FRACISCO DE ASSIS, SANTO E PROFETA - Juacy da Silva

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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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JUACY DA SILVA*

 

“Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz; onde houver ódio, que eu leve o amor; onde houver ofensa, que eu leve o perdão; onde houver discórdia, que eu leve a união; onde houver dúvida, que eu leve a fé; onde houver erro, que eu leve a verdade; onde houver desespero, que eu leve a esperança; onde houver tristeza, que eu leve a alegria; onde houver trevas, que eu leve a luz! Ó Mestre, fazei que eu procure mais: consolar, que ser consolado; compreender, que ser compreendido; amar, que ser amado. Pois é dando que se recebe, é perdoando que se é perdoado e é morrendo que se vive para a vida eterna!” Oração de São Francisco de Assis.

“São Francisco de Assis pode ser considerado um profeta por seu retorno radical ao Evangelho, vivendo a pobreza e a fraternidade com os mais necessitados, o que o tornou um "anti-sistema" que confrontou a riqueza e a indiferença de sua época. Sua vida foi um anúncio profético do Reino de Deus, onde os pobres e oprimidos são os primeiros a serem abraçados, e sua preocupação com os animais, a natureza e todo o universo o configuram como um profeta da vida e do cuidado com a "Casa Comum”. Por isso, é também o Santo protetor dos animais, o defensor da natureza e o Patrono/padroeiro da Ecologia Integral.

Para os cristãos — católicos romanos, ortodoxos e evangélicos — Deus falou no passado, em diferentes momentos da história, e continua falando no presente à humanidade, através dos profetas, de suas vozes, de suas atitudes, de seus comportamentos, de seus estilos de vida e de suas ações.

O único problema é que, tanto no passado quanto no presente, nós, a humanidade, teimamos em não ouvir a voz de Deus pelos profetas que ainda existem entre nós, muitos deles verdadeiros mártires que lutam ao lado dos pobres, oprimidos e excluídos.

Os profetas eram e são homens e mulheres que viveram e vivem em profunda comunhão com a Divindade, Deus, o Criador, e não fazem adivinhações quanto ao futuro, mas sim, são pessoas extremamente “enraizadas” em seus tempos históricos e seus territórios, pessoas de carne e osso, muitas das quais também realizaram diversos milagres reconhecidos pela Igreja e também pela ciência, razão pela qual foram e continuam sendo canonizadas, ou seja, tornando-se Santos e Santas, como São Francisco de Assis.

Profetas são pessoas que, diante das maldades humanas, das injustiças sociais, econômicas e políticas, transmitem às demais pessoas, às nações e sociedades o desapreço divino em relação ao que a humanidade, principalmente os poderosos, os chamados “donos do poder” e seus apoiadores, os donos do capital, das riquezas e das rendas, infligem de injustiças e violência aos humildes, aos pobres, aos excluídos em cada momento histórico e em cada território.

Muitas vezes, o profetismo não é exercido pela palavra, mas pelo exemplo de uma vida que foge aos padrões de ostentação ou de exploração do povo. É por isso que os profetas, além de denunciarem as práticas injustas e pecaminosas das pessoas, também anunciam as boas novas, ou seja, coerentes com a ideia de que não basta denunciar o que está errado, mas o mais importante é, também e principalmente, apontar o caminho ou os caminhos que levem a um mundo melhor, um mundo onde reine a fraternidade, a solidariedade, a equidade, a justiça, a inclusão, a dignidade humana, a cidadania e o respeito pelos direitos humanos em sua plenitude. Enfim, a sociedade do bem viver ou a terra sem males.

Diante desses parâmetros é que eu gostaria de situar São Francisco de Assis, o protetor dos animais, o defensor da natureza e o visionário da ecologia integral; por isso, além de Santo, também podemos considerá-lo um profeta que, principalmente pelo seu exemplo, seu estilo de vida, sua maneira bastante “esdrúxula” de observar e tentar entender o universo como obra da Criação de Deus — a natureza, todos os seres vivos, animais e plantas — demonstrava que, ao assim viver, estaria fazendo a vontade do Criador e abrindo caminho para que todas as obras da criação sejam entendidas como criadas e pertencentes a um mesmo princípio criador. Razão pela qual a todas as obras da criação o jovem Francisco de Assis as chamava de irmão e irmã (irmão sol, irmã lua, irmão lobo, irmão rouxinol... como na música Cantiga por Francisco, do Padre Zézinho), já que somos uma grande família e temos um mesmo Pai.

Giovanni di Pietro di Bernardoni, depois São Francisco de Assis, nasceu na cidade de Assis, na Itália, no dia 5 de julho de 1182 e, bastante doente, debilitado, assistido pelos discípulos, irmãos e irmãs de caminhada, faleceu com apenas 44 anos de idade em Assis, Itália, no dia 3 de outubro de 1226. Dois anos depois de sua morte, ele foi canonizado pelo Papa Gregório IX, tornando-se São Francisco de Assis.

Em um determinado momento de sua vida, ao ouvir a “voz de Deus” dizendo-lhe para reformar a sua Igreja, no início imaginou que seria uma reforma física de uma determinada igrejinha na Itália do século XII, e foi assim que ele fez.

Mas, na verdade, a reforma da Igreja que Deus estava falando para o jovem Francisco de Assis não era uma reforma física, mas uma reforma moral, uma reforma ética, uma reforma espiritual, contra uma Igreja que vivia (e em certo sentido ainda vive) na opulência, abraçada com os donos do poder, com os poderosos, apesar de dizer-se uma Igreja que faz a opção preferencial pelos pobres.

E por falar em pobres, São Francisco de Assis era de origem de uma família rica, abastada, que abandonou todas as benesses que poderia ter usufruído e vivido com seus pais e demais parentes, e optou, de forma profética, por uma mudança radical: passou a viver na pobreza, junto aos pobres e também junto aos animais, em permanente contato com a natureza, demonstrando que Deus ama verdadeiramente os pobres e caminha com eles, enfrentando todos os dissabores e injustiças que sofrem cotidianamente.

Uma coisa é sermos solidários com os pobres, os famintos, os injustiçados, os sem-teto, os sem-terra, os sem-comida, os sem-direitos, os sem-liberdade, os abandonados, os que sofrem discriminação e preconceitos, as pessoas que sofrem violência de toda ordem — enfim, quem vive nas periferias físicas e existenciais — mas apenas por palavras; outra coisa, bem diferente, diametralmente oposta, é estarmos ao lado, caminharmos juntos e juntas com quem vive na pobreza e sofre as agruras da vida, enfim, tudo o que nós sabemos e vemos que sofrem, como fazia o jovem Francisco de Assis.

Depois de sua conversão e de ter abandonado a vida luxuosa em que vivia sua família, para dedicar-se inteiramente à caminhada ao lado e com os pobres, principalmente doentes, inclusive leprosos, em 1208 pediu autorização ao Papa para fundar uma irmandade mendicante.

Em 1219 estava fundada a “Ordem dos Irmãos Mendigos de Assis”, que se instalou em cabanas no alto dos montes e no interior das cavernas, renunciando a qualquer forma de propriedade e tendo uma vida em comum, como nas comunidades cristãs primitivas.

Conforme relato de Dilva Frasão, sobre a biografia de São Francisco de Assis: “Em 1215, no intuito de resguardar a autoridade papal, o Concílio de Latrão reconheceu a 'Ordem dos Irmãos Menores de Assis’. O Cardeal Ugolino foi designado 'protetor' da Ordem. Francisco consentiu repartir seus discípulos em dois grupos para seguir em peregrinação pelo mundo para disseminar o sentimento da fé cristã e converter os infiéis. Durante a peregrinação, os franciscanos tiveram seus primeiros martírios, quando cinco discípulos foram mortos em Ceuta pelos muçulmanos, pois recusaram sua conversão. Francisco de Assis embarcou para a Terra Santa, onde foi aprisionado e levado ao sultão. Para mostrar a superioridade da fé cristã, Francisco andou sobre brasas e imediatamente foi libertado”.

No mesmo relato, Dilva Frasão menciona um pouco da história primitiva dos franciscanos quando enfatiza que: “Em 1220, Francisco de Assis voltou para a Itália e encontrou uma cisão no movimento (franciscano). Alguns discípulos, pressionados por Ugolino, preconizaram uma reforma com novas 'regras', menos severas quanto ao voto de pobreza.

Em 1221, Assis apresentou um texto com a nova 'Regra' para a ordem: 'Observar o Santo Evangelho, viver da obediência, da castidade e não possuir absolutamente nada e só dividir a pobreza’.

O texto foi recusado pelo cardeal Ugolino. Em 1223, o texto foi retocado e finalmente aceito pelo Papa Honório III. Naquela ocasião, os franciscanos perderam muitos dos traços que os distinguiam originariamente.

Um fato curioso foi a inspiração que Francisco de Assis exercia em relação à sua amiga Clara, depois também canonizada como Santa Clara. Ambos devotaram suas vidas aos pobres e excluídos. Costuma-se dizer que São Francisco de Assis foi o mentor ou "pai espiritual" de Santa Clara de Assis.

Quase oito séculos depois de sua morte e canonização, São Francisco de Assis também inspirou o cardeal Jorge Mário Bergoglio que, ao ser eleito Papa, em 13 de março de 2013, escolheu o nome de Francisco, tendo como motivação a vida piedosa, voto de pobreza, defensor dos pobres, dos animais e da ecologia integral.

Inspirando-se em São Francisco de Assis, o Papa Francisco tornou-se um novo profeta da ecologia do século XXI, ao publicar a Encíclica Laudato Si e as Exortações Querida Amazônia e Laudate Deum; ao criar o Dia Mundial dos Pobres, instituído pela Carta Apostólica Misericordia et Misera, publicada em 20 de novembro de 2016, ao fim do Jubileu Extraordinário da Misericórdia e celebrado no 33º Domingo do Tempo Comum de cada ano (neste ano em 16 de novembro de 2025), com o objetivo de motivar a Igreja Católica e demais igrejas cristãs e as sociedades no mundo inteiro a reconhecerem que o amor de Cristo pelos pobres é algo fundamental para construirmos um mundo melhor.

Outra proposta do Papa Francisco, inspirada em São Francisco de Assis, é a substituição dos paradigmas que sustentam a economia da morte, característica dos atuais sistemas econômicos que não respeitam nem a natureza, nem os direitos dos trabalhadores, dos consumidores e nem das futuras gerações, por novos paradigmas que sejam os alicerces de uma economia da vida, da agroecologia e da economia solidária e circular, a chamada Economia de Francisco e Clara, em alusão a São Francisco de Assis e Santa Clara de Assis.

Estamos nos aproximando do término do Tempo da Criação e também do dia dos animais, dia da natureza e também dia de São Francisco de Assis, em 4 de outubro próximo, razão mais do que suficiente para celebrarmos também a figura deste Santo dos pobres, dos animais, padroeiro da Ecologia Integral e profeta de uma Igreja em saída, missionária, samaritana e sinodal.

Nesses tempos tão difíceis em que o mundo está vivendo, em meio a tantas guerras, genocídio, violência, ódio, fome, pobreza, degradação ambiental, crise climática e tantos outros males, qual seria a mensagem, por palavras e ações, que nos daria o jovem Francisco de Assis? Certamente, um mundo de paz, com justiça, equidade, solidariedade, sustentabilidade e muito amor aos nossos próximos, principalmente aos pobres!

Oxalá possamos refletir sobre a vida, a obra e os sonhos de Francisco de Assis (ele também sonhava com um mundo melhor), tendo como carisma o que ele expressava por seu estilo de vida, pelo exemplo, pelas palavras de sua oração transcritas no início desta reflexão! Paz e Bem!

 

*Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy 

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