Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
A publicidade brasileira sabe ser sedutora. Todavia, de forma geral, ela ainda protege velhos conceitos sociais e reforça preconceitos.
Tais proteções e reforços evidenciam-se quando comparamos conteúdos de anúncios – que visam também interferir em comportamentos – com os de telenovelas, que vêm tentando, sob críticas, estabelecer maior aproximação da realidade com a criação ficcional.
Nesse sentido, contemplando liberdades inseridas no arcabouço do “politicamente correto”, e mais especificamente no campo da sexualidade, o SBT exibiu em 2011 o primeiro beijo gay na dramaturgia nacional.
Há pouco, na Globo, outro motivo de polêmica: duas personagens idosas trocaram carícias e beijos.
Para os conservadores, um escândalo. Ao que tudo indicava, o beijo gay não podia ocorrer nunca na dramaturgia de nossa TV, mas ridicularizar gays em programas de humor sempre foi permitido. Lembram-se dos gracejos que a personagem Zacarias ouvia dos demais trapalhões da mesma Globo?
E contra os negros? No mesmo programa, Mussum – de pouco ou nenhum refinamento – vivia embriagado. Os preconceitos atingiam também as mulheres obesas e mais velhas, sempre ridicularizadas quando postas ao lado de alguma jovem magra, loira...
Enfim, excetuando esse tipo de humor grosseiro, nas telenovelas brasileiras cada vez mais personagens fora do convencional têm ganhado espaço.
E em nossa publicidade?
Bem. Diferentemente de várias propagandas governamentais, que já tencionam a sociedade de forma mais próxima do real dos “pecadores” e mortais da sociedade, a maioria dos anúncios continua vendendo um estilo de vida conservadora. O machismo é a base para muitas das produções publicitárias.
No entanto, eis que, de forma simultânea, alguns anúncios atualíssimos parecem inaugurar uma nova forma de abordar as relações sociais. Aponto três desses trabalhos, a saber.
O primeiro é um anúncio de um automóvel de marca alemã. Nele, um garotinho sonha com o carro como presente de aniversário. Sua jovial mãe, realizando o sonho do filho, lhe apresenta o novo automóvel, mas o faz junto com “uma pessoa”: seu novo companheiro.
Pois bem. Esse anúncio reconhece a força social da mulher, que pode tanto obter um bem material (um carro, no caso), quanto assumir um outro “bem” no plano amoroso.
Em outro anúncio, outro automóvel, mas de marca francesa: dois homens maduros, e não um casal heterossexual, como de costume, estão fazendo um “test drive” do carro. Os dois trocam olhares, sob enunciados dúbios a respeito da “beleza do automóvel”. Ao final, depois de o anúncio reforçar a força/potência do automóvel, surge uma pergunta do narrador em off aos dois rapazes, que se entreolham: “E daí, vai continuar achando só bonito?”
De forma sutil, o anúncio parece inserir como protagonistas no cenário de nossa publicidade um casal homossexual maduro e estabilizado financeiramente. Isso também é novo em nossa publicidade.
O terceiro é um anúncio de uma cerveja, que já havia tido um comercial vetado pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). Motivo: machismo explícito.
Agora, em outro anúncio da marca, um casal está num bar. De forma insinuante, a personagem Verão é chamada pelo rapaz. No entanto, sua companheira dá o troco: também de forma insinuante, ela chama pelo jovem garçom: direitos iguais.
Acontece que, ao se resguardar tais “direitos”, estabelece-se uma disputa explícita para ver quem é mais infiel. Embora muito velho na vida, isso também parece ser novo no cenário de nossa publicidade.