FANÁTICOS POR QUADRILHAS
Roberto Boaventura da Silva Sá*
Sempre que posso, prefiro fugir de contendas a nelas mergulhar. Perder pessoas próximas é sempre ruim, ainda mais a quem nunca teve a pretensão de “...ter um milhão de amigos...”
Logo após Lula depor na Lava-Jato e discursar no 6º Congresso do PT paulista, escrevi o artigo “Os dias são assim aos fanáticos”. Mas não o publiquei. Agora, mudei de ideia.
Hoje, falarei de fanáticos; por isso, apenas tangenciarei o panorama político, mesmo sabendo de seu caráter estarrecedor. Mas e quando o fanático é colega de profissão? E quando o colega ostenta o título de doutor, que, em tese, far-lhe-ia um pensador?
Em meio ao caos deste momento, vi uma postagem de um fanático por corruptos, ou seja, pelo menos até onde sei, uma nova modalidade de fanatismo. Penso que pessoas assim assemelham-se aos fanáticos por futebol, religião, ou por outra coisa qualquer. Fanático é o tipo de quem não é preciso chegar bem perto para ver que não é normal. Desculpem-me lançar mão do complexo dicotômico “normal versus anormal”.
Para estudos da Psicologia, em geral, os fanáticos apresentam algumas características marcantes: demonstram preconceitos de tipos variados e, por isso, cultivam o ódio; apresentam estreiteza mental e, por isso, vivenciam demora excessiva em determinada situação e/ou circunstância; expõem credulidade em algum tipo de sistema ou de seres que representem tais sistemas e, por isso, os defendem cegamente; são individualistas.
Complemento meu: fanático é radical, mas no pior sentido do termo; logo, referenciando “Sampa” de Caetano, o fanático é intolerante ao que não lhe seja “de espelho”. O fanático tem visão de mundo maniqueísta. Um fanático pode adotar condutas tão irracionais quanto agressivas; pode ser violento para impor seu ponto de vista. A agressão pode ser tanto física quanto simbólica.
Pois bem. Na mensagem que recebi, em sua foto de perfil, há um meme. No plano da paródia, a foto daquele meme poderia lembrar a Monalisa (envelhecida, é claro) de Da Vinci, pois nela se encontra uma foto da senhora Dilma sorrindo com a boca fechada. Embaixo da foto, a pergunta infame que alguns fanáticos por corruptos estão a fazer neste momento em que tudo está ruindo no país: “Já posso rir”?
Não. Não pode. Engula o riso. Ele é desumano. Quem rir, comprova o grau de insanidade, da estupidez, da falta de memória, da falta de leitura política destes dias tão cruéis pelos quais estamos passando. Rir, hoje, da desgraça de Temer e/ou de agentes de outras quadrilhas políticas é, antes de tudo, esquecer dos agentes da quadrilha apeada há pouco do poder. Aliás, é difícil entender como alguém pode esquecer daquela.
Mas os fanáticos esquecem. Ao esquecer, são capazes de gritar – sem constrangimentos – que “Dirceu é guerreiro do povo brasileiro”. São capazes de acreditar que Vaccari – o onisciente, pois estava em diversas as falcatruas – é um “prisioneiro político”. São capazes de desejar o retorno de Lula, o ignorante, pois é aquele que nunca sabe de nada do que ocorre ao seu redor. Em contrapartida, os delatores, deles, não se esquecem. Eles ainda continuam a cada momento sendo lembrados em todas as delações; e por incontáveis milhões.
Diante desse quadro, perguntar se alguém pode rir é ignorar o sofrimento de um contingente de brasileiros desempregados ou subempregados: vítimas de uma sequência de velhos e velhacos criminosos no poder. Quase ninguém escapa. Por isso, não há espaço para riso. Na real: todos nós só temos motivos para chorar; e muito.
*Roberto Boaventura da Silva Sá é Professor de Literatura na UFMT e Doutor em Jornalismo pela USP.
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