Nasci em casa, na “Rua de Baixo” (Galdino Pimentel, há oitenta anos, onde morei até aos onze anos de idade.
Depois, vivi na “Rua do Campo” (Barão de Melgaço) até aos dezessete anos, quando fui concluir o ensino médio (Colégio Anglo Americano) e Medicina na Praia Vermelha (hoje UFRJ), no Rio de Janeiro.
Sou produto do hoje Centro Histórico de Cuiabá, totalmente abandonado pelas nossas autoridades.
Permaneci cerca de doze anos na “Cidade Maravilhosa”. Durante este período residi em treze endereços diferentes em seis bairros, todos na zona sul pelas proximidades com minha escola.
Comecei alugando vaga em quarto e terminei em uma quitinete.
Esse período de “pula-pula” foi enriquecedor! Absorvi muita coisa útil para a minha vida.
Tempo de enriquecimento humanístico, para consolidar a minha educação caseira de menino do interior, com aquisição de novos valores que só me trouxeram benefícios.
Tive muita sorte em frequentar uma excelente Escola de Medicina, com professores que disputaram o Nobel de Fisiologia (Thales Martins), que perdeu para o argentino Houssay, em cujo livro eu estudei.
O nosso professor de Biofísica (Carlos Chagas Filho) era um dos consultores científicos do Vaticano. O corpo docente da Praia Vermelha era composto pelos melhores mestres do Brasil.
Tinha colegas estrangeiros e de praticamente todos os Estados brasileiros, pois na ocasião possuíamos apenas vinte e três escolas para o ensino médico.
O Rio ainda era a capital do Brasil e vivia um momento mágico de efervescência cultural com o surgimento da “bossa nova”. Elenco de jovens músicos e compositores universitários, tendo como líder o poeta Vinícius de Morais, diplomata de carreira do Itamaraty.
O Rio era uma cidade alegre, onde não temíamos assaltos ou arrastões.
Namorava-se nos bancos das praias com a maior tranquilidade, e nosso transporte predileto (por ser barato), eram os bondes da Light.
Cinemas, teatros, dancings, bares, boates e restaurantes eram a cara do Rio.
Copacabana, com sua famosa praia, era chamada de “princesinha do mar”, mas, o Arpoador no Posto 9, era o que havia de mais sofisticado em termos de praias, com as suas lindas mulheres.
Na época, o Leblon era o fim do mundo e Ipanema a capital do Rio de Janeiro, por mérito.
Terminei o meu curso de medicina e fiquei mais cinco anos me preparando para ser médico do interior.
Retornei à Cuiabá e encontrei o Centro de Cuiabá bastante transformado, para pior.
As residências desapareceram e deram lugar ao comércio.
Depois de tudo deturpado, como é hábito acontecer, a região foi tombada, e hoje pertence ao Patrimônio Histórico Nacional.
Seus casarões terminaram em ruínas, outros foram demolidos para dar lugar a lojas comerciais, como a casa onde nasci.
As calçadas, com suas cadeiras de balanço, eram verdadeiras salas de visitas, e foram substituídas por moradias de dependentes químicos e mendigos.
Sem recursos e sem políticas sociais, acabamos por nos acostumar com o abandono a que foi submetida a nossa manjedoura. Consequentemente, o aumento insuportável do índice de violência, incompatíveis com a outrora “Cidade agarrativa e linda” dos nossos poetas.
Hoje, moro em uma torre de concreto na antiga “Rua do Caixão” (Estevão de Mendonça), de onde observo uma cidade que não é a que nasci.
O progresso chegou! E o desenvolvimento foi esquecido.
Gabriel Novis Neves
25/10/2015