Quinta, 12 Novembro 2015 13:42

“DIÁLOGOS” FEDERAIS

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT 

Como sou um peixe que pouco se seduz pelos meandros sem-fim das redes sociais, tem sido comum me sentir um vertebrado aquático fora d’água em diversos momentos em que pessoas próximas comentam sobre “a última” que viram na internet. Claro que isso não me causa a sensação de “(des)pertencimento” deste mundo. Uso as redes só o necessário; e o necessário para mim é bem pouco, é quase nada.

Lógico que essa condição me impede de saber de tudo em tempo real. Dias atrás, p. ex., vi rapidamente alguns jornalistas explicando em um telejornal o significado de “jihadista”. A explicação era dada por conta de um “erro crasso” ocorrido no Facebook do Ministério da Justiça (MJ). 

Aí, reconheço, o peixe caiu na rede. Entrei no site do telejornal para me inteirar da situação. Tratava-se de um “diálogo” de um internauta com o referido ministério.

Explico: o MJ lançara a campanha “#EuTambémSouImigrante”, visando combater a xenofobia. Na busca da interação pelas redes, afirmava-se ali que “Imigrantes de todas as partes do mundo ajudam a construir nosso país”. Depois, o MJ convidava o internauta a participar da campanha e fazer o seu post.

O “facebookiano” Heder Duarte aceitou o diálogo, dizendo: “Imigrantes pacíficos são bem-vindos, já os jihadistas devem ser bloqueados de entrar no Brasil”.

A isso, responde o MJ: “Temos que (sic.) desconstruir alguns conceitos, Heder. Os jihadistas, assim como qualquer outro povo de qualquer outra origem, vêm ao Brasil para trazer mais progresso ao nosso país e merece (sic.) respeito”.

Penso que nem nas respostas do ENEM, já subtraindo os probleminhas com a língua materna, sairia uma pérola como essa. O termo “Jihad”, em árabe, significa “luta ou empenho em disseminar a fé”, e não a designação de um povo.

Recentemente, “Jihad” passou a ser usado por radicais islâmicos como convocação para a “guerra santa”. Logo, “jihadista” é o indivíduo que atente a esse chamado.

O MJ reconheceu o “erro crasso”, dizendo que a empresa contratada para responder aos internautas já havia sido afastada.

Como?!?

Empresa responde os diálogos propostos pelos ministérios?

Até isso foi privatizado pelo governo?

Por mais absurdo que seja, sim.

Por coincidência, logo depois, vi uma propaganda do governo federal sobre o “Dialoga Brasil: o país fica melhor quando você participa”. Isso foi lançado pela presidente da República em ato público no último dia 28 de julho; ou seja, no meio da mais extensa greve das universidades federais. Greve na qual o MEC em nenhum momento recebeu o Sindicato dos Professores para qualquer tipo de diálogo. E olhem que até a sala do ex-ministro Janine foi ocupada!

Diante dessas informações, novas e estarrecedoras, pelo menos para mim, fiquei pensando: será que o Sindicato Nacional dos Docentes teria de entrar no Facebook e “dialogar” com o MEC? Ou melhor, dialogar com algum funcionário de alguma empresa privada, contratada para bater papo com internautas? É esse o tipo de diálogo que o governo estabelece com a sociedade civil organizada?

Mas voltando ao “Dialoga Brasil”. Aquele programa abrange os seguintes temas: saúde; segurança pública, educação; redução da pobreza; cultura.

Concretamente, é dito naquela página oficial que “o governo federal analisará as três propostas mais apoiadas em cada programa e dará um retorno à sociedade”.

Bem, a essa altura, só sendo mesmo um abestado das redes para perder tempo com um governo tão inconfiável.

Encerro com uma lembrança: assim como os imigrantes, os brasileiros também merecem respeito.

Ler 2573 vezes Última modificação em Quinta, 12 Novembro 2015 13:43